Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Maria Inês Nassif

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AINDA ACM & ARRUDA

"A Bahia derruba o muro do carlismo", copyright Valor Econômico, 24/05/01

"Antonio Carlos Magalhães não é mais um mito na Bahia. E Salvador tampouco a depositária de uma afável baianidade e da unanimidade carlista. Nas últimas semanas, enquanto ACM enfrentava o Conselho de Ética do Senado, como o centro do escândalo da quebra do sigilo do voto da sessão secreta que cassou o ex-senador Luiz Estevão, Salvador era uma cidade conflagrada. A capital baiana enfim revive a luta pela redemocratização, 17 anos depois da desmilitarização da política brasileira.

?Nós queremos nossos direitos constitucionais?, reclamava uma estudante ilhada pela polícia carlista, que invadiu quatro prédios da Universidade Federal da Bahia no último dia 15. A tropa de choque da polícia militar, as bombas de efeito moral, os feridos e as palavras de ordem dos estudantes remetiam aos idos de 1980.

Antonio Carlos Magalhães, que domina a política baiana desde 1964, está em xeque. Seu poder absoluto sobre o Estado sempre se apoiou no poder da mídia, no controle quase pessoal sobre os setores políticos e sociais, no domínio sobre a Justiça, num estilo implacável de ser inimigo e, sobretudo, no monopólio das relações com o poder federal em favor do Estado. ACM rompeu com o governo, está exposto na mídia nacional e perdendo a neutralidade de setores da sociedade civil, que aos poucos estão embarcando no lado de lá, chamado de ?resistência democrática? por uma pequena mas aguerrida oposição.

Nesses dias tumultuados para o senador Antonio Carlos Magalhães, sintonizar a TV Bahia pode inspirar um estudo de caso. A emissora, de propriedade da família Magalhães, trata o Estado como a capitania hereditária do chefe político que domina o território baiano há 38 anos, quando transmite a programação local. Só ele, o governo por ele apoiado e seus amigos aparecem na emissora. Nos intervalos comerciais, uma pesada propaganda oficial reproduz a imagem do rei da Bahia, normalmente fazendo discursos, passos à frente do governador César Borges (PFL). Na TV local, a Bahia é ele.

Mas, como é repetidora dos sinais da Globo, no horário do noticiário nacional ACM é mostrado aos baianos, pela mesma TV Bahia, no imbroglio da quebra do sigilo de votação da sessão do Senado que cassou o mandato de Luiz Estevão. Os baianos que, segundos antes, viram o ex-presidente do Senado na propaganda oficial à frente de uma manifestação de apoio, no noticiário nacional da Rede Globo assistem sua polícia atacando ferozmente uma passeata em favor da cassação do baiano.

Nacionalmente, ele é réu. O imperador baiano, que nem correligionários nem adversários locais imaginavam um dia atingido por alguma coisa, está lá no Senado, exposto pela sua própria TV Bahia. Algumas emissoras adiante, a TV Senado mostra seu ex-presidente depondo. Ele, que sempre foi tratado como um deus baiano, se explica no horário nacional. E Deus não erra e, portanto, não se explica.

A imagem de um Antonio Carlos Magalhães mortal, atingido e humilhado deflagrou o processo de declínio de seu reinado, último coronel urbano do país. ?No mínimo, as eleições para o governo, em 2002, terão segundo turno?, aposta o líder do PSDB na Câmara, Jutahy Júnior, neto do penúltimo chefe político da Bahia, o general Juracy Magalhães, que criou ACM e foi traído por ele. Juracy, o militar do movimento tenentista que foi interventor da Bahia, morreu na semana passada, quando o último coronel enfrentava o Conselho de Ética.

?A imagem de ACM na Bahia sofreu danos irreparáveis. Isso não significa um desmonte automático da estrutura de poder que o mantém, mas uma ferida na sua aura de onipotência e infalibilidade que deu a muitos a sensação de proteção e a outros o temor reverencial pelo ?chefe?, opina o economista e cientista político Paulo Fábio Dantas.

