Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Mario Sergio Conti

ASPAS

JB 110 ANOS

"Compromisso", copyright Jornal do Brasil, 8/04/01

"Ao completar 110 anos, o Jornal do Brasil anuncia duas mudanças: ele agora é publicado por uma nova empresa, e a redação tem um novo diretor. São mudanças importantes. Mas elas não alteram o princípio que orientou o jornal nas últimas décadas – o da independência editorial.

Independência editorial significa que os repórteres dispõem de liberdade para apurar todas as notícias que considerem relevantes. Os editores têm independência para estampá-las na sua inteireza. Os articulistas são livres para analisar a luta política, a cena econômica e o panorama cultural. Há espaço para a crítica e a denúncia. A redação tem liberdade para publicar o que acredita ser a verdade sem ceder a qualquer interferência – a não ser as ditadas pela responsabilidade, pela boa-fé, pela decência e pelo rigor profissional.

A propaganda não se choca com a independência editorial. Quanto mais anunciantes o jornal tem, quanto mais pulverizados eles são, tanto melhor. Com centenas de anunciantes, nenhum deles tem peso nas finanças do jornal. É essa a regra da boa imprensa em todo o mundo. Só as empresas jornalísticas economicamente saudáveis podem dar condições a seus profissionais para que investiguem a verdade e resistam a pressões, venham de onde vierem.

A independência editorial exige que os interesses comerciais estejam separados do conteúdo do jornal. Eles não se misturam. Nenhum anunciante, nenhuma empresa, nenhuma consideração de ordem comercial pode interferir nas notícias, artigos, colunas, ensaios, charges e fotos que o jornal publica.

Independência editorial significa independência política. O jornal faz questão de veicular as idéias de todas as correntes de opinião que existem na sociedade brasileira. A livre circulação de pontos de vista e o incremento do debate político contribuem para o melhor entendimento dos problemas nacionais e, em conseqüência, para o posicionamento esclarecido dos leitores. O jornal não se furtará a dar a sua opinião política. Mas ela estará circunscrita aos editoriais. No noticiário, se buscará a objetividade e a isenção.

O Jornal do Brasil vem de atravessar anos difíceis, de crise. Mas a tradição, a alma do JB, permanece. Ela é fruto do trabalho continuado de centenas de profissionais de imprensa que, ao longo de 110 anos, forjaram um jeito peculiar de contar o que acontece no Rio de Janeiro, no Brasil, no planeta. Esse jeito de ser ganha vida quando o leitor abre um parênteses no seu dia e percorre as páginas do jornal para se inteirar das notícias – e também para rir das charges, para concordar ou discordar das opiniões, para se irritar, se divertir, se emocionar, se indignar, ponderar, pensar.

Esse jeito de ser permanecerá. O JB continuará tendo como norte a excelência jornalística. Procurará publicar reportagens exclusivas, bem apuradas. Não terá receio em perturbar os poderosos. Buscará destrinchar a complexidade da vida contemporânea – mas sem ser chato. Sempre que cabível, tratará os fatos com leveza e bom humor. Com elegância, também. Prezará a inteligência. Fugirá da vulgaridade e do sensacionalismo. Será curioso. Reconhecerá os seus equívocos. Terá a ambição de aprofundar temas sem perder a clareza. Contra a cacofonia das imagens televisivas, valorizará a lógica e a coerência. Usará com criatividade e correção os recursos da língua portuguesa.

Esse jeito de ser do Jornal do Brasil se renovará a cada dia. Suas páginas estarão abertas para a experimentação, para a juventude. Assim, o jornal estará à altura do tempo vertiginoso em que vivemos e poderá atingir o seu objetivo primeiro: compartilhar a busca da verdade com o leitor."

