QUALIDADE NA TV
TV BRASILEIRA, 50 ANOS
"O dono do mundo", copyright Folha de S.Paulo, 16/09/00
"Roberto Marinho tinha 60 anos quando inaugurou a sua primeira emissora de televisão, no Rio de Janeiro, em 1965. Era dono de um jornal, O Globo, e de uma emissora de rádio. Em contrapartida, não dispunha de capital para aplicar no novo empreendimento e era hostilizado por concorrentes ferozes, a começar pelos Diários Associados, que colocou seus jornais, revistas e estações de TV em campanha contra a emissora recém-nascida.
Cinco anos depois, a Rede Globo alcançava dimensão nacional, era líder de audiência e detinha o maior quinhão das verbas publicitárias, enquanto o império dos Diários Associados ruía inapelavelmente.
O triunfo de Roberto Marinho se explica, em larga medida, pelo seu profissionalismo empresarial e pelo seu bom relacionamento com o poder federal, fosse ele militar ou civil.
Roberto Marinho obteve de Juscelino Kubitschek e de João Goulart a concessão das duas emissoras que serviriam de embrião para a Rede Globo. Como não tinha como colocá-las no ar, uniu-se ao grupo Time-Life. Em troca de 49% de participação no negócio, a empresa americana gastou cerca de 5 milhões de dólares para construir e aparelhar o estúdio da estação, no Rio.
Assis Chateaubriand e João Calmon, dirigentes dos Associados deflagraram uma campanha racista contra Marinho, chamando-o de ‘africano de trezentos anos de senzala’, ‘débil mental sem remédio’, ‘homem de cor da América do Sul’ e ‘crioulo alugado’.
O mote dos ataques era a proibição legal das empresas de comunicação associarem-se a grupos estrangeiros. O jornalista, contudo, havia se precavido: mandara uma carta a Castelo Branco, a quem havia apoiado em março de 64 para tomar a Presidência de Goulart, comunicando a associação com Time-Life.
Foi formada uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o acordo. Discretamente, Castelo Branco fez com que a bancada governista tomasse o partido de Roberto Marinho na CPI, que encerrou os trabalhos inocentando o empresário.
Dentro da Globo, o jornalista delegou a construção da emissora a um grupo de profissionais. Na administração financeira, foi colocado Joe Wallach, executivo de Time-Life. Como responsável pelo conteúdo da programação nomeou Walter Clark e, mais tarde, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni.
Nos primeiros anos de Globo, o jornalista ia quinzenalmente à emissora. Como nem tinha sala, acomodava-se na de Joe Wallach. Só quando demitiu Walter Clark passou a ir todos os dias.
Em 1969, Roberto Marinho rompeu a associação com Time-Life, e comprou dos americanos os estúdios da emissora. Fez um empréstimo de 3,8 milhões de dólares junto ao Citibank, avalizado pelo Banco do Estado da Guanabara, e deu como garantia todos os seus bens, inclusive sua mansão no Cosme Velho.
A par disso, continuou comprando estações retransmissoras, com as quais deu amplitude nacional à sua operação televisiva. Senhor do seu negócio, continuou a fazer com que se desenvolvesse segundo diretrizes profissionais, sem interferir nas decisões de seus executivos. Não dava palpites na programação, nas novelas, nos shows e programas humorísitcos. Só fazia valer sua vontade numa área: o telejornalismo.
Identificado com o ideário dos governos militares, Roberto Marinho os apoiou com entusiasmo. Dos generais presidentes, teve maior contato com Castelo Branco, a quem considerava um estadista. Nem por isso deixou de ter atritos com o seu governo.
Quando Juraci Magalhães, ministro da Justiça de Castelo, disse aos donos de empresas jornalísticas que deveriam promover um expurgo em suas fileiras, o empresário se negou a acatar a determinação com uma frase que ficou famosa: ‘Nos meus comunistas mando eu’.
Durante os governos de Castelo, Costa e Silva e Emílo Médici, a Rede Globo foi submetida à censura. Não censura prévia, mas feita com base em proibições escritas e orais. Militares pediram, e Roberto Marinho consentiu, que a Globo levasse ao ar um programa de divulgação dos feitos do governo, intutulado ‘Amaral Neto, o Repórter’.