Embora as pesquisas de opinião – todas as divulgadas foram feitas antes do desfecho do processo de cassação na Conselho de Ética – ainda apontem uma preferência absoluta por Antonio Carlos no Estado, se ele for candidato a governador em 2002, nas ruas de Salvador é possível perceber que as convicções balançam. ?Estou sem aumento há sete anos e ainda tenho que ver isso?, reclamava uma funcionária pública, indignada, enquanto assistia a polícia atacar manifestantes no último dia 15. Os motoristas de táxi da capital, em geral termômetros de poder, estão divididos. ?Ele se acha dono de tudo?, reclama um deles.

A ação da polícia conseguiu quebrar inclusive a neutralidade da Universidade Federal da Bahia, invadida por cães, policiais e rottweilers, e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Estado, que sempre evitou conflitos com os governos carlistas. No dia 16, eles estavam na comissão de frente da manifestação de quase dez mil pessoas que, enfim, conseguiu chegar até o edifício Stella Maris, residência de ACM, e lavar simbolicamente a sua calçada.

Voltar para a Bahia sem o seu mandato ainda dá a ACM a vantagem de ser a vítima. A solidariedade é um dado que exacerba as convicções dos carlistas. ?Quando ando com o senador em Salvador, nos sábados e domingos, vejo populares demonstrando o sentimento de que ele não merece passar pelo que está passando?, conta o prefeito de Salvador, Antonio Imbassahy. Mas a visão de um ACM mortal e da truculência de sua polícia, mostrada pelas tevês nacionais, fortalecem do lado oposto as posições anticarlistas. ?Quando ele voltar, vai encontrar a oposição mais forte. O processo de conscientização na Bahia se acelerou, acontece hoje com maior rapidez?, afirma a deputada estadual Lídice da Mata (PSB), ex-prefeita de Salvador pelo PSDB cuja administração foi sufocada pelo carlismo, no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso.

Com ou sem cassação, a exposição de um chefe político que pode ser atingido reforça uma oposição que pelo menos há 15 anos luta para sair da insignificância. Mas o poder carlista é tão forte que mesmo seus adversários apontam esse momento de fragilidade apenas como o início de um processo. Aos 73 anos, ACM tem sob sua influência 380 dos 417 prefeitos do Estado. Sua família é acionista das seis repetidoras da Globo no Estado. A oposição calcula que, direta ou indiretamente, ele mantenha sob controle cerca de 90 emissoras de rádio, em todo o Estado. São grandes as chances ainda de vencer uma disputa para o governo.

No Tribunal de Justiça do Estado, apenas um desembargador não foi nomeado em seu governo ou por seus correligionários. No Tribunal de Contas do Estado, apenas dois foram nomeados no governo Waldir Pires, de oposição. No Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, onde ACM tem absoluto domínio, até hoje se arrasta um processo que questiona a eleição do senador Waldeck Ornélas (PFL) que, na disputa pelo segundo lugar com Pires, em 1994, venceu, nas últimas horas de apuração, por escassos 3.051 votos. O mandato de oito anos de Ornélas termina em 2002 sem que Pires tenha a recontagem dos votos.

No interior, o poder da mídia ainda o favorece, conforme reconhece a própria oposição. ?Ele tem quase todo o interior?, diz um oposicionista. Mas já existem alguns sinais de que nem fora da capital o carlismo permanecerá monolítico. ?Elegemos 34 prefeitos em 2000 e hoje ainda temos 34?, informa o líder do PMDB na Câmara, Geddel Vieira Lima, que fez uma aliança com o PFL em 1998, rompeu no ano passado e quer ser candidato ao governo.