"A imprensa e o poder", copyright Jornal do Brasil, 8/04/01

"O tema que me propõe o Jornal do Brasil permite, pelo menos, duas leituras. Se ?imprensa e poder? refere-se às relações entre imprensa e governo, registraria apenas que numa democracia elas devem ser de total independência e mútuo respeito. Qual o poder do ?poder? hoje, no Brasil, sobre a imprensa? Ao contrário do que alguns possam imaginar, nenhum. E é bom que assim seja. Bom para a sociedade, que pode cobrar o atendimento a suas legítimas reivindicações, e bom para o governo, que descobre seus próprios erros mais eficaz e mais rapidamente do que de outro modo ocorreria.

Se a imprensa, por outro lado, é aí colocada em contraste, ou contraponto, ao poder, resta a pergunta, muitas vezes escamoteada, sobre o poder da própria imprensa. Nesse sentido, não creio se possa dizer que a imprensa tenha jamais vivido momento de maior liberdade em nosso país do que nos últimos seis anos, o que conforta minha convicção democrática da vida inteira. Talvez a história recente estaria melhor retratada no título quase inverso, ?o poder da imprensa?. Esta situação requer da imprensa, como de qualquer outro poder, profundo senso de responsabilidade.

Na verdade, os poderes Legislativo e Judiciário, mais a imprensa, constituem mecanismos permanentes de fiscalização de que a sociedade dispõe sobre quem governa. Não por coincidência são os primeiros setores a serem visados e desmontados por regimes autoritários de qualquer coloração ideológica. Esse mandato de fiscalização não exime tais instâncias, antes pelo contrário, de serem elas mesmas submetidas aos requisitos da transparência e da fiscalização constante pela sociedade.

Esse poder crescente e bem-vindo da imprensa é fruto de dois processos convergentes, tanto no plano das sociedades nacionais como no da ordem internacional.

Internamente, a luta vitoriosa pela democracia na maior parte dos países do globo valeu-se muito da coragem da imprensa e a reforçou, como verdadeira ponte entre a sociedade e o Estado, e vice-versa. No plano internacional, o processo de globalização deu lugar central à informação, e portanto à imprensa, na vida das sociedades. Esse, me parece, é o sentido profundo da expressão ?sociedade da informação?, que hoje tem alcance genuinamente universal.

Entender a globalização apenas como integração de mercados é perder de vista suas dimensões societais talvez mais amplas. A revolução real não está ocorrendo nos pro cessos de produção, mas sim na velocidade e profundidade com que se expandem os vínculos e as trocas de informações em escala planetária. Nunca como hoje teve tantas implicações concretas o ser um ?cidadão do mundo?. Que um computador seja produzido com peças do mundo inteiro é menos relevante do que o fato de que esse mesmo computador possa servir a pessoas do mundo inteiro para terem acesso a informações sobre literalmente qualquer assunto.

Da mesma forma, entretanto, que a globalização propriamente econômica arrisca congelar-se como globalização assimétrica, a globalização na área da informação aponta para o perigo de um mundo dividido entre países produtores e países consumidores de informação. As imagens que vemos na TV e as notícias que recebemos por meio da internet são em sua maioria geradas nos mesmos centros de informação.

É verdade que num círculo menor de bem informados, os chamados formadores de opinião, tem-se melhor acesso, justamente pela rapidez e diversificação da oferta de informações no mundo atual, ao que realmente se passa nos mais diversos quadrantes do planeta.

Temos assim o contraste entre o fato de que todo o conhecimento existente em uma infinidade de periódicos, livros, bibliotecas, centros de pesquisa, universidades está potencialmente ao alcance de um clique do mouse e a realidade em que a maioria das pessoas recebe suas informa ções de um número reduzido de fontes.

É verdade também que não há antídoto melhor para os riscos de uma globalização da informação eivada de assimetrias do que cada vez mais informação, mais liberdade no fluxo de informações, mais descentralização dos pólos geradores de informação, nunca menos informação. As eventuais imperfeições desse mercado não serão superadas com mecanismos restritivos – aliás virtualmente impossíveis devido às novas tecnologias -, mas pelo maior acesso de todos a ambos os pólos, o emissor e o receptor de informações.