Com o fim da censura, no governo de Ernesto Geisel, muitas das crises brasileiras engolfaram o principal noticioso da Globo, o ‘Jornal Nacional’. Foi o que ocorreu na eleição para governador do Rio de Janeiro, em 1982, e na campanha pelas diretas-já, dois anos depois.
No primeiro caso, o ‘Jornal Nacional’ divulgou os números da apuração da Proconsult, que davam o candidato governista, Moreira Franco, à frente do da oposição, Leonel Brizola. O pedetista protestou e, como de fato estava vencendo nas urnas, a Globo permitiu que ele desse uma entrevista ao vivo na emissora, na qual atacou os seus diretores.
Em 25 janeiro de 1984, pressionado pelo ministro da Casa Civil, Leitão de Abreu, Roberto Marinho proibiu que o ‘Jornal Nacional’ noticiasse uma manifestação na praça da Sé, em São Paulo, pelas eleições diretas para presidente. O telejornal informou os telespectadores naquela noite que o ato na Sé comemorava o aniversário da cidade.
Meses depois, o empresário rompeu com João Figueiredo e a Globo passou a cobrir a campanha das diretas. Figueiredo era o presidente militar que conhecia há mais tempo, pois ambos haviam cavalgado juntos na Hípica carioca. Ele foi o único dos ditadores a dar uma nova concessão de TV à Globo, no interior de São Paulo.
As relações entre o jornalista e Figueiredo azedaram quando a Receita Federal, subordinada ao ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel, barrou no Aeroporto do Galeão, no Rio, uma carga de equipamentos destinada à Globo. Poucos meses depois, o ‘Jornal Nacional’ noticiou intensamente o envolvimento do ministro num caso de contrabando de pedras preciosas contrabando no qual Abi-Ackel não teve nenhuma participação.
O apogeu da influência de Roberto Marinho no Planalto se deu durante a Nova República. ‘Eu brigo com o ministro do Exército mas não com o Roberto Marinho’, dizia Tancredo Neves, que o consultou na nomeação do ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, e colocou no ministério das Comunicações um seu amigo, Antonio Carlos Magalhães.
Já no meio do mandato, José Sarney fez com que Mailson da Nóbrega fosse sabatinado e aprovado por Roberto Marinho antes de colocá-lo no ministério da Fazenda.
Nas eleições presidencias de 1989, o jornalista ensaiou apoiar Mario Covas, do PSDB, e veio a aderir à candidatura de Fernando Collor em agosto, quando ele estava bem à frente nas pesquisas, com mais de 40% das intenções de voto.
A sustentação do empresário a Collor se manifestou de maneira mais acabada na véspera da votação. Foi ele quem ordenou que se levasse ao ar no ‘Jornal nacional’ uma edição do debate final entre os candidatos explicitando que Collor havia sido o grande vitorioso.
O jornalista só veio a deixar de apoiar Collor quando o movimento pela sua destituição já ganhara as ruas. A partir do governo de Itamar Franco, Roberto Marinho se afastou gradativamente da direção da Globo.
Colocou seu filhos Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto à frente da rede. Estes, por sua vez, seguiram os passos do pai, delegando a profissionais a condução da emissora no dia a dia.
Aos 95 anos, Roberto Marinho ainda pergunta aos filhos como vão os negócios. Mas a sua relação básica com a Rede Globo é a mesma de milhões de brasileiros: a de telespectador. Ele não perde o ‘Jornal Nacional’."
"O camelô da rua do Ouvidor", copyright Folha de S.Paulo, 16/09/00
"‘Ainda sou um camelô.’ Silvio Santos gosta de recorrer à frase sempre que lhe pedem para se autodefinir. Pode soar como falsa modéstia, mas não é. A trajetória do carioca Senor Abravanel, seu nome verdadeiro, demonstra que nas últimas seis décadas o animador de auditório nunca deixou de ser, acima de tudo, um homem de negócios.
