Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mario Sergio Conti

CALE-SE

“Ao acaso, corpos que caem”, copyright AOL Notícias (www.aol.com.br), 7/11/03

“?Cale-se?, o livro de Caio Túlio Costa (A Girafa, 350 págs.), lembra uma cena de ?Um corpo que cai?, ou ?Vertigo?, de Hitchcock. Aquela em que Kim Novak e James Stewart visitam o parque das sequóias, na Califórnia. O casal olha o tronco cortado de uma árvore. Nele, estão anotadas algumas datas históricas (a da batalha de Hastings, a da promulgação a Magna Carta, etc), cada qual correspondendo a uma etapa do crescimento da sequóia centenária. Kim Novak aponta para dois anos bem próximos da casca e diz: aqui eu nasci, e aqui eu morri.

O ano para o qual ?Cale-se? aponta é o de 1973, para setenta dias entre os meses de março e maio. Seu universo é exíguo, quase claustrofóbico. Toda a ação se passa na Cidade Universitária, os bairros vizinhos, com escapadas para a Praça da Sé e para o centro. É uma São Paulo de classe média jovem, com suas repúblicas estudantis, seus shows, suas discussões e namoros.

A primeira frase do livro, ?O Minhoca caiu?, usa uma gíria daquela época e daquele meio que ecoa o título brasileiro do filme de Hitchcock. ?Cair? significava ser preso pela polícia política da ditadura, mantido incomunicável, provavelmente torturado e, algumas vezes, ser assassinado. Naqueles dias, dezenas de estudantes da Universidade de São Paulo caíram, foram torturados e um morreu supliciado, o Minhoca, Alexandre Vannucchi Leme, mais um entre as centenas de corpos enterrados do vale dos caídos cavado pela ditadura.

Na tese de Caio Túlio Costa, foram também dias – para ficar mais uma vez com Hitchcock, o do título original do filme – de vertiginoso aceleramento do processo histórico. Entre a missa de repúdio ao assassinato de Vannucchi Leme, na catedral da Sé, e um show de protesto de Gilberto Gil, na USP, desatou-se o nó que imobilizava a oposição ao regime militar: abandonou-se o terrorismo como método de luta, em favor da mobilização de massa.

A tese é discutível. A transição foi mais longa e complexa, me parece. Mas a força de ?Cale-se? não está na idéia que o embasa. Está na reconstrução daquele ambiente, do ideário daqueles jovens que, meio ao acaso, ziguezagueavam entre o medo, a coragem e a curtição, pois podiam tanto cair como ir a um show. A abordagem é simpática aos personagens. Caio Túlio Costa tenta entendê-los, e não problematizá-los. Como o livro tem um quê de nostalgia, ele funciona como um retrato de grupo, uma festa de reencontro trinta anos depois.

É um grupo representativo. Poucos anos depois, ele adotou o nome de Refazendo. Sua ligação com as organizações clandestinas era tênue. Suas preocupações intelectuais, escassas. Tinham respeito por figuras como Ulysses Guimarães e D. Paulo Evaristo Arns. Politicamente, o máximo que pretendiam era a democracia.

Não chega a ser um prazer reencontrar o grupo três décadas depois. Eles continuam os mesmos: não foi à toa que um dos seus líderes tivesse o apelido de Bundão. Outro que não mudou nada é Gilberto Gil. Seu falatório no show na Cidade Universitária é exatamente o mesmo do hoje ministro da Cultura.

Mas é curioso redescobrir que, novamente ao acaso, quem estivesse no mesmo ambiente, naqueles mesmíssimos tempos, tenha vivido experiências muito diferentes.

Eu estava lá. E achei bizarro que o livro não fale de maconha e revolução. Puxava-se fumo adoidado. E a agitação estudantil só fazia sentido tendo como fio condutor a revolução proletária. Não se trata de um erro de ?Cale-se?. É que, apesar de ser uma aldeia, os clãs da USP não se misturavam.”

 

SHATTERED GLASS

“Jornalistas mentirosos fazem sucesso”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 7/11/03

“O cinema americano sempre teve uma relação ?delicada? com o jornalismo. Filmes como ?Todos os homens do presidente? transformaram os jovens repórteres do Washington Post, Bob Woodward e Carl Bernstein em verdadeiros heróis. Eles ficaram famosos seguindo o enredo original de um jornalismo investigativo de verdade dentro dos rígidos padrões da ética profissional. Mudaram o mundo ao derrubarem um presidente mentiroso.

Durante toda a investigação do caso Watergate, jamais se utilizaram de ?atalhos? para apressar as investigações ou conseguir um furo jornalístico. Foi um trabalho meticuloso, chato, sem qualquer ?glamour? cinematográfico ou jornalístico. Trabalhando dentro de normas estritas e cuidadosas, não era permitido sequer negar a condição de ?jornalista? durante as infindáveis investigações telefônicas com fontes extremamente ?escorregadias?. Jornalismo investigativo de verdade é assim. Dá muito trabalho, consome tempo e nem sempre rende um filme em Hollywood ou sequer uma manchete. É um trabalho incansável, monótono que exige determinação e perseverança.

Hoje, o jornalismo mudou, está em crise financeira e de valores e, segundo Hollywood, os jovens jornalistas se transformaram em inescrupulosos ?vilões?. A moda agora é denunciar um jornalismo pós-moderno que se mostra incapaz de distinguir as ?mentiras? dos ?fatos?. Um jornalismo ?estiloso?, muito bem escrito, repleto de boas histórias com um único problema: elas não são verdadeiras. Hoje, o sagrado território do jornalismo se confunde com o entretenimento. Ao invés de ?mudar o mundo?, passou a se ser somente a ?arte de contar uma boa história?. E para contar uma boa história, nada como uma boa mentira. Os ?fatos? assim como a verdade, muitas vezes, só atrapalham.

Shattered Glass, o primeiro filme do jovem diretor Billy Ray, é uma boa história. Estreou esta semana em Nova Iorque num sugestivo dia de Holloween, o Dia das Bruxas ou o Dia da Mentira. Para quem gosta de cinema e ainda se preocupa com o jornalismo o filme incomoda, mas é simplesmente ?imperdível?. A tradução do título é difícil. Trata-se de um trocadilho em inglês que combina a expressão ?Vidro Partido ou Estilhaçado? com o nome do principal protagonista da trama, o jovem, ambicioso e inescrupuloso jornalista Stephen ?Glass?. Aqui entre nós, não sei como vão traduzir no Brasil, mas ficam aqui algumas sugestões: Jornalistas Mentirosos? ou ?A Grande Mentira?. Também aguardo as sugestões certamente melhores dos nossos leitores.

Apesar de tratar de ?mentiras?, o filme retrata uma história verdadeira. Esse era o comentário que mais ouvia na saída do cinema. Todos pareciam ?chocados? com a crise do jornalismo e faziam questão de lembrar de um outro jornalista mentiroso, o Jayson Blair, ex-repórter do The New York Times. Ele também decidiu tomar um ?atalho? para o sucesso. Conseguiu o que pareceria impossível, ?driblar? os infalíveis processos editoriais da tradicional e poderosa imprensa americana. O pior é que os dois casos podem não ser meros ?acidentes? ou ?coincidências?. Primeiro, podemos estar diante somente da ponta de um iceberg. Muitos outros jornalistas ambiciosos e apressados podem estar ?criando? boas histórias que ajudam a imprensa a enfrentar a crise e a crescente indústria do entretenimento. Jornalismo vale tudo pode ser assim mesmo. Podemos estar diante de uma nova tendência jornalística pós-moderna: um novo jornalismo bem escrito, que privilegia as mentiras, dispensa os fatos e que faz sucesso.

O problema, no entanto, são os novos heróis do jornalismo investigativo: os jovens profissionais que trabalham em pequenas publicações na Internet. Eles possuem ferramentas poderosas de investigação eletrônica e podem causar prejuízos e embaraços à mídia tradicional. Moral da história: a mídia nanica da Internet humilha a grande imprensa americana.

No filme, o jovem jornalista Stephen Glass, interpretado pelo excelente Hayden Christensen, é um personagem ambíguo, imaturo e inseguro. Apesar de competente em termos profissionais – sugere boas pautas, escreve bem, impressiona os colegas -, não consegue resistir às pressões de um novo jornalismo que somente valoriza o sucesso imediato. Jornalista não pode mais se contentar em ser somente um coadjuvante dos fatos. Tem que ser reconhecido, se tornar uma celebridade, ganhar prêmios e tudo isso antes dos 30 anos. O jornalismo pós-moderno tem pressa.

