DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA
“Outra Mídia É Possível”, copyright Agência Carta Maior (www.agenciacartamaior.com.br), 21/10/02
“Em 18 de outubro de 2001, ativistas canadenses promoveram uma série de atividades para chamar a atenção, protestar e buscar alternativas ao sistema de mídia baseado na concentração e na comercialização que domina sociedades pelo mundo. Fundava-se, ali, o Dia pela Democracia da Mídia (MDD – Media Democracy Day, na língua inglesa).
Um ano depois, o movimento foi alçado do gélido país da América do Norte para mais de 20 cidades em 15 diferentes países, inclusive o Brasil. ?A organização, ou melhor, a divulgação do Dia pela Democracia da Mídia se deu em menos de duas semanas aqui no Brasil. E mesmo em Porto Alegre – onde ganhou impulso com o apoio do CMI (Centro de Mídia Independente) e do Comitê Gaúcho pela Democratização da Comunicação -, o nosso trabalho teve como objetivo principal colocar o tema em pauta?, esclareceu, por e-mail, Fernanda Zanuzzi, coordenadora do Dia pela Democratização da Mídia no Brasil.
Segundo Fernanda, o MDD foi discutido na Semana da Juventude, organizada pela Prefeitura da capital gaúcha, em programas de rádio, no FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação) e ainda chamou a atenção de movimentos como a RBC (Rede Brasileira de Comunicação) e o projeto Metáfora.
Para o professor de jornalismo e diretor da Faculdade de Comunicação da UnB (Universidade de Brasília), Murilo César Ramos, o Dia pela Democracia na Mídia é uma ?iniciativa de cunho internacional com muitos méritos?, pois ?a falta de porosidade para a participação de mais atores da sociedade, principalmente na chamada grande mídia, é uma realidade?.
?Acho muito difícil, no entanto, que esse movimento alcance força semelhante ao feminista. Por um simples motivo: a grande imprensa sempre ignorará o tema, isolando-o da massa popular. Aí está o grande nó da questão. Quando é que vamos assistir a um Globo Repórter sobre a democratização da mídia aqui no Brasil? Provavelmente, nunca?, acrescentou Ramos. ?É por causa dessa barreira que surgiram e continuam surgindo veículos como a própria Agência Carta Maior. Mas o espaço que se tem para divulgar essa discussão é muito pequeno?.
O professor da UnB crê que a mídia não repercute a mídia. E para completar o seu raciocínio, ele deu um exemplo pessoal. ?Tenho 55 anos e até hoje o meu pai não sabe o que eu faço. Se eu trabalhasse com políticas públicas de saúde, por exemplo, em vez de políticas públicas para a comunicação, certamente ele saberia. Ele só sabe que eu falo mal da (Rede) Globo (de Televisão) e que isso é perigoso?.
A coordenadora do MDD no Brasil considera que o próprio movimento pela democratização da mídia no Brasil ainda precisa se democratizar. ?Deu para perceber que o assunto é provocativo para o público em geral: nesta quinta (17), durante debate na FM Cultura (do Rio Grande do Sul), isso ficou claro nas manifestações de ouvintes. As pessoas querem discutir o que ouvem, o que vêem na televisão, o que lêem no jornal?, relatou.
?É preciso disseminar com mais empenho a existência desse dia especial. A elaboração de uma agenda para a ?comemoração? do Dia pela Democratização da Mídia em 2003 é essencial. Espero que a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) e o FNDC se mobilizem com mais empenho nessa causa?, recomenda Ramos. E Fernanda adverte: ?Outros passos, como a universalização do acesso, a educação para o uso e para a produção de conteúdo, além da discussão de leis como a da TV digital, precisam ser dados simultaneamente para garantir que o Dia pela Democratização da Mídia faça parte de um processo realmente democrático?. (Para mais informações sobre o Dia pela Democratização da Mídia, acesse o site www.mediademocracyday.org.)”