Começou aos 12 anos, no Rio de Janeiro, vendendo suvenires na lojinha do pai, o grego Alberto Abravanel, e se tornou camelô aos 14. Hoje, à beira dos 70, lidera o Grupo Silvio Santos. O conglomerado movimenta R$ 1,6 bilhão por ano e soma 33 empresas, incluindo a administradora da Tele Sena, responsável pelos maiores lucros do empresário e alvo de um processo judicial que pede a decretação de sua ilegalidade.
Em 1981, o apresentador engordou o grupo com o SBT. A rede de televisão – que, àquela altura, incorporava quatro canais da extinta Tupi – acabou se transformando na segunda principal do Brasil.
Se a Globo impôs no vídeo um padrão dito ‘de qualidade’, por rejeitar o improviso, aprimorar a técnica e valorizar atrações que se pretendem menos popularescas, a TV de ‘seu Silvio’ trilhou caminho oposto. Investiu nas classes mais baixas e, sem medo dos dramalhões mexicanos, dos programas de calouros e da precariedade cênica, teve em 1999 um faturamento de R$ 479 milhões.
É ainda pequeno diante do da Globo no mesmo ano: R$ 1,8 bilhão. Mas é suficiente para influenciar outras redes e fazer com que até a emissora líder incorpore elementos típicos do ‘povão’.
A lenda diz que Silvio Santos exibe tamanha intimidade com o popular porque nasceu pobre. Não é bem assim. Seus pais tinham uma pequena loja de artigos para turistas no centro do Rio e puderam garantir que o mais velho dos seis filhos estudasse até se formar técnico em contabilidade.
Por volta de 1945, o menino observou um camelô comercializando carteirinhas para guardar títulos de eleitor. Julgou o produto promissor e resolveu entrar no ramo. Elegeu como ponto preferido as esquinas da avenida Rio Branco e rua do Ouvidor. Das carteirinhas, passou às canetas, lâminas de barbear, bonecas, remédios para calos, gravatas e suspensórios. Apregoava-os enquanto executava mágicas que seduziam os fregueses.
No final da década de 40, movido pelo sucesso nas ruas, prestou concurso para locutor da rádio Guanabara e alcançou o primeiro lugar. Logo percebeu que tais concursos lhe renderiam bons prêmios em dinheiro. Participou de vários e ganhou 12 seguidos, até que quiseram impedi-lo de competir. Foi então que o visado Senor Abravanel adotou o pseudônimo de Silvio Santos.
Mas a carreira radiofônica não o fez esquecer o talento de comerciante. Ao contrário: decidiu unir uma coisa à outra e montou um serviço de alto-falantes numa das barcas Rio-Niterói. Tocava músicas e veiculava anúncios. Mais tarde, na barca para Paquetá, organizou um barzinho, que buscava atrair clientes com uma promoção: quem comprasse certo número de garrafas concorreria a prêmios num jogo de bingo.
Em 1954, as barcas foram para o estaleiro, e Silvio trocou o Rio por São Paulo, onde abriu o bar Nosso Cantinho e se empregou como locutor da rádio Nacional.
Em 1957, Manoel da Nóbrega, colega da Nacional, pediu-lhe ajuda para tocar um negócio que estava quase falindo, o Baú da Felicidade. Eram bauzinhos cheios de brinquedos, que Nóbrega vendia a famílias humildes em 12 parcelas mensais, de tal modo que, no Natal, os filhos dos compradores pudessem recebê-los de presente. Com o novo sócio, a empreitada decolou. Nasciam os alicerces do futuro Grupo Silvio Santos.
Um pouco antes, em 1956, o locutor estreou na TV Paulista, narrando comerciais das lojas Clipper. O ‘Programa Silvio Santos’ surgiu seis anos depois, na mesma emissora. O apresentador comprava o horário e cuidava de todo o processo de produção.
Suas boas relações com o general João Baptista Figueiredo, então presidente da República, lhe valeram, nos anos 80, a concessão da rede de TV. Ainda nos 80, Silvio tentou a carreira política. Pleiteou a prefeitura paulistana em 1988 e a Presidência da República em 1989, sem sucesso. Em 1992, cogitou novamente ser prefeito de São Paulo e, outra vez, fracassou."
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