GOVERNO LULA
“Ética, imprensa e governo”, copyright Correio Braziliense, 18/12/03
“Entre as medidas anunciadas pelo governo para combater a corrupção, o crime organizado e a evasão de divisas, está a criação de um código de ética ?para orientar a relação dos agentes públicos com a imprensa?. Partindo do universal para o particular, é bom relembrar que a ética não se impõe, o que se impõem são condutas específicas no desempenho de um ou outro ato social, como é o caso da função pública.
Se uma pessoa qualquer necessita de um código para deixar de roubar ou guardar sigilo em defesa do interesse geral da sociedade, ela não deveria estar exercendo seu cargo. Um policial ao revelar detalhes de uma investigação em curso que possam dificultar a elucidação dos fatos, viola a ética, ao favorecer o crime e expor a sociedade ao perigo, e deve ser punido. Quando o mesmo policial, ao perceber que seus superiores tentam desviar as investigações, para impedir o conhecimento da verdade, leva essa informação à imprensa, estará servindo à ética – e deve ser promovido.
Quando a autoridade monetária, com a autorização do poder político, mantém em sigilo uma operação cambial, a fim de proteger a moeda, sua atitude é ética. Quando avisa seus amigos, para que enriqueçam com a medida, sua ação é de canalha. Quando o presidente do Banco Central patrocina transferências clandestinas de dinheiro, como parece ter ocorrido no caso do sr. Gustavo Franco e do esquema de Foz de Iguaçu, trata-se de um crime de traição nacional.
O debate sobre a liberdade de imprensa e seus limites existe desde a Acta Diurna, o primeiro jornal dos romanos, manuscrito sobre tabuletas de cera. O limite ético, essencial, da imprensa, é o que separa a mentira da verdade possível. Da verdade possível, porque a verdade absoluta é sempre uma hipótese. Os jornais trabalham com parcelas da verdade, e essas parcelas, aferíveis, muitas vezes enganam quanto ao âmago dos fatos. Trata-se de uma contingência humana, a da relatividade de todas as coisas, até mesmo do mundo físico – e da linguagem com que, precariamente, procuramos comunicar-nos uns com os outros.
Um engano muito comum, com relação à liberdade de imprensa, está em quem pode exercê-la, e a serviço de quê. Quando, no Iluminismo, a questão da liberdade de imprensa foi discutida, estava claro que se tratava da liberdade de qualquer cidadão imprimir, ele mesmo, ou promover a impressão, pelos profissionais gráficos, de qualquer texto, de informação ou de opinião. Era a extensão natural da liberdade de pensar e de expor o pensamento, por todos os meios possíveis – entre eles, o então mais efetivo, que era o dos papéis impressos.
A primeira das liberdades de imprensa é a de servir à própria liberdade. É essa uma razão para que se combata a exigência de diploma para o exercício do jornalismo. O jornalismo, como instrumento da liberdade de imprensa, deve ser exercido até mesmo pelos que não consigam escrever bem, mas necessitem ou queiram comunicar-se, e o acesso ao rádio e à televisão deveria estender-se aos analfabetos. Como a vida demonstra, a consciência ética nem a sabedoria vêm com as letras; uma e outra são inerentes a cada um de nós, ou assimiladas na sofrida dialética do cotidiano.
A liberdade de expressar-se, como todas as liberdades, esbarra no limite óbvio: a liberdade de um não pode, em nenhuma hipótese, causar dano à liberdade legítima do outro. Para que a liberdade encontre limites, há a sanção da lei. O Código Penal estabelece punição contra quem infame ou calunie, usando informações falsas ou incorretas. Os agentes do Estado podem sempre recorrer à lei, quando se julgarem atingidos.
Uma lei específica para a imprensa é uma excrescência. Seja o autor jornalista ou não, o ânimo criminoso, de faltar à verdade para causar dano moral ou material aos outros, é sempre o mesmo. O cidadão não pode ter a sua pena agravada, quando comete o crime como jornalista profissional, nem deve tê-la atenuada, pela mesma circunstância.
A verdade – ou a verdade possível, como podemos adjetivá-la – é um direito de todos nós, conforme o belo e curto texto de Montesquieu sobre o assunto. E a verdade sobre as coisas do governo, ainda mais. A fidelidade dos cidadãos se expressa, em primeiro lugar, pela vida, liberdade e autonomia de seu povo, e na guarda de seus valores morais e de seu patrimônio material, que se identificam como res publica. O Estado é uma forma de estabelecer a ordem e defender a nação. Quando não serve a esse propósito, deve ser substituído por outro. E os governos são meros administradores do Estado, em nome do povo, isto é, da Nação.
Nós devemos, em passado recente, à patriótica inconfidência de alguns modestos servidores públicos, entre eles o motorista Eriberto França, a revelação corajosa de crimes contra o Estado Democrático e contra a Nação. Se Eriberto estivesse submetido a um código de ética que o impedisse de dizer o que sabia aos jornalistas, provavelmente o prejuízo do povo brasileiro teria sido muito maior e muito mais graves as conseqüências do episódio. Collor, já denunciado pelo irmão, não teria saído do governo mediante o impeachment, mas enxotado, mais tarde, por uma rebelião, com a interrupção do penoso processo de reconstrução democrática.
A opacidade é o recurso dos déspotas. A História demonstra que a sociedade só avança rumo à democracia quando os atos, bons e maus do governo, são amplamente conhecidos. Dessa luta pela informação sobre os atos do governo se beneficiou o PT, desde o seu início. O partido sabