Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Maria Luiza Abbott

CASO DAVID KELLY

“Kelly era fonte, diz BBC; Blair nega renúncia”, copyright Folha de S. Paulo, 21/07/03

“A rede pública de rádio e TV britânica BBC confirmou ontem que o cientista David Kelly, 59, encontrado morto na sexta, com indícios de suicídio, era a principal fonte de uma polêmica reportagem que acusou o governo do premiê Tony Blair de ter exagerado informações dos serviços de inteligência em dossiê para justificar a invasão do Iraque.

Blair, em viagem pela Ásia, disse que não pretende renunciar por causa da morte do especialista em armas do Ministério da Defesa ou convocar sessão especial do Parlamento, em recesso. Em entrevista à TV Sky News, rival da BBC, o premiê disse que ele e integrantes do primeiro escalão do governo vão prestar depoimento no inquérito judicial sobre o caso.

Por meio de porta-voz, declarou: ?Apesar das diferenças, ninguém queria que essa tragédia acontecesse. Sei que todos, inclusive a BBC, ficaram chocados?.

Em Londres, o diretor de jornalismo da BBC, Richard Sambrook, disse que Kelly era a principal fonte da reportagem e que a empresa acreditava ter interpretado e comunicado de forma correta as informações do cientista. Na semana passada, em depoimento ao comitê parlamentar que investiga o caso, Kelly confirmou ter conversado com Andrew Gilligan, autor da reportagem, mas negou ter sido sua fonte principal.

O cientista disse que não acreditava que a conversa tivesse levado à interpretação feita pelo repórter. Ontem, Gilligan divulgou uma nota em que assegura não ter interpretado ou citado de forma errada as palavras de Kelly.

Para políticos e analistas que debateram o caso o dia todo ontem nas TVs, a controvérsia põe em dúvida a credibilidade da BBC.

Mas Blair, que já vinha perdendo apoio popular e político por causa do caso, também está sob ataque, pela suspeita de que a ?caça às bruxas? para encontrar a fonte da reportagem teria contribuído para levar Kelly, tido como bastante reservado, ao suicídio.

O parlamentar conservador (oposição) Robert Jackson, eleito pelo distrito onde morava o cientista, pediu a cabeça do presidente da BBC, Gavyn Davies, e acusou Gilligan de ter inventado parte substancial da reportagem.

Segundo Jackson, Kelly morreu sem saber que era a fonte da reportagem. Para ele, se a rede tivesse confirmado isso antes, o cientista ainda estaria vivo. O presidente do comitê de mídia do Parlamento, Gerald Kaufman, disse que o episódio levanta ?sérias questões? sobre a BBC e defendeu mudanças na sua estrutura.

Já o analista do jornal britânico ?The Independent? Michael Brown disse na TV que o governo ganhou tempo com a confirmação da BBC, como as autoridades vinham dizendo. Para ele, a rede terá que dar ?respostas a muitas questões?, como as diferenças entre a reportagem e o depoimento de Kelly ao Parlamento.

Brown argumentou que, se no final do inquérito ?nenhuma cabeça rolar?, a população vai começar a fazer perguntas duras, pois ficará a impressão de que ?uma vida foi perdida? para proteger carreiras no governo ou na BBC. Mas, segundo Brown, a grande questão continuará sendo se o Reino Unido foi ?à guerra pelos motivos corretos?.

Peter Preston, colunista e ex-editor do jornal ?The Guardian?, disse que o fato de Kelly não ser do serviço de inteligência, como dissera o repórter da BBC, exige uma resposta da rede.

Em seu jornal da noite, principal programa de notícias do país, a BBC relatou todos os fatos do dia, incluindo as críticas e as dúvidas levantadas por políticos e analistas. E concluiu que o inquérito judicial precisa responder a todas às perguntas, inclusive se Gilligan ?tornou mais sexy? as informações de Kelly. Antes, era a mídia que dizia que o governo trabalhista de Blair tornara ?mais sexy? o dossiê contra o Iraque para angariar o apoio popular para a guerra.

Blair, que passou o dia ontem na Coréia do Sul, vindo do Japão, já está em Pequim. E voltou a dizer que não adiantará seu retorno por causa da crise.

MULTIMÍDIA

The Observer

?Foi um espetáculo sujo e violento?

LONDRES O jornal de centro-esquerda atacou a atuação de todas as instâncias envolvidas no caso Kelly -?o governo, o Parlamento, a BBC e a imprensa?. ?O modo como os atores desse espetáculo público perseguiram a questão foi intenso demais, feio e violento.? Mas disse ter esperança de que ?as investigações possam criar um ambiente em que seja possível descobrir a verdade?. E conclui: ?É uma tragédia que [Kelly] tenha se tornado uma terrível consequência de nossa preferência pela histeria, ao invés do exame calmo dos fatos?.

?Premiê está em uma enrascada?

LONDRES O semanário (de centro) diz que David Kelly ?foi levado ao desespero mais profundo por ser o peão hesitante de uma partida jogada entre o governo e a BBC?. Para o ?Times?, ?Blair está em uma enrascada e sabe disso. A morte de Kelly deve tê-lo deixado profundamente perturbado, sobretudo porque sabe que, em grande parte, ele é culpado?. E conclui dizendo que o premiê ?pode não ter sangue em suas mãos, mas tem uma grande questão a responder. E os eleitores não estão mais preparados para lhe conceder o benefício da dúvida?.

The Sunday Telegraph

?Governo usou Kelly como arma?

LONDRES O jornal de centro-direita diz que David Kelly ?foi usado pelo governo como uma arma contra a BBC?. ?Isso por si só é ultrajante. Mas é também uma indicação de como o governo deixou de lado toda prioridade que não fosse a de derrotar os que acredita serem seus inimigos.? O jornal diz que o caso ?deve levar governo e mídia a perceberem que nenhum grupo está autorizado a ocupar o pódio da moralidade. Mas isso não fará a menor diferença quanto ao modo como se comportam -o que quer dizer que a mesma coisa poderá ocorrer de novo?.”

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“Blair pede calma e evita falar de renúncia”, copyright Folha de S. Paulo, 20/07/03

“A polícia britânica confirmou ontem que um corpo encontrado na véspera pertencia ao especialista em armas de destruição em massa David Kelly, 59, conselheiro do Ministério da Defesa envolvido nas acusações de manipulação de informações sobre o Iraque pelo governo britânico.

Ele provavelmente se matou, segundo a polícia.

As acusações foram o estopim de uma crise política no gabinete do premiê Tony Blair, agravada agora pela morte de Kelly. Uma pesquisa da Mori de 29 de junho mostrou que Blair tem o apoio de apenas 35% dos britânicos -no início do ano era de 49%- e que 58% dizem não confiar nele.

No Japão, escala de um giro diplomático pela Ásia, Blair lamentou a morte do cientista e anunciou a abertura de um inquérito, pedindo que se evitassem especulações até o fim da investigação.

?Espero que possamos deixar de lado as especulações e a troca de acusações?, declarou Blair após deixar uma reunião com o premiê Junichiro Koizumi perto de Tóquio. ?Devemos mostrar respeito e conter as emoções. Eu volto a expressar meu profundo pesar por essa tragédia.? Abatido, ele não respondeu a perguntas sobre uma possível renúncia.

Questionado por um repórter ?se tinha as mãos sujas de sangue?, Blair permaneceu sério e não respondeu.

Junto do corpo de Kelly, achado em um bosque em Southmoor (região central da Inglaterra), foram encontradas uma faca e uma caixa de analgésicos. ?A causa da morte foi uma hemorragia provocada por um ferimento no pulso esquerdo, aparentemente causado por instrumento cortante?, disse um porta-voz da polícia.

O líder do Partido Conservador (oposição), Iain Duncan Smith, exortou Blair a voltar a Londres, mas o gabinete de Blair afirmou que a viagem de uma semana à Ásia não será encurtada.

A parlamentar trabalhista (governista) e ex-atriz Glenda Jackson, crítica da guerra, pediu a renúncia do premiê. ?Não vejo como o governo pode funcionar direito?, afirmou.

Sem suspeitos

?Nossa investigação prossegue, mas não há indício, no momento, de que outra pessoa esteja envolvida [na morte de Kelly]?, disse o porta-voz da polícia. A palavra ?suicídio? é evitada por policiais.

Janice Kelly, mulher do cientista, registrou seu desaparecimento na noite de quinta-feira, após ele não voltar de uma caminhada.

Segundo Janice, Kelly estava extremamente nervoso por estar envolvido na polêmica. Dois dias antes, ele testemunhara à Comissão de Assuntos Externos do Parlamento que investiga o uso das informações sobre o Iraque.

Kelly foi apontado como a fonte de um repórter da BBC que acusou o principal porta-voz de Blair, Alastair Campbell, de ter mudado um relatório sobre as supostas armas de destruição em massa iraquiana para deixá-lo ?mais sexy? e conquistar apoio para a guerra.

O cientista, no entanto, negou veementemente que tivesse dado as informações ao jornalista Andrew Gilligan, mas confirmou tê-lo encontrado. Gilligan não revelou sua fonte, mas não negou que fosse o cientista.

A reportagem da BBC deu origem a uma troca de acusações entre a rede de rádio e TV, de controle público, e o governo. Após a divulgação do artigo, cresceram as pressões vindas tanto da oposição como do próprio Partido Trabalhista para que Blair e seu gabinete esclarecessem se as informações falsas sobre o Iraque foram usadas deliberadamente para cooptar a opinião pública.

Críticos da guerra disseram que Kelly foi ?sacrificado? para preservar a reputação de Blair e Campbell ao ser forçado a desmentir a BBC. ?Acho que ele não conseguiu lidar com a tempestade?, disse o jornalista Tom Mangold, amigo próximo do cientista.”

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“Cadáver agrava a crise do governo Blair”, copyright Folha de S. Paulo, 19/07/03

“Um corpo encontrado ontem pela polícia britânica em um bosque perto da pequena cidade de Southmoor, a 30 quilômetros de Oxford, provocou uma crise no governo do primeiro-ministro do Reino Unido, Tony Blair.

A identificação formal do corpo e o anúncio da causa da morte só serão feitas hoje, mas a polícia comunicou que a descrição do cadáver combina com a de David Kelly, respeitado especialista em armas de destruição em massa e conselheiro do Ministério da Defesa britânico.

Kelly foi apontado pelo ministério como a possível fonte da reportagem da rede BBC que levantou suspeitas de que o governo teria dado uma dimensão exagerada a informações dos serviços de inteligência incluídas num dossiê sobre armas do Iraque.

Kelly saiu para caminhar na quinta-feira à noite, não voltou, e a família comunicou o seu desaparecimento à polícia. Às 9h20 de ontem (5h20 em Brasília), uma equipe de buscas da polícia encontrou um corpo com o rosto voltado para a terra, com características semelhantes às do cientista, a pouco mais de sete quilômetros da casa dele.

A polícia está tratando do caso como ?uma morte não explicada? e só hoje vai chamar a família para a identificação do cadáver. O governo britânico prometeu fazer uma investigação independente, se for confirmado que o corpo é mesmo de Kelly.

Na terça-feira passada, o cientista, de 59 anos, tinha prestado depoimento no Comitê de Assuntos Estrangeiros da Câmara dos Comuns (Câmara Baixa do Parlamento), que investiga a controvérsia entre a BBC e o governo.

Ele negou ser a principal fonte da reportagem, embora tenha admitido que se encontrara com o repórter Andrew Gilligan, da rede de rádio e televisão, antes da divulgação da reportagem. A BBC não confirmou, mas também não negou, que a fonte do repórter tenha sido Kelly.

Ele estava deprimido. O presidente do Comitê de Assuntos Estrangeiros, o trabalhista Donald Anderson, negou ontem que os parlamentares tenham sido duros demais no inquérito.

O jornal britânico ?Independent? cita fontes do governo para dizer que o cientista se sentia ?traído? e que ele considerava que o Ministério da Defesa tinha quebrado o acordo de que seu nome não seria revelado. Ontem, o ministério afirmou que, em nenhum momento, Kelly fora ameaçado de suspensão ou demissão.

Blair está no Japão, e Adam Boulton, editor de política da rede de TV Sky, que acompanha a visita oficial, disse que os assessores do gabinete do primeiro-ministro ficaram ?visivelmente chocados e abalados? com a notícia de que Kelly estava desaparecido. ?Se o corpo for de Kelly, assistiremos a uma crise no governo?, disse Boulton. Blair ainda vai à Coréia do Sul e à China, incluindo Hong Kong, em seu giro pela Ásia.

