Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Mariana Castro

ENTREVISTA / JOSÉ ROBERTO MALUF

"Maluf do SBT: o homem que faz e ameaça a Globo", copyright Último Segundo, (www.ultimosegundo.com.br), 15/02/02

"O sobrenome é famoso no mundo da política. Mas José Roberto Maluf não concorre em eleição, apesar da vontade que tinha de seguir carreira na área. Um IPM (Inquérito Policial Militar) o tornou inelegível na época da ditadura militar. Hoje, seu negócio é TV. Este sim é um Maluf que faz.

Vice-presidente do SBT desde 99, ele é o braço-direito de Silvio Santos, e sua atuação na emissora vem sendo decisiva. Foi na gestão de Maluf que o SBT encarou de vez a Globo, nas batalhas por audiência – e muitas vezes, levando a melhor.

Foi assim, por exemplo, em outubro do ano passado, com a primeira versão do programa ?Casa dos Artistas?. Deverá ser assim com a segunda edição do reality show, que estréia neste domingo, com Tiazinha, Feiticeira e Ellen Roche no elenco, expondo em detalhes toda a filosofia de vida que as tornou famosas.

Nos longos corredores televisivos o que se comenta é que Maluf colocou ordem na casa. O SBT, antes visto como uma emissora familiar (de sobrenome Abravanel), ganhou um estilo de administração sólido. Com um freio nas despesas aqui, uma gratificação ali, os funcionários do SBT, na visão de Maluf, estão hoje mais envolvidos do que nunca em sua atividade. E querem mais pontos no Ibope.

Um homem de TV

Ibope, aliás, é uma preocupação de Maluf. Em sua sala no complexo da Anhanguera, em São Paulo (ao lado de cristais que trazem boa energia), quatro monitores ficam ligados o tempo todo. Dois deles fixos na Globo e no SBT. Os outros dois, ele usa para zapear, para ver o que se passa nas demais emissoras. No último monitor estão os números da audiência: Maluf confere o Ibope minuto a minuto.

A transformação do advogado José Roberto Maluf, de 55 anos, em um homem de televisão começou em 1974. Na época, a Gazeta se associou à Bandeirantes e à Record para comprar os direitos de cobertura da Copa. Ao lado do sócio Walter Ceneviva, Maluf passou a representar o pool – os dois já eram advogados da Fundação Cásper Líbero. Negócio concluído, ele virou consultor da Bandeirantes e três anos depois assumiria um cargo de direção, ajudando a empresa a criar sua rede nacional de TV.

Ficou na emissora até 84. Voltou então a advogar, foi vice-presidente da Paulistur, trabalhou como assessor especial de Franco Montoro e retornou à emissora dos Saad em 88, onde permaneceu por mais dez anos, até que uma divergência profissional o afastou definitivamente da Band. Quando Maluf reorganizava a vida profissional, um telefonema interrompeu seus planos de voltar à advocacia. Era Silvio Santos.

?Fui picado por esse negócio de TV e não quero sair mais. Quem sabe algum dia, já aposentado, volte para advocacia?, diz Maluf. No caso dele, o ?mal? é de família. De seus três filhos, dois (formados em administração e direito) estão trabalhando com TV. Um na MTV e o outro no canal pago ESPN.

?Minha outra filha é médica. Mas do jeito que as coisas vão, ela ainda vai trabalhar no ambulatório de alguma emissora?, brinca.

Na entrevista a seguir, Maluf fala da concorrência com a Globo – a quem se refere sempre como ?nossa principal concorrente? – da batalha jurídica entre as duas emissoras no caso ?Casa dos Artistas? e ?Big Brother Brasil?, do atual cenário da TV brasileira e das novidades na programação da emissora. Entre elas, o reality show ?Popstars?, a criação de um telejornal competitivo e de um talk show.

Último Segundo – Como você chegou ao SBT?

José Roberto Maluf – Em meados de janeiro de 1999, estava em um escritório emprestado de um amigo, reorganizando minha vida profissional, quando tocou o telefone. A secretária me disse: ?Olha, tem um sujeito no telefone dizendo que é o Silvio Santos?. Perguntei se tinha uma secretária na linha. Ela respondeu que era ?o homem? mesmo, que a voz parecia a dele. Pensei que fosse alguém fazendo uma brincadeira e atendi imitando o Lombardi: ?Alôoooo Siiilllllvio?. Ele respondeu: ?Oi José Roberto, tudo bem??.