Stephen Glass era mais uma promessa do novo jornalismo americano. É um digno representante de uma nova geração de jornalistas ambiciosos que muito cedo foram ?largados? em redações da Terra do Nunca. Os jornalistas mais velhos já foram demitidos e eles estão sozinhos. Precisam sobreviver a qualquer custo. Assim como os meninos da saga de Peter Pan, Stephen Glass, aos 25 anos, muita experiência pessoal ou profissional, e com muito talento, foi admitido na redação de uma das mais prestigiosas revistas políticas dos Estados Unidos, a New Republic. Para quem nunca ouviu falar da publicação, segundo o filme, era ?a revista lida no avião presidencial americano? durante os anos 90. Pelo jeito, deve ser realmente importante. O presidente Clinton lia a New Republic provavelmente quando não estava muito ocupado decidindo o futuro da humanidade ou correndo atrás de alguma ?estagiaria?.

Jason Blair e Stephen Glass se tornaram grandes estrelas do novo jornalismo americano em pouquíssimo tempo. Ambos escreveram histórias ?incríveis? em que muitos editores preferiram ?acreditar?. Apesar das mentiras, eram todas ?boas histórias? e ajudaram a vender muitos jornais e revistas.

De qualquer maneira, todo o cuidado é pouco. Em tempos de ?denúncias? contra jornalistas, com Hollywood em busca de boas histórias, sucessos de bilheteria, e novos vilões, fica o aviso: A bruxa está solta e ela se chama ?Internet?. Mas se você não tem medo de bruxas, de mentiras e está ansioso para ver o filme clique aqui.”

 

ENTREVISTA / JORGE FELIX

“Jorge Felix e o dono da Folha”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 5/11/03

“Furo de reportagem: eis o momento em que o repórter vira fonte. Link SP entrevista hoje um entrevistador, o jornalista que desafiou um tabu, uma cerca feita da imagem distante do outro e da timidez – antes, talvez, do ceticismo de seus colegas. Por vários anos não se teve notícia de uma entrevista concedida pelo dono da Folha de S. Paulo, Octavio Frias de Oliveira, 91 anos, pai do diretor de Redação do jornal, Otavio Frias Filho. Coube a Jorge Felix realizá-la. Destaque-se: foi o primeiro trabalho dele para o AOL Notícias. Para consegui-lo, bastou que fosse repórter, como contou a esta coluna:

A idéia surgiu numa reunião de pauta normal, com o Kaíke Nanne e o João Wady Cury, do AOL. Há algum tempo, estava impressionado com a morte de três donos de jornais neste ano. Talvez por eles serem todos do Rio e eu tê-los conhecido, pois sou carioca. Isso me chamou a atenção e achei que o Seu Frias era o último que realmente construiu um jornal e está em atividade. Como este ano a imprensa vive essa crise enorme, sugeri a entrevista. É claro que foi aprovada na hora. Nem sabia se conseguiria. Saí da reunião pensando. ?Poxa, agora eles vão me cobrar essa entrevista pelo resto da vida e o Seu Frias nunca vai me atender?. Mas, para minha surpresa, peguei o telefone e o nome da secretária dele e liguei. Ela me disse que ele nunca falava com a imprensa, mas eu pedi que ela, pelo menos, levasse meu pedido a ele. Ela pediu que eu enviasse um e-mail com os temas principais da entrevista e um breve currículo meu. Eu fiz isso e no dia seguinte recebi o telefonema dela marcando o dia. Primeiro ela marcou para o dia 13 e depois adiou para o dia 15. Ele me atendeu precisamente no horário. Eu tomei um susto quando ela ligou. Não acreditei. Pensei: ?Não creio que foi tão fácil?. Isso só me leva a acreditar que ele queria realmente falar sobre aqueles temas. Só não tinha sido procurado. Ou estava, lógico, constrangido de dar entrevista para um veículo dele.

A repercussão da entrevista, publicada em duas partes (21 e 22/10) no AOL, foi proporcional à expressividade do feito. Não só porque se tratava de uma entrevista com o proprietário da Folha. As declarações de ?Seu Frias?, como prefere ser chamado, retumbaram no plenário do Senado, precisamente por causa de sua enfática discordância acerca de um eventual socorro do BNDES às empresas de comunicação deficitárias: ?Eu tenho receio. Eu tenho um receio muito grande. Isso tende a interferir. Para falar claramente… [Pausa, olhar perdido] nem sei se deveria dizer isso… [Olha no olho do repórter e fala firme] em todo caso vou arriscar: o que interessa ao governo é a mídia de joelhos. Não uma mídia morta. Uma mídia independente não interessa a governo nenhum?.

Alberto Dines, editor do site Observatório da Imprensa, definiu a entrevista como um marco:

…Altera drasticamente o diálogo governo-imprensa no tocante à possibilidade de uma ?operação-socorro? a ser montada no BNDES para ajudar as endividadas empresas de mídia. Isto pelo que Frias disse, pelo que deixou subentendido e, sobretudo, pelas conseqüências. Está quebrado o pacto de silêncio que envolve a mídia brasileira. Com meia dúzia de respostas breves e claras, Frias desmanchou a escandalosa unanimidade que diminuía e envergonhava nossa imprensa. Restabeleceu a diversidade, devolveu-lhe o papel questionador e tirou-a da comprometedora penumbra onde escondia crises, problemas e vexames.

Outro ícone jornalístico, Mino Carta, questionou as respostas de Frias e – com exagero – o próprio entrevistador, em um artigo publicado em sua Carta Capital, reproduzido pelo Comunique-se em 03/11:

O empresário-editor tem 91 anos, idade que nem tantos alcançam e, entre os que alcançam, bom número só recorda da infância. Tenho certeza de que este não é o caso de Octavio Frias de Oliveira. Quanto a mim, lembro, com precisão de pincel flamengo, bem ao contrário dos entrevistadores da AOL, talvez despreparados para a tarefa, que o governo Médici terminou dia 14 de março de 1974. Esta é a verdade factual, aquela que os jornalistas devem respeitar. No mais, cabe a pergunta: por que Octavio Frias de Oliveira, ao admitir pela primeira vez ter sacrificado Claudio Abramo sob pressão do regime militar, erra tão clamorosamente nas datas e nas pessoas? Soa contraditória a afirmação da independência do jornal enquanto se apresenta uma prova em contrário. Mas isso é o de menos. Sobra a impressão, que tive então e renovo hoje, de que a Folha apostasse no general Silvio Frota.

Na entrevista a esta coluna, Jorge Felix classificou de ?idiotice? a consideração de Mino Carta sobre o seu preparo profissional. ?E me honra muito a Carta Capital ser obrigada a repercutir um furo meu?.

Dramaturgo

Felix iniciou sua carreira no Jornal do Brasil, em 88. Enviara ao diário o artigo ?Falta reformar o estudante?, sobre reforma universitária, em debate na época. O então editor-executivo, Roberto Pompeu de Toledo (hoje, ensaísta da Veja), gostou do que leu. Publicou-o na página de Opinião e convidou o autor para um estágio na redação, onde o jovem permaneceria por quase dez anos, como repórter de Política (com os editores Marcelo Pontes e Ancelmo Góis) e, a convite de Pontes, como repórter da coluna ?Informe JB?.

Homem de teatro, Felix foi aluno de Miguel Falabella e Felipe Pinheiro, no Rio de Janeiro. Chegou a montar um grupo e uma peça de sua autoria e de Márcio Tavolari – hoje diretor artístico da NGT, Nova Geração de Televisão (48 UHF), emissora em fase de teste em São Paulo. ?Loucas Faculdades Mentais? encenou-se no Teatro Cândido Mendes, no centro do Rio.

Escreveu com Tavolari o roteiro do infantil ?Sabor de Fantasia?, na extinta TV Manchete, em 1989. O programa foi finalista do Festival de Nova York, junto com o ?Castelo Rá-Tim-Bum?.

No ano que vem, Felix encenará o seu monólogo ?Uma mulher de vestido preto?, com Cristina Mutarelli, possivelmente dirigida por Marcos Caruso. A estréia está prevista para março.

Ao jornalismo: em 91, Jorge Felix transferiu-se para a sucursal do Jornal do Brasil em São Paulo, chamado por Carlos Alberto Sardenberg. Em 93, foi editor-assistente de Política da IstoÉ. Retornou ao JB em 94. Cobriu a campanha de Fernando Henrique e, em 95, foi para a sucursal de Brasília, onde ficaria até 97.

Ao longo desses anos, Felix cobriu as campanhas eleitorais em São Paulo, no Rio de Janeiro, por todo o País.

Entre os principais trabalhos, uma reportagem sobre uma fraude eleitoral em 90 nas eleições do Rio. ?Cidinha Campos era a maior vítima e o maior beneficiado era o Nelson Burnier, até hoje na política. A matéria, depois de algumas semanas de investigação da Justiça Eleitoral, teve como conseqüência a mudança do resultado da eleição para deputado. O PSDB, na época, não iria fazer nenhum deputado e, com a mudança do coeficiente eleitoral (porque se descontaram os votos fraudados), elegeu o Artur da Távola, que só não teve a carreira política interrompida por causa disso?. Outro furo: a compra do banco Itamarati, de Olacyr de Moraes, pelo BCN.