A morte de Kelly tem imensas repercussões políticas, e aumenta as pressões para um inquérito judicial independente sobre todo o caso, para investigar tudo sobre o dossiê do governo britânico e as armas de destruição em massa.

No Parlamento, havia rumores de que a tragédia pudesse acelerar a saída de Alistair Campbell, o todo-poderoso diretor de comunicações do governo Blair, ou provocar a demissão do ministro da Defesa, Geoff Hoon. Campbell foi apontado pelo jornalista da BBC como o responsável pelos exageros, em artigo publicado pelo jornal ?Mail on Sunday?. E a BBC estava enfrentando acusações de que, se tivesse negado ser Kelly sua fonte, ele ainda estaria vivo (se o corpo encontrado for dele).

O jornalista prestou o primeiro depoimento no comitê em 19 de junho, confirmando a reportagem. Na semana seguinte, Campbell depôs no mesmo comitê, negou que tivesse ?maquiado? o dossiê e exigiu um pedido de desculpas da BBC. A rede manteve até agora seu apoio ao jornalista e à versão dele da reportagem e se negou a pedir desculpas.

O comitê divulgou seu relatório no dia 7 de julho, eximindo de culpa o diretor de comunicações de Blair, numa decisão que teve o voto de minerva de seu presidente, Donald Anderson, do Partido Trabalhista. Ele disse, no entanto, que foi dada ?proeminência indevida? a algumas informações.

No dia seguinte, o ministério disse que Kelly se apresentara para dizer que tinha se encontrado com o jornalista, e o comitê reabriu as investigações. Na quinta-feira, o repórter da BBC prestou novo depoimento no Parlamento e foi acusado de ter mudado sua versão sobre a reportagem.

A BBC negou qualquer mudança e manteve seu apoio ao jornalista. Ontem, Kelly saiu dizendo que ia caminhar e não voltou. Seu desaparecimento e o cadáver perto da casa dele fazem parte do capítulo mais recente do caso, que tem mantido o tema das supostas armas de destruição em massa do Iraque nas manchetes dos jornais.”

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“Premiê tem disputa com rede BBC”, copyright Folha de S. Paulo, 19/07/03

“Se confirmada, a morte de David Kelly, cientista e conselheiro do Ministério da Defesa britânico, além de complicar os problemas políticos do governo, agravará a polêmica em curso sobre o papel da mídia no Reino Unido e o desempenho da rede BBC.

O cientista esteve no centro de uma disputa entre a BBC, que tem a maior parte de seu orçamento financiado por recursos públicos, e o governo de Tony Blair.

A BBC vem sustentando uma dura disputa com o governo há um mês e meio. Numa reportagem, o governo foi acusado de ter superestimado informações dos serviços de inteligência na preparação do dossiê que formou a base dos argumentos de Blair de que a Guerra do Iraque era necessária.

Não é a primeira disputa entre a BBC e um governo britânico, e as tentativas do poder central britânico de influenciar na cobertura da BBC são registradas em livros sobre a mídia no Reino Unido.

A grande diferença entre ela e redes públicas de TV em outros países é o financiamento. Do total de seu orçamento, 2 bilhões de libras (cerca de US$ 3,2 bilhões) são recursos de uma taxa de 116 libras por ano, paga diretamente por qualquer pessoa que tenha um aparelho de TV a cores em casa para a BBC. Por esse dinheiro, o britânico tem o direito de assistir a oito canais de TV e de captar oito emissoras de rádio da rede.

Isso quer dizer que a receita maciça da BBC vem de uma taxa que o usuário paga, e não é parte de um bolo de receitas de impostos cobrados e administrados pelo governo. Assim, a rede considera que seu compromisso é com o público e não com o ocupante do poder. Mas houve tentativas de controlar o orçamento da rede.

Uma delas foi no governo da ex-primeira-ministra conservadora Margaret Thatcher, em que os reajustes da taxa paga à BBC eram muitas vezes inferiores à inflação, para que a rede fosse obrigada a depender de recursos públicos.

Na atual disputa com o governo, a BBC vem sendo acusada por integrantes do primeiro escalão da administração de ter sido tendenciosa na cobertura da Guerra do Iraque. E a reportagem sobre o dossiê seria o caso mais grave. A rede tem se defendido, apontando uma longa lista de argumentos e reportagens que provariam a sua imparcialidade.