A fragilidade do carlismo permitiu ao PSDB local, de seu lado, fazer uma ?limpeza? no partido. A adesão a ACM necessariamente não significa mudança de legenda, e tanto o PMDB como o PSDB abrigaram carlistas, ao longo dos anos. Os simpatizantes do senador se disseminam, até hoje, por legendas auxiliares, como o PPB, o PL e o PTB. Jutahy Magalhães, que sempre esteve na oposição no plano local, praticamente rompeu com o governo Fernando Henrique em 1994 por causa do apoio federal dado ao carlismo, recompôs em 1998 e teve de fazer vista grossa às adesões ao senador. Hoje, além de ter se tornado líder do PSDB na Câmara dos Deputados no momento em que o poder nacional de ACM entra no seu ocaso, pode se dar ao luxo de expulsar carlistas do partido. O prefeito de Ilhéus, Jabes Ribeiro, está praticamente expulso. Pelo mesmo caminho vão os deputados ?tucanos carlistas? João Leão e Mário Negromonte.

Na capital, o estrago da imagem carlista é sensível. ?Nas nossas pesquisas qualitativas, nas duas últimas eleições, aparecia uma porcentagem de 10% de eleitores que declaravam odiar ACM, mas que votavam nele porque ele aparecia como o único capaz de beneficiar a Bahia?, conta um oposicionista. Hoje, já se considera possível mostrar a essa parcela que a oposição pode governar sem ser ACM.

A oposição, antes de Imbassahy, manteve Salvador sob seu domínio. Depois da administração de Lídice da Mata, o carlismo tomou a capital. ?No governo de Lídice, a Justiça deu liminar a todos os pedidos contra a sua administração. Na administração de Imbassahy, negou as mesmas?, conta o advogado Fernando Schmidt. Mesmo assim, Imbassahy ganhou em 1996, no primeiro turno, com 51,4% dos votos válidos, mas numa eleição que teve 30,3% de abstenção. Na eleição de 2000, foi reeleito com 53,75% dos votos e uma abstenção mais baixa, de 18,81%. Mas o candidato do PT, Nelson Pelegrino, que havia obtido 29,8% dos votos válidos em 1996, teve 35,33% no ano passado. ?A oposição de esquerda vem crescendo lentamente?, constata Lídice. Em 2000, foi também o PT que avançou sobre 7 dos maiores colégios eleitorais baianos. Devagar, mesmo para os colégios eleitorais mais atrasados, a Bahia deixa de ser sinônimo de ACM.

Para o carlista César Borges, governador da Bahia, o dano ainda pode ser revertido. Assim reza a história do mito ACM. ?Eu já o vi passar por momentos difíceis e dar a volta triunfal?, afirma.

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"No poder estadual é implacável, concordam amigos e inimigos", copyright Valor Econômico, 24/05/01

"Contam a lenda, os inimigos, as vítimas e até os amigos que o estilo de Antonio Carlos Magalhães de conduzir a política estadual sempre foi implacável. Uma das histórias que construíram a sua lenda envolve um auxiliar, no seu primeiro governo. ACM passou tal descompostura no seu chefe de gabinete que ele urinou nas calças, na frente do chefe.

É essa a relação de ACM com os seus correligionários. E é por conta desse estilo que poucos se arriscam a dizer a ele que está errado. O único que fez isso e ficou incólume foi o seu filho, Luís Eduardo Magalhães, morto por um enfarto fulminante no dia 21 de abril de 1998, logo após ser lançado pelo pai candidato ao governo do Estado.

Luís Eduardo, o herdeiro político que morreu precocemente, aos 43 anos, tinha um estilo oposto ao do coronel da Bahia. Era afável, vestia-se com esmero, tinha formação cosmopolita e transitava com muita desenvoltura junto à oposição nacional. Era um negociador. O pai sempre foi o PHD em política baiana. O filho, em política nacional.

Luís Eduardo chegou jovem à Câmara dos Deputados, em 1988, ano da Constituinte. Era tido como um ?liberal moderno?. Quando o pai, saído do governo, em 1994, resolveu candidatar-se ao Senado, Luís Eduardo já era presidente da Câmara. E, segundo pessoas próximas a Antonio Carlos, sempre foi o alter ego do pai na política nacional.

Enquanto estava vivo, foi o filho que segurou os rompantes do pai, acostumado a exercer um poder autocrático e sem medidas no seu Estado. ?Eu já disse para o senador, o Senado não é a Bahia. Ele vai acabar se dando mal?, confidenciou a um amigo, logo depois das primeiras brigas que o pai comprou com o governo.