Em 97, voltou a São Paulo. Foi repórter da Rede Globo no ?Bom Dia Brasil? e no ?Jornal da Globo?, na equipe da Lillian Wite Fibe. ?Pela exposição da tevê muita gente acha que sou mais da área econômica do que verdadeiramente sou?.

Deixou a emissora em 99, passou pela assessoria FSB e foi para a TV Cultura coordenar o Núcleo de Comunicação da Fundação Padre Anchieta. Saiu de lá para participar de projetos especiais da Editora Globo. Foi um dos criadores e redator-chefe nos dois primeiros anos da revista Quem. Regressou à TV Globo para coordenar a produção dos jornais de rede em São Paulo, sobretudo o ?Jornal Nacional?. ?Mas essa vida me esgotou muito?.

Casado com a jornalista Angela Klinke, colunista e editora de Consumo do jornal Valor e da revista Estampa, pai de seu primeiro filho, João, de oito meses, preferiu ?arrumar algo mais tranqüilo por uns tempos?.

Jorge Felix criou este ano a Editora Barcarolla, em sociedade com a jornalista Lu Fernandes. A casa publicará livros sobre temas da atualidade, ?preocupada com a formação de leitores?. O primeiro será um best-seller francês (cujo título não foi revelado), escrito por uma jornalista. Os editores pretendem lançar uma obra por mês no ano que vem. Contam com ?vários amigos-colaboradores?, como Roberto Pompeu de Toledo, Carlos Eduardo Lins da Silva, José Serra ?e muitos outros colegas entusiasmados com a nossa coragem?. Estes, por enquanto, não escreverão livros, mas contribuirão com idéias e orientações.

Felix chegou ao AOL em outubro, a convite do editor-executivo Kaíke Nanne e do diretor de conteúdo, João Wady Cury. ?Acredito que eles estão fazendo um excelente trabalho na redação. Me honra muito estar ao lado de Marcos Sá Corrêa, por exemplo, de quem fui foca no JB há 15 anos. Marcos tem feito matérias ótimas. O mesmo vale para o Antonio Gonçalves Filho, o Kiko Brito e o Mario Sergio Conti, todos levados agora pelo João. E o time de articulistas é melhor do que de muitos jornais?.

Link SP – Você já conseguiu outras entrevistas importantes simplesmente por solicitá-las?

Jorge Felix- Sim, uma vez, em 89. Eu era foca no Jornal do Brasil e chegava cedo à redação porque estudava à noite. A chefe de reportagem era a Luciana Vilas-Boas, hoje diretora da Editora Record. Era cedo e as coisas ainda não estavam acontecendo, nem reunião de pauta não tinha acontecido ainda e a Luciana nunca sabia o que poderia me dar de pauta àquela hora da manhã. Pauta de política então nem se fale. Um dia ela pegou um release que dizia que o primo do Collor, aquele juiz Mello Porto, do Tribunal do Trabalho lá do Rio, iria receber um abaixo-assinado de apoio à candidatura do Collor. A Luciana acho estranho e falou para eu ir lá. Eu fui e descobri toda a armação. Mas as pessoas, os sindicalistas, me falavam que ele nunca iria falar e muito menos confirmar a história. Antes de sair do tribunal, eu falei para o fotógrafo: ?Vamos lá só para registrar que ele não quis nos receber?. Mas ele recebeu e tiramos foto do gabinete dele de juiz transformado em comitê do Collor. Foi um estouro na primeira página do jornal do dia seguinte, sob o título ?Por uma Justiça Collorida?. Acho que sempre se deve tentar, daí pra frente eu sempre tentei, se levar um não, ótimo, quer dizer que, dificilmente, serei furado. Se conseguir a entrevista melhor ainda.

LSP – A sua referência à morte dos demais empresários de comunicação pode ter pesado na decisão de Frias de aceitar o encontro?

JF – Não sei. Mas acredito que sim. Isso sempre mexe com uma pessoa de 91 anos. Lembrei muito de um artigo emocionante do grande mestre Castelinho, quando vários dos seus companheiros de ABL morreram em seqüência. Ele escreveu um artigo contando coisas, lembrando fatos e se colocando numa difícil etapa da vida. Acredito que o Seu Frias deve ter pesado isso, sim.

LSP – Que impressões o entrevistado lhe deixou?