CARICATURA / LOREDANO
“A grande arte de Loredano”, copyright No Mínimo (www.nomimo.com.br), 23/10/02
“Há exuberantes sinais particulares que pedem o exagero da caricatura. O matagal dos bigodes do filósofo alemão Nietzsche, a meia lua da angulação do esquálido rosto de Carlos Drmmond de Andrade, a opulenta barba do poeta americano Walt Whitman. Nada fica óbvio no traço de Cássio Loredano, 54 anos, o mais importante artista entre os caricaturistas brasileiros. O Drummond de Loredano carrega no pescoço um ponto de interrogação, peso da angustiante quietude de Claro Enigma. O epicentro do rosto felpudo de Whitman é o brilho do olhar.
Nas 250 páginas do recém-lançado ?Alfabeto Literário? (Editora Capivara; R$ 59,00) há 300 desenhos de 250 escritores e pensadores feitos por Loredano nos últimos 20 anos. Quase todos encomendados por jornais, como o espanhol El Pais, para o qual colabora há 16 anos, ou o Frankfurter Allgemeine, da Alemanha. Mas há alguns originais que ele chama de ?encomendas do livro?. ?Fiz ao todo uns cinco desenhos de Murilo Mendes. Todos muito ruins?, admite. Ficou enfurnado dois dias para fazer um rosto múltiplo do poeta mineiro. Sérgio Buarque de Holanda, Bernard Shaw, Dante, Spinoza, Molière, Lima Barreto também são revanches de desenhos que não gostou, portanto inéditos. O desafio do escritor americano Paul Auster era dos mais difíceis. ?É um homem bonito?, reconhece.
Sem próteses marcantes – cachimbos, óculos de aros grossos – ou traços acabrunhantes – carecas luzidias, dentes enormes – a caricatura perde a faculdade do exagero. Precisa então da sutileza, malícia, dons quase mediúnicos de interpretação da personalidade. Tudo isso sobra em Loredano. No bigodinho que parece um zipper e sublinha o rosto de George Orwell. No leopardo que contrapõe ferocidade às serenas feições de Nadine Gordimer, escritora sul-africana. No copo d?água e o comprimido de aspirina, eterna companhia das enxaquecas de João Cabral de Mello Neto.
Discípulo do argentino Luís Trimano, ele começou como repórter. Já desenhava e era admirado por craques como Elifas Andreato que o indicou para ser a marca visual do semanário Opinião criado em 1972. Ali começou a carreira que faz 30 anos em novembro deste ano. Loredano perambulou pela Europa. Cinco anos e meio na Alemanha, um ano na Itália, um ano e pouco na Suíça, seis anos e meio em Barcelona, Espanha. Sem que percebesse, na Itália traços clássicos se intrometem nos desenhos. Isso somado a uma quase fanática devoção dão a seu Machado de Assis ares de um príncipe das letras, bem distante do João Guimarães Rosa em lombo de burro que explora veredas.
As composições dos desenhos fogem do lugar comum que às vezes infesta cartuns. Mary Shelley, de agulha e linha, costura seu Frankstein. O foulard que veste o ar blasé de Marcel Proust é colagem, foi recortado de um anúncio de sofá. O chão que Franz Kafka pisa é paralelepípedo de verdade. Não de Praga, mas como se fosse. No ombro de Padre Antônio Vieira está um papagaio verde cítrico, com uma aura dourada – versão tropical do Espírito Santo.
Só de folhear o livro Loredano pilha omissões. ?Putz, não tem o Schiller, que horror?. Mas há muitas compensações. O uruguaio Horacio Quiroga, por exemplo. Sua pequena novela ?Anaconda?, uma estranha e fascinante conversa entre serpentes, está no ranking Loredano de literatura como pequena obra exemplar. Ou o alemão Max Frisch. Ou os versos do nordestino Ascenso Ferreira.
Na sua arte, Loredano acha que gigante mesmo foi J.Carlos – ?o primeiro desenho dele foi publicado há exatos 100 anos?. Devotou-se a recuperação da obra prolífica de J. Carlos, já tendo publicado quatro livros com 1.100 desenhos, além de ter organizado uma exposição. Os tempos são outros. Loredano já fez escola. Lula e Cavalcante foram os primeiros discípulos. Léo Martins (caricaturista e ilustrador de nominimo.com.br) e Alvim são os mais recentes.
Cássio Loredano é um consumado mestre da caricatura elevando-a ao estágio de obra de arte. Demorou muito até que se perenizasse em livro seu extraordinário traço. Depois dos escritores, podem vir os músicos. Vale a pena esperar.”