Era o próprio, pessoalmente, fazendo a ligação e dizendo que, com a saída do Guilherme Stoliar, um ano antes, ele ficara sem um vice-presidente executivo e soubera da minha saída da Bandeirantes pelos jornais. Ele perguntou se eu teria condições e interesse em trabalhar no SBT.

US – Vocês já se conheciam?

Maluf – Já conhecia o Silvio há muitos anos, sempre envolvido nesses assuntos de TV, porque as TVs têm interesses comuns. Nós todos fomos sócios da Abert (Associação Brasileira de Rádio e TV). Hoje, só a Globo é sócia. A Abert é um braço institucional da TV Globo. Mas nessa época Silvio me conhecia. Depois do telefonema, marcamos um encontro e ficamos conversando horas, vendo quais eram os caminhos que ele imaginava para a emissora.

Afinamos nossos interesses e eu cuido da empresa desde então. Assumi em março de 99 a vice-presidência executiva do SBT, com a incumbência de levar a empresa à frente, dando todos os palpites na programação. Assim nós nos entendemos.

US – De lá para cá, quais foram as principais marcas da gestão Maluf?

Maluf – Minha primeira intenção foi reunir a empresa embaixo de um organograma, e a gente opera com ele até hoje. O SBT era uma empresa que vinha bem com recursos próprios, mesmo antes da minha chegada. O SBT tem uma das melhores, se não melhor, planta de TV (referindo-se ao complexo da Anhanguera). Hoje somos uma orquestra afinada, que se dirige para o mesmo alvo.

A intenção é melhorar o plano competitivo da TV no Brasil. Para isso, era importante encantar o público interno. Precisávamos de comprometimento do funcionário. A meta de faturamento, de resultados, de audiência, é de todos nós. Todos são responsáveis pelo resultado da empresa. O encantamento interno foi possível quando passamos a mostrar que além da assistência média e da cesta básica muito mais precisava ser feito pelo funcionário.

US – O quê, por exemplo?

Maluf – Primeiro implantamos o Plano de Participação nos Resultados. A empresa ganha, todo mundo ganha. A empresa não ganha, ninguém ganha. Temos hoje 9 funcionários fazendo MBA por conta da empresa, outros 25 fazendo pós-graduação e 120 bolsas distribuídas, além de cursos e palestras que trazemos para cá. Todos os funcionários do SBT têm pelo menos um curso por ano disponível aqui. Enfim, estamos dando um upgrade na cultura da empresa. Isso é fundamental para permitir o salto externo.

US – Qual a contribuição de Silvio Santos nisso?

Maluf – Do lado de fora, a percepção e a intuição do próprio Silvio é o que leva muitas vezes ao sucesso que estamos tendo na programação. Temos o Silvio, que é um sujeito fora de série naquilo que faz – apresentar programas, se preocupar com a grade – e um grupo de profissionais capacitados que permite ao SBT chegar nos resultados que estamos chegando. Não foi por acaso que ele (Silvio Santos) trouxe dois grandes estúdios do exterior, para nos fornecer programação por cinco anos, a Warner e a Disney, e também não foi por acaso que fizemos um grande contrato com a Televisa. A melhor e a mais importante programação não é aquela que está no ar, mas a que está por vir. O SBT mudou. É hoje uma empresa como outra qualquer, preocupada com a competição de TV no País.

US – Em outubro do ano passado, o SBT estreou ?Casa dos Artistas?. Qual foi o impacto do programa nesse cenário de competição da TV?

Maluf – Não quero falar da concorrência. Mas a impressão que eu tenho é que é muito mais difícil manobrar um porta-aviões do que uma corveta. Entramos com ?Casa dos Artistas? em cima de um programa que ocupava havia 28 anos o primeiro lugar (?Fantástico?). Um programa que não se modificou, não se atualizou, não traz novidades e que é uma mesmice. Chegamos com um produto novo, atraente.