JF – Primeiro quero dizer que não conhecia o Seu Frias. Ou melhor, só o tinha visto uma vez na vida em um evento. Mas ele é uma pessoa muito gentil, pelo menos foi muito gentil comigo, muito educado, simples, e eu pensei, quando fazia algumas perguntas, que ele não iria responder alguma coisa. Mas ele foi extremamente humilde e respondeu a tudo. Só parei a entrevista quando senti que ele já estava impaciente, deveria ter coisas para fazer e eu senti que uma hora estava de bom tamanho. Também não era minha intenção fazer nenhuma entrevista tão biográfica, me interessa que ele falasse o que falou, dos temas que estão aí. Fui fazer uma entrevista para falar dos temas tabus, que os jornais não estavam falando. E ele aceitou a proposta.

LSP – Em dois momentos, Frias mostrou-se contraditório. Quando falou da independência do jornal, em contraste com a admissão de obediência ao governo, no episódio da saída de Claudio Abramo; e ao garantir haver um ?Muro de Berlim? entre a redação e os departamentos comerciais, ao ser questionado por você sobre aquela revista da Folha financiada por instituições de ensino. Ele parecia inseguro, ao comentar o segundo episódio. Qual era o grau de convicção do entrevistado? Você se satisfez com as respostas?

JF – Não posso fazer juízo de valor sobre as convicções dele. Apenas lembrei daquela edição da revista e citei. Acredito que assim cumpri a minha função de entrevistador de mostrar essa contradição. Acho que isso ficou claro para o leitor do AOL. Não me satisfiz com a primeira resposta e fiz a segunda pergunta, acredito que é assim que se faz.

LSP – A entrevista repercutiu-se no Congresso Nacional e em veículos importantes, como o Estadão e a própria Folha. Na Internet, ganhou manchete do Observatório da Imprensa. Mino Carta disse que o entrevistador talvez estivesse despreparado para a tarefa. Você ficou surpreso com o artigo na Carta Capital? Acha que deveria ter checado o governo em que Claudio Abramo foi afastado da direção do jornal?

JF – Acho que sim. Confiei no entrevistado. Mas acredito que isso é uma idiotice. Esse equívoco em nada, absolutamente nada, abala o valor da entrevista. O que vale é que, segundo me disse o Alberto Dines, é a primeira vez que o Seu Frias reconhece isso em público, ou seja, que afastou o Abramo por força da ditadura e contratou o Boris Casoy porque ele era ?dito conservador?. O furo jornalístico, no caso, foi muito superior a esta firula tão destacada pelo Mino. E me honra muito a Carta Capital ser obrigada a repercutir um furo meu. Aliás, já é o segundo furo meu que a revista é obrigada a abrir um destaque. O outro foi a venda do banco Itamarati, do Olacyr de Moraes, em 1997. A própria revista reconheceu no título que eu tinha uma informação importante que surpreendeu todo o mercado financeiro do País. É só o Mino procurar no arquivo que ele vai encontrar. Se eu fosse um ?despreparado?, como ele me qualificou, minhas matérias não poderiam receber tanto espaço de repercussão em tão conceituada revista.

LSP – Qual foi a reação do Otavio Frias Filho à entrevista do pai? A reportagem da Folha sobre a repercussão no Senado pode ser algum sinal, quanto à aprovação do diretor de redação?

JF – Nunca falei com o Otavio Frias Filho. Acredito que a repercussão pela Folha é absolutamente normal. Afinal, é o dono do jornal repercutindo no Congresso. A Folha citou a entrevista em várias matérias e a prova que está certa é que a entrevista repercutiu também na seção de cartas e no ombudsman. Não quero cobrar porque vai parecer que eu quero repercutir minha entrevista em todos os veículos. Mas, quanto ao tema do empréstimo do BNDES, estranhei o silêncio de alguns veículos, que encontraram outras formas de entrar no tema sem citar o que o Seu Frias tinha falado. Isso fere o bom jornalismo.

LSP – Quem você gostaria de entrevistar mas sabe ser ?impossível?? Vai entrevistar quem agora?

JF – Bom, é claro que essa é a cobrança. Os colegas todos me perguntam e me cobram: ?Agora você tem que entrevistar esse ou aquele?. Tenho a minha lista. Mas nesse ramo o silêncio faz parte do negócio. Se falar, estou perdido porque todos correm na frente. Mas a entrevista com o Seu Frias me ajudou muito e abre portas, sem dúvida. Aquele entrevistado difícil vai saber que uma pessoa tão importante quanto o Seu Frias se submeteu às minhas perguntas, isso traz confiança.”