Friday, 29 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Margem de erro agrava pesquisite

2? TURNO, AGENDA ? 1

Alberto Dines

Uma taça de vinho à noite não faz mal a ninguém, mais de uma é porre na certa. Sondagens periódicas podem orientar eleitores e candidatos; mas duas por semana, produzidas por quatro institutos, hiperbadaladas, fazem mal. Intoxicam. Confundem. Sobretudo quando berradas em manchetes e sem cuidados na interpretação.

Números solitários podem ser enganosos. Palavras, dificilmente.

As últimas pesquisas, aparentemente, estavam corretas. O que beirou o vexame foi a edição afobada dessas sondagens com algumas pitadas de partidarismo.

Foram quase 10 meses de factóides estatísticos, a começar pela bolha Roseana Sarney em pleno verão, quando os recessos se superpõem e os jornalistas agarram-se a qualquer coisa para garantir o barulho. O “fenômeno político” resumiu-se a uma série de comerciais na TV (num momento em que todos os candidatos ocupavam-se em costurar apoios) escorados no primeiro acesso pisquisótico. Não resistiu ao primeiro choque com a realidade.

O surto desenvolveu-se ao longo da temporada até assumir-se como paroxístico no fim de semana que antecedeu o primeiro turno (28-29/9): jornalistas especializados em política, pagos (e bem pagos) pelos veículos para oferecer aos leitores avaliações sensatas e conscienciosas, esgoelaram-se afirmando que faltava um ponto para que um dos candidatos faturasse a disputa no primeiro turno. Leram números absolutos, esqueceram-se dos relativos ? as fatídicas margens de erro.

Foi o solene desprezo por essas margens de erro que induziu os jornalões a cometer os pecados transformados em manchetes nas edições do dia das eleições:

Folha de S.Paulo: “Garotinho disputa com Serra 2? lugar; Lula segue na frente”

A sondagem não estava errada, erro foi desprezar a tal margem de erro. Garotinho com 19%, Serra com 21% e Lula com 48% foram resultados corretos desde que levados em conta os dois pontos da margem de erro, para mais ou para menos.

Garotinho perdeu-os, ficando com 17%, Serra ganhou-os e terminou com 23%, e Lula acabou com 46% (números redondos, das 12 horas de 7/10).

Conclusão: pesquisa correta, interpretação afobada, manchete errada.

Cauteloso, o Estado de S.Paulo evitou contaminar-se com a numerologia e sapecou “Pesquisas reforçam indefinição no 2? turno”. Melhor a não-informação do que a desinformação.

O Globo: “Maioria dos estados poderá eleger governador no 1? turno”

Temeridade: até às 21 horas de segunda, 7/10, apenas 12 estados já haviam acabado a disputa no primeiro turno. Os 14 restantes, mais o Distrito Federal, foram para o segundo round. A “maioria” do título foi forçada, pura sacada. Jornalismo e profetismo não combinam.

O Jornal do Brasil apelou para a malandragem: “Boca-de-urna decide se haverá segundo turno”.

Como a boca-de-urna é proibida e como é pequeno o contingente de indecisos num pleito tão disputado e aberto, o que jornalão carioca queria dizer é que não sabia o que dizer.

IstoÉ foi o único dos três grandes semanários que apostou todas as suas fichas na roleta das sondagens: “E agora é Lula?” foi a opção de capa. Tão insegura quanto qualquer eleitor, apesar do suporte de uma quinta sondagem. Que Lula ganharia o primeiro turno todos os eleitores, inclusive os de Serra, tinham a certeza. Imprevisível ? pelo visto até para os dois candidatos ? foi a contagem final. Significa que ler este tipo de pirotecnia estatística é tão útil quanto deixar de ler. O titulo complementar “São Paulo ? disputa embolada” não foi inseguro, foi impreciso pois ignorou a relatividade das margens de erro. Com quase de dez pontos percentuais separando os três principais candidatos, evidencia-se que a escolha do verbo “embolar” foi tão aleatória quanto as profecias de Nostradamus.

A febre pesquisótica resultou, paradoxalmente, de uma inusitada gentileza acordada no seio do baronato jornalístico. Os veículos abriram mão da exclusividade com os respectivos institutos e, graças a isso, todos publicaram tudo. Barafunda numerológica que teve o grande mérito de cansar o eleitor e afastá-lo de um placar tão confuso. Talvez definitivamente.

A grande verdade é que os inegáveis avanços na área da opinião pública e estatística estão sendo atropelados pela mídia a cada dois anos ? tanto pelo abuso como pelo mau uso das sondagens.