Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Mario Lima Cavalcanti

JORNALISMO ONLINE

"O Jornalismo online no último ano", copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 10/09/02

"Comunique-se está completando um ano, mas parece que já existe há mais tempo. Sinal de um veículo sólido. Para comemorar o aniversário, combinei que escreveria sobre as mudanças e inovações na área do jornalismo online durante o último ano.

Convidei alguns profissionais com experiência em Internet para darem opinião sobre tais mudanças. Uma nova tecnologia, um assunto de grande impacto, uma nova forma de apresentar informações online, enfim, atributos que colaboraram para a evolução ou mudaram o jornalismo online neste período.

As opiniões foram semelhantes: o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 aos Estados Unidos e a popularização dos weblogs foram alguns dos grandes responsáveis por mudanças no campo de webjornalismo. Confira o resultado:

Luciana Thomé, jornalista e responsável pelo Estúdio de Conteúdo

Eu acredito que algumas coisas influenciaram o jornalismo online desde o último ano. Acontecimentos de grande impacto como o ataque terrorista de 11 de setembro familiarizaram o internauta (de uma vez por todas) com mídias como vídeos e boletins gravados para complementar as informações. Se a Internet consegue fornecer a notícia antes de outros veículos, ela começou a inovar ainda mais fornecendo as imagens e o som junto com o texto. Este fator foi influenciado também pelo maior uso da Internet Banda Larga, que conta atualmente com um custo mais acessível (mesmo que não tão bom quanto o desejado).

Charles Roberto Pilger, webmaster da Unisinos – Universidade do Vale do Rio dos Sinos

O que mais marcou o JOL no último ano foi a atenção dada aos blogs depois do dia 11 de setembro. De repente os veículos de comunicação descobriram uma fonte riquíssima para o que estava acontecendo em NY. Ok, blog não é jornalismo, é o relato individual de uma pessoa vivendo a sua vida, mas volta e meia essa pessoa pode estar perto do que está acontecendo e dar o seu ponto de vista, contar a sua versão do que está acontecendo naquele local, de uma forma bem mais rica do que uma matéria mandada pela Reuters.

Leonardo Paiva, jornalista de informática e Internet

Acho que os eventos de 11 de setembro foram um batismo de fogo para o jornalismo online. Este foi o primeiro grande evento mundial que testou a tão falada velocidade de veiculação de notícias que a Web é capaz de proporcionar com a estrutura que tomou, bem diferente daquela estrutura que tinha em 1996. Tão logo os aviões se chocaram no World Trade Center e no Pentágono, ao fim do dia nós já tínhamos até esquemas animados em Flash ilustrando como ocorreu tudo. Sem falar que tínhamos até mesmo uma gama repleta de informação sobre os edifícios, o que estava acontecendo em conseqüência disso e até a ?biografia? do Bin Laden, tão logo foi anunciado como sendo o autor de tudo.

Rodrigo David, gerente geral de produção da iBest

O evento que mais marcou o jornalismo online no último ano foi o atentado terrorista ao World Trade Center. Os principais veículos de informação foram forçados a redesenhar seus sites – emergencialmente – para suportar a incrível demanda por notícias. Foi o caso da CNN. O site, que pesava 225 Kb antes do ataque, ganhou uma nova versão de 20 Kb, para suportar uma média diária de 4,6 milhões de visitantes únicos. O Google registrou uma média de 6 mil buscas por minuto por ?CNN?. A tragédia do dia 11 de setembro reforçou a importância do jornalismo online e da informação em tempo real. O evento mostrou os dois lados da moeda: a fragilidade dos sites de informação e a versatilidade que estes têm para se recompor em situações extremas.

Vicente Tardin, editor do Webinsider

Talvez o mais interessante tenha sido a difusão mais ampla dos weblogs. Não que eles tenham a ver exatamente com jornalismo, mas com opinião e informação. Aos poucos a minha lista de Favoritos do browser foi ficando cheia de endereços de alguns blogs que visito com mais freqüência do que muitos sites de jornais. Isto indica que a informação que circula neles está ganhando alcance. O jornalismo online pode ser praticado por indivíduos – por que não?. Hoje os melhores CDs de música no Brasil vêm de gravadoras independentes. Algo parecido acontece, de certa forma, com a informação que procuramos na Internet.

E para você, o que mais marcou o jornalismo online no último ano? Utilize o formulário abaixo e deixe a sua opinião registrada. Até a próxima!"