Aqui no SBT fizemos o reality show com artistas. O programa não seguia regras, não tinha roteiros. Aliás, o diretor do programa do nosso principal concorrente (Boninho) foi muito feliz quando disse aos jornais que ?Big Brother? e ?Casa dos Artistas? eram programas diferentes.

US – Que comparação faz dos dois programas?

Maluf – Nós lançamos ?Casa dos Artistas? em um domingo às 21h, sem nenhum anúncio, sem nenhum jingle de rádio. As chamadas começaram às 9h do mesmo dia, sem divulgação na imprensa, absolutamente nada. O programa iniciou com cerca de 30 pontos de audiência e chegou a 55 pontos de pico na oitava semana. Diferentemente da nossa concorrência, que fez uma campanha de lançamento jamais vista neste País, pelo seu alto custo envolvido. Fez um cross mídia, que me parece dumping.

Isso, inclusive, precisa ser examinado à luz do Cade, porque todas as mídias que eles t&eecirc;m foram utilizadas: jornais, revistas, rádios, TV, Internet. ?Big Brother? começou com 53 de pico e ontem (dia 5) teve 39. Ou seja, vai indo no caminho inverso da nossa trajetória. Isso mostra que você pode fazer uma grande campanha de marketing, mas se o seu produto não for de agrado popular, ele acaba tendo os resultados que está tendo nosso concorrente.

US – Por conta de ?Casa dos Artistas?, SBT e Globo travaram um batalha jurídica, que ainda não terminou. Didaticamente, como você explica essa situação?

Maluf – Didaticamente, não há proteção legal para a idéia. O que você não pode fazer é uma cópia do produto de terceiros. Pegar o sinal de terceiros e colocar na sua emissora, como faz a Rede TV!, todas as tardes, por exemplo. Nós já reclamamos, mandamos notificações judiciais, mas não adianta. Pirata é pirata e não tem jeito. Mas você tem direito de produzir um programa a partir de uma idéia.

A idéia do ?Big Brother?, nascida no livro ?1984?, do George Orwell, gerou programas para várias emissoras no mundo. Não há proteção legal para isso. Li nos jornais que outra concorrente (Rede TV!) pretende fazer um programa muito parecido com ?Casa dos Artistas?, utilizando o mesmo mote jurídico que o SBT adotou para ter todas as vitórias que teve contra a TV Globo até agora. Ou seja, de que a idéia não é protegida. Portanto, se eles não fizerem uma cópia barata, podem fazer o que bem entenderem.

O nosso principal concorrente tem ?n? idéias desenvolvidas de formas diferentes. Quem se lembra da ?Família Trapo?? Hoje existe a ?Grande Família?. Quem se lembra do programa do David Letterman? Até a canequinha o Jô Soares usa igual. E ele não começou isso lá, começou aqui, no SBT. E o jornal ?Today?, da rede americana? Ela tem o ?Jornal Hoje?. O ?Good Morning America? é nada mais nada menos que o ?Bom Dia Brasil?.

US – Estrear ?Casa dos Artistas? foi uma manobra ousada do SBT. O fato de você ser advogado deu respaldo para que Silvio Santos colocasse o projeto em prática?

Maluf – Quero dizer que trabalha conosco, no departamento jurídico, Edson Kauano, advogado de enormes conhecimentos jurídicos. Não sou o advogado do SBT, mas evidentemente que o jurídico responde a mim e acabo dando as linhas do que acho que deve ou não ser feito. Você não pode roubar produto de terceiros, você pode é a partir de uma mesma idéia desenvolver coisas diferentes. Não sei porque a TV Globo insiste tanto em acionar a máquina jurídica do país.

A Globo tem alegado que ?Casa dos Artistas? seria plágio de ?Big Brother?. Mas as pessoas não sabem o que é plágio. Quando você pega uma idéia e desenvolve de forma diferente não tem plágio. Eu até pensei que pudesse haver plágio ao contrário. Por exemplo, uma noite dessas que assisti ao programa da principal concorrente, vi que eles fizeram um determinado movimento que é exatamente cópia do nosso.