Esse processo já se verifica, inclusive no Brasil, com o acesso cada vez maior da sociedade civil a formas de administrar a troca de informações sobre assuntos de seu interesse, seja pela internet, seja por rádios comunitárias ou outras formas de comunicação. Não custa lembrar que os sistemas político-econômicos que restringiram a liberdade de informação por razões político-ideológicas sufocaram não apenas a sociedade civil e os movimentos dissidentes, mas sobretudo seu próprio potencial de desenvolvimento científico-tecnológico.

A comunicação atingiu sem dúvida seu momento de maior domínio do tempo e do espaço. É difícil imaginar que possa ser ainda mais veloz e ainda mais abrangente sem entrar no terreno da ficção científica. Por isso mesmo, seu papel é hoje crucial para todas as esferas da vida humana.

O tempo real passou a dominar tanto o cálculo econômico como o político. Uma notícia política ou econômica ou sanitária que surge nos sites das agências de notícias tem o poder de abalar mercados e as economias de países inteiros, desenvolvidos ou em desenvolvimento. A volatilidade dos fluxos fi-nanceiros se alimenta em grande parte da volatilidade das notícias.

Vivemos imersos em um oceano de informações, bombardeados a cada instante por notícias de nossa cidade, nosso país, do mundo. Já disse uma vez que quem passar o dia com os olhos grudados na telinha do computador, não faz mais nada. Passa a ser espectador da realidade e perde a capacidade de agir, de mudá-la. Passa a viver do momento e perde a aptidão para planejar o futuro. É preciso, portanto, estar constantemente bem informado sem tornar-se escravo do fluxo incessante de notícias.

Mas se aquele que deve decidir tem que es-tar bem informado sem sucumbir à sedução hipnótica do tempo real, o mesmo se aplica ao pólo produtor das informações. A rapidez ver-tiginosa possibilitada pelas modernas tecnolo-gias da informática e das telecomunicações dá lugar a uma competição desenfreada entre os veículos. Essa agilida de necessária, entretanto, como se sabe, reduz o tempo de correto pro-cessamento e reação, aumenta a margem de erro e, muitas vezes, hipertrofia o ângulo negati-vo. A informação virou produto com escasso tempo de validade e que nem sempre parece hesitar em pagar o preço da credibilidade em nome de atrair mais consumidores.

Neste mercado extremamente competiti-vo, nem sempre as regras mais comezinhas da neutralidade e da objetividade são segui-das. Pseudonotícias coalhadas de expressões como ?suposto?, ?sem autenticidade comprovada? e outras similares são publicadas e republicadas, sem qualquer fato, novo ou velho, que as caucione.

Fascinados pela tecnologia que abole o tempo e o espaço, não se meditou o suficiente sobre o conteúdo da informação. Muitas vezes, o público recebe a imagem confusa de um mundo fragmenta do numa miríade de pequenos fatos, sem que lhe seja ofereci do um contexto e uma perspectiva temporal que permitam melhor situá-los e compreendê-los. O presente hipertrofiado pelo metralhar de novas notícias estimula a falta de memória his-tórica. Figuras da vida pública podem reinventar-se a cada instante como produto novo, como se a frase do dia, a sound bite, como dizem os americanos, tivesse o condão de abolircurrículos e biografias.

O escritor italiano Italo Calvino propôs como marcas da literatura do século que agora é o nosso qualidades como leveza, rapidez, exatidão, visibilidade e multiplicidade. Dessa lista, dois valores me parecem dever distinguir também a imprensa em nosso tempo: a rapidez e a exatidão. É no difícil equilíbrio entre esses dois objetivos, ambos igualmente relevantes, que ela haverá de encontrar o melhor cumprimento de sua elevada missão. (Sociólogo e presidente da República) "

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