?Pela primeira vez Antonio Carlos perdeu o limite nas suas relações com o governo federal?, constata o adversário Waldir Pires, que abandonou o PSDB devido ao apoio do partido nacional ao carlismo e hoje está no PT. Conta um ex-aliado que, depois de ACM ter dado inúmeras cabeçadas na política nacional, um amigo lhe mandou um fax, com críticas. E justificou-se: ?Não sou corajoso bastante para lhe falar isso pessoalmente, nem tão covarde para me calar?.

?Com a morte de Luís Eduardo, o carlismo perdeu o que tinha de melhor, a capacidade de se reciclar?, afirma o líder do PMDB na Câmara, deputado Geddel Vieira Lima. Ele era amigo do filho de ACM, fez aliança com o PFL para apoiá-lo e manteve o acordo eleitoral depois de sua morte, apoiando César Borges. Nacionalmente ligado ao presidente do Senado, Jáder Barbalho, Geddel hoje está rompido com Antonio Carlos.

Foi Luís Eduardo quem praticamente garantiu a eleição do pai para a Presidência do Senado, em 1996. E foi ele quem mediou as relações do pai com o presidente Fernando Henrique Cardoso, seu amigo pessoal. Quando morreu, Fernando Henrique Cardoso estava em viagem oficial à Espanha. Interrompeu-a para prestar as últimas homenagens ao amigo. O gesto, na avaliação geral da época, poderia ter rendido a lealdade eterna de Antonio carlos. Não foi o que aconteceu.

Na presidência do Senado, ACM acabou abraçando bandeiras da oposição, como a defesa da criação de um Fundo da Pobreza, a CPI do Judiciário e o aumento do salário mínimo. Por último, numa briga suicida com o presidente do PMDB, Jáder Barbalho, chegou a acusar o governo do qual seu partido, o PFL, é aliado desde as eleições, de corrupto.

Além de ter perdido a referência na política nacional, Antonio Carlos também perdeu o herdeiro político. O cacique baiano preparava o filho para assumir o seu reinado. Ele seria o único admitido nessa condição.

Ao longo de sua carreira, nunca aceitou que qualquer outra pessoa fizesse sombra a ele. Um ex-correligionário lembra que, na época da ditadura, ACM chegou a brigar para não fazer um ministro baiano. ?Ele queria ser o único interlocutor do Estado com o governo federal?, conta. Entre os correligionários no Estado, instituiu a regra de obediência cega. Durval Carneiro, eleito por ele governador do Estado em 1982, foi alijado do carlismo depois que tentou vôo solo. Mário Kértesz, nomeado prefeito da capital por sua influência, no período militar, também rompeu. Foi eleito posteriormente prefeito da capital pelo PMDB, mas acabou deixando a política, depois de uma perseguição implacável.

Sem Luís Eduardo para assumir o trono, fica difícil ao rei deixar um herdeiro. O senador Paulo Souto, um ex-governador carlista que acabou se tornando popular, foi impedido por ACM de candidatar-se à reeleição. O PSDB suplicou ao senador que disputasse o governo, em 2002, pela legenda tucana. Cioso de quem é o seu chefe, Souto não apenas não aceitou como apresentou voto em separado na Conselho de Ética, contra a cassação de ACM. Deve dar sobrevida ao carlismo, nas próximas eleições."

"A TV Globo e ACM", copyright no. (www.no.com.br), 27/05/01

"Mesmo nos tempos de ministro o deputado Jutahy Magalhães era boicotado pela afiliada baiana da TV Globo, que é de ACM. Esta semana, o líder tucano saiu em defesa da Globo na disputa com a americana Directv. ?São coisas distintas?, diz Jutahy. ?Defender a cultura local é dever de todos. Os EUA fazem isso?. Mas nas hostes carlistas a leitura é outra. Desconfiam que, além do mandato, os ?inimigos? querem desplugar o senador da emissora do Jardim Botânico."

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