 

"Web: o que mudou na reportagem?", copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 12/09/02

"Tema dos mais sedutores, a existência ou não de um jornalismo eminentemente online vem sendo motivo de dúvidas entre muita gente interessada pelo assunto. Afinal, com a chegada da Web, mudou também a forma de fazer jornalismo? O jornalismo tradicional, feito para o papel, precisa ser diferente quando migrado para o meio virtual? Quais as características das agências online que diferem dos elementos do mundo impresso? Para tentar responder estas questões convidei o jornalista André Felipe Lima, ex-repórter sênior do site de notícias Canal Web, ex-Folha e ex-Jornal do Commercio, para uma entrevista. Atualmente, Lima é assessor de imprensa da White Martins e professor de jornalismo online da faculdade Estácio de Sá.

Sandro Guidalli – Antes de entrar em detalhes sobre a reportagem feita por jornalistas em veículos online, gostaria de saber sua opinião sobre o jornalismo produzido pelas grandes agências, como Globonews.com e Agestado, de uma forma geral. Qual a avaliação que você faz, repito, em linhas gerais, sobre esta produção e o que a tem diferenciado (ou não) em relação aos veículos tradicionais, impressos?

André Felipe Lima – Antes de mais nada, Sandro. Vamos ao lide: jornalismo online – se levarmos em conta a acepção mais rigorosa do que vem a ser jornalismo, onde a alma, a natureza, é a reportagem – ele não existe. É apenas uma reprodução do modelo impresso que conhecemos. O fato em si de ser impresso não inviabiliza a internet como canal de notícias e, além disso, aquela velha história de que a web torna a produção de notícias pouco confiável devido à velocidade que imprime também é besteira. Quem é do metiê sabe de cor e salteado. Ou seja: segue com segurança os preceitos para uma boa apuração, um bom texto e uma boa edição, independentemente de o veículo ser TV, rádio, jornal, revista ou mesmo internet.

Como a web ainda é em banda estreita – e para muito poucos, diga-se de passagem -, fica difícil pintar um quadro de como será o modelo de uma nova agência de notícias na Grande Rede. A GloboNews.com, por exemplo, foi ousada e tenta imprimir aúdio, video e reportagens impressas tudo num mesmo canal. O caminho deverá ser esse mesmo, mas ainda é cedo para afirmar se as tecnologias futuras e maior capacidade de banda para transmissões na internet vão fazer com que agências all news predominem e minimizem cada vez mais a capacidade da linguagem impressa na web. Há um esforço nesse sentido, mas muita água vai rolar até que internet, realmente, seja algo que renda dinheiro para o investidor. O que, infelizmente, não ocorre.

SG – Falando agora um pouco mais sobre a questão da reportagem. É possível dizer que as grandes reportagens, de motivação investigatória, também estão presentes no jornalismo da Web? Você acredita que, ao contrário, a internet não tem esta pretensão e serve mais aos interesses do leitor por notícias frescas, curtas e diretas? Qual deveria ser, a seu ver, a fórmula quase perfeita do jornalismo das agências de notícias e sites na internet?

AFL – O que me preocupa é o nefando imediatismo que a internet exerce nas redações das agências de notícias. Embora existam sites que primam por matérias investigativas, com direito à série de reportagens e tudo o mais, esse modelo está cada vez mais raro na internet. Sites como NO., onde se podia ler muito boas reportagens e notícias do dia sem receio de ficar à margem dos fatos, não resistiu por muito tempo. O Canal Web, onde trabalhei, a linha de frente também era a investigação. Apesar de o site abordar temas como tecnologia e telecom, áreas não muito acostumadas a lidar com matérias mais investigativas, o trabalho de reportagem era imprescindível. É bom deixar claro que jornalismo investigativo não é somente voltado para cobertura policial ou política, como se vende para muito estudante de jornalismo. Vamos ser menos românticos.

SG – As empresas de comunicação passam por problemas financeiros e buscam economia e redução de gastos. Com isso, as equipes estão cada vez menores e o resultado disso é que os jornais acabam ocupando-se daquilo que é estritamente fundamental do noticiário. Esta realidade não acaba por dificultar ainda mais o trabalho da imprensa situada na Web?

AFL – É verdade. Infelizmente, manter um site é um desafio ingrato para qualquer investidor. Enquanto nós, jornalistas, mergulhamos de cabeça na internet antes mesmo do boom, o mercado publicitário custou a entrar nessa empreitada pontocom. Seria um bom dueto: jornalista e publicitários. Talvez, muitos bons sites não saíssem do ar. Os sites de notícias que sobreviveram ao arrastão pontocom, mantêm hoje poucos profissionais em suas redações. A grande maioria deles é composta por jovens que saíram há muito pouco tempo da universidade e sequer tiveram uma experiência mais aprofundada com o universo das pautas e das reportagens.