Dar boa noite aos participantes e permitir que o programa fique alguns minutos ao vivo. Isso foi uma criação de Silvio Santos. Não tem isso nos vários segmentos de ?Big Brother? que a Globo nos mostrou em várias noites de ?Fantástico?. Eu pensei comigo: ?Será que devo processar por plágio?? Mas decidi que não, porque o programa deles é tão ruim, tão ruim, que não merece nem ser processado.

US – O SBT também negociou ?Big Brother? com a Endemol.

Maluf – Não fomos felizes em uma empreitada com a Endemol, e a Endemol não queria fazer o ?Big Brother Brasil?. Nós nunca quisemos comprar direitos da Endemol. Queríamos nos associar à Endemol para produzir um programa chamado ?Big Brother?. Acontece que para a Endemol, o ?Big Brother? era um apêndice, um acessório. Ela queria mesmo – e obteve sucesso, ao que parece, com a nossa principal concorrente – constituir uma produtora no Brasil.

A Endemol tem a intenção de produzir para uma rede brasileira, no caso, nossa principal concorrente. Eu diria até que burlando o que consta na constituição federal, porque ela acaba mexendo no produto que nós exibimos no nosso País. Eu diria até que pode ser esse o motivo, ou um dos – pois tem o problema financeiro também que a nossa principal concorrente mudou o caminho que vinha seguindo em relação ao artigo 222 da Constituição – aquele que não permite capital estrangeiro nas empresas de comunicação.

Ela, apertada pelo problema financeiro que vem passando, de repente mudou de rumo. Deve-se admitir que enquanto ela esteve contrária à entrada do capital estrangeiro, não foi possível passar no Congresso essa emenda constitucional.

US – Você acha que a emenda só voltou a ser discutida por interesse da Globo?

Maluf – Principalmente porque nossa principal concorrente está com dificuldades financeiras conhecidas. Quando você chega em um patamar é difícil voltar atrás. Mas ouço dizer que eles estão tomando providências para resolver o problema financeiro, para diminuir as suas despesas. Como por exemplo, cobrando de seus funcionários a ida de ônibus do Jardim Botânico ao Projac, cortando a cesta de Natal dos funcionários, cortando assistência médica dos dependentes dos funcionários. Esses são os boatos que saem por aí.

US – O SBT está se preparando para a chegada do capital estrangeiro?

Maluf – Diferentemente da concorrência, nós não temos dívidas. Operamos com nossas próprias pernas e o Grupo Silvio Santos como um todo está capitalizado. Não estamos saindo por aí procurando sócio. Quando ocorreu a entrada da emenda no Congresso, alguns grupos internacionais procuraram alguns grupos brasileiros, entre eles, o SBT. Sempre dissemos que não havia interesse sobre o assunto naquele instante, nem agora.

Se algum dia a lei mudar, então nós vamos aguardar para ver o que acontece. Vamos aguardar que outros grupos brasileiros negociem suas participações, se é que vão negociar, e nós estaremos esperando para ver o que vai acontecer. Posteriormente veremos se é ou não o caso de nos associarmos a algum grupo do exterior.

US – Enquanto isso, quais são as metas do SBT para 2002? O que vem por aí na programação?

Maluf – Já estamos com tudo pronto para ?Casa dos Artistas 2?, que estréia dia 17. Como todos já sabem, a casa não é mesma, por conta de um problema de zoneamento municipal. A casa é maior, mais adequada ao produto. A casa nova foi feita para os artistas. Teremos algumas mudanças na linha de shows. A grande novidade é o ?Popstars?, que começa agora em abril, e que vai movimentar o Brasil inteiro. ?Popstars? é a criação de um grupo musical feminino com garotas de 16 a 24 anos.

Deve entrar no ar por volta de 27 de abril e serão 20 semanas seguidas. O programa vai ao ar aos sábados à noite e terá programação diária de como está se desenvolvendo o projeto. Também faremos os eventos que já vínhamos produzindo este ano, como a cobertura da festa do Peão de Boiadeiro, de Barretos, o Boi de Parintins, a Ocktober Fest. Devemos ter mais um horário jornalístico, antes da metade do ano, um horário jornalístico de combate, de competição. Provavelmente també virá por aí um talk show. Boas novidades."