Até agora, a rede tem resistido a pressões para recuar ou mesmo tirar o apoio ao repórter Andrew Gilligan, autor da reportagem sobre o dossiê. O diretor de notícias da BBC, Richard Sambrook, tem o respaldo do conselho administrativo da rede até agora.

Entretanto o episódio pôs no centro das discussões os padrões de jornalismo da rede. Também começa a ser questionado o papel do governo. O conselho administrativo da BBC determinou que seja feita uma auditoria independente sobre a imparcialidade da rede.”

 

“Quem matou David Kelly?”, copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 21/07/03

“?A fonte (ou uma das fontes) da reportagem mais importante do ano apareceu morta, com o pulso cortado, com pílulas anestésicas e um objeto cortante ao lado do corpo.

Suicídio no melhor estilo romano com um detalhe próprio de um biocientista de nossos tempos? Ou uma cena de crime, cuidadosamente arrumada por especialistas ?com licença para matar? no estilo 007?

Vamos deixar de lado, pelo menos por enquanto, a segunda hipótese. Mas vamos pensar como os questores romanos e fazer a pergunta inicial e básica de qualquer investigação: ?cui prodest? – a quem interessou esse suicídio??

Kelly foi identificado pelo Ministério da Defesa britânico como a fonte da revelação feita pelo repórter Andrew Gilligan, da BBC, de que o relatório apresentado pelo primeiro-ministro Blair e atribuído aos serviços de inteligência do país teria sido ?esquentado? pelo porta-voz do Governo, Alastair Campbell, com o objetivo de convencer o Parlamento a aprovar a invasão do Iraque.

Kelly, interpelado terça-feira, 15/07, no Parlamento, reconheceu que se encontrara em maio com o repórter. Mas negou que tivesse acusado Campbell de incluir no relatório a informação de que o Iraque ?poderia em apenas 45 minutos pôr em ação armas proibidas?. Três dias depois, na sexta-feira, seu cadáver foi encontrado num parque público.

O governo britânico procura agora acusar a BBC e Gilligan de terem provocado o escândalo (e, por tabela, o suicídio), já que Kelly não acusara diretamente Campbell de introduzir falsidades no relatório de inteligência. Mas a emissora e o repórter, que só ontem (20/07) confirmaram Kelly como tendo sido fonte da matéria, introduziram um novo elemento na história: houve outro ?Garganta Profunda? neste Iraquegate e, evidentemente, continuam protegendo sua identidade.

A BBC – uma empresa pública mas não sujeita a controle governamental – tem tido um procedimento absolutamente correto desde o início de toda a confusão em 29 de maio, com o apoio de ampla maioria dos jornalistas de todos os meios de comunicação. O Governo, desde a primeira reportagem, procurou desqualificar

a denúncia, declarando-a ?falsa? e pedindo uma retratação.

Kelly certamente foi espremido por seus superiores do Ministério da Defesa e também pelas perguntas dos parlamentares ligados ao Governo. Uma parte da Oposição conservadora no fundo, no fundo, condena que os subterrâneos dos serviços secretos sejam trazidos a público.

Essa é uma questão já resolvida pelo governo americano. A cobertura de uma guerra – como ocorreu na Guerra do Golfo, na invasão do Afeganistão e, agora, no Iraque, tem de ser submetida ao crivo da censura militar, em nome dos ?superiores interesses nacionais?, que, por sua vez, são definidos pelos próprios militares.

Mas muitas outras interrogações continuam no caso Kelly, além da natural dúvida sobre a natureza de sua morte (a polícia até hoje, segunda 21/7, não havia confirmado se houve mesmo suicídio). Além do trabalho policial, um ex-integrante do Supremo Tribunal foi indicado para presidir a investigação.

Uma nota divulgada pela família de David Kelly deixa no ar uma dúvida sobre os motivos que o poderiam ter levado ao suicídio e uma boa parte da opinião pública britânica acredita que ela se refere à BBC, quando afirma: ?Os acontecimentos das últimas semanas fizeram que a vida se tornasse intolerável para David, e todos aqueles envolvidos deveriam refletir séria e longamente sobre isso tudo.?

Vamos também refletir??”