Hoje, a maioria dos sites de notícias deturpa o conceito de jornalismo e ainda alega que existe jornalismo online. Ora, o que há nessas redações hoje, é um roubo de oportunidades. Uma etapa decisiva na carreira dessa gente nova, o convívio com reportagem, está sendo usurpado. A garotada já ingressa nessas agências de notícias online como simulacro de editores. Se perguntar a esses jovens profissionais se já tiveram pelo menos uma vez uma experiência com alguma reportagem de cunho mais investigativo, a resposta será o rotundo não. Mas a culpa não é das novas gerações. Toda uma estrutura de mercado os desfavorece: cursos ruins e pouco empolgantes; empresas jornalísticas praticamente falidas e cada vez mais enxutas recorrem à mão-de-obra barata, estagiários, de preferência. Sem falar das agências de notícias, que estão praticamente todas com a corda no pescoço e também bastante enxutas. Reportagem, com elas, é etapa superada da informação.

SG – Num primeiro momento, há uns cinco anos, ficamos todos excitados com a possibilidade de relatar um acontecimento quase instantes depois de ele ter ocorrido. Para os jornalistas, esta possibilidade parecia maravilhosa, pois tínhamos a chance de encurtar o tempo que vai da apuração à publicação do fato. Passada esta primeira fase, você acredita que a visão sobre o que deve ser a Web para os jornalistas mudou? Ou ela ainda é vista apenas como um meio perfeito para a divulgação de notícias em tempo real….

AFL – Acho o tempo real fabuloso, quando se tem um profissional bem preparado para lidar com ele. A internet ainda pode manter esse fascínio se as redações tiverem um compromisso maior com o conteúdo próprio de reportagens. Colocar o pessoal mais jovem na rua atrás de informações e despertar nele o gosto pela reportagem ao invés de ficar preso durante oito horas diante de um computador apenas ?consolidando? aspas que saíram em nota ?X? com outras da nota ?Y?. Isso é trabalho de edição. E edição é para quem já tem uma boa experiência jornalística. Os valores de nossa profissão estão se invertendo. Há gente com grande experiência que hoje está fora do mercado, mas que poderia perfeitamente produzir edição de primeira nesses sites de notícias. Mas a ?sensibilidade? dos donos de sites está aniquilando o jornalismo. O que importa para eles é simplesmente pagar um troco qualquer para manter um conteúdo não menos ?qualquer?. ?Reportagem?! Para que isso??, dizem os ?mecenas? dos sites.

SG – Você já trabalhou em sites como o Canal Web e em agências como a Globonews.com. Qual a diferença do trabalho e do ritmo dele entre um site menor, mais focado, e uma agência cuja natureza é a da cobertura mais abrangente e de diversos assuntos diferentes…

AFL – A diferença, evidentemente, é grande. Mesmo um Globonews.com, uma Folha Online, um Terra, uma Agência Estado, que têm um dia-a-dia mais turbulento que o de um site especializado num só assunto, devem dar mais oportunidades para seus repórteres internos. O que presenciamos nas agências online é apenas aquele profissional que pega as notícias que chegam de repórteres de jornais impressos, rádios e TV ou de agências internacionais, como Reuters, AP, AFP etc., e apenas as consolidam. Ora, por que não se cria um núcleo rotativo de repórteres para matérias mais elaboradas nesses sites? O tempo real precisa ser mantido, concordo, mas a imprescindível oportunidade da reportagem não pode ser retirada desses jornalistas dos sites. Mas isso está cada vez mais difícil de acontecer. Beira a utopia. E o que percebemos é uma repetição de notícias em tudo o que é site. Com as mesmas vírgulas, inclusive. Por isso digo: falar em jornalismo online com uma linguagem genuinamente própria ainda é prematuro.

SG – Na minha opinião, o surgimento do jornalismo na internet fez aparecer um tipo de oportunista que passou a criar problemas que nunca existiram, como a questão da maneira de escrever de forma mais apropriada na Web (o chamado webwriting), como se escrever corretamente no meio tradicional fosse incorreto no meio virtual. Como você analisa isso? É mesmo preciso escrever de forma diferente, adequada ao meio internet?

AFL – Pois é justamente o que respondi anteriormente. Falar em jornalismo online ainda é prematuro. Se você, jornalista, sabe escrever, que escreva bem num jornal impresso, num texto para rádio, num para TV e também para internet, onde o que predomina é o impresso. Portanto, escreva como rege a boa e velha língua portuguesa e ponto final. Jornalismo não precisa de festival de neologismos. Se for para falar em neologismos, faça-se, então, uma boa reportagem sobre lingüística. Os sites que vivem de conteúdo com notícias precisam mais de jornalista do que de ?web-sei-lá-o-quê?. A internet é fonte essencial para a formação das novas gerações, seja em que área for. Se houver conteúdo pseudo-inovador, cuidado! Você pode estar defronte a um texto criado por um desses ?web-sei-lá-o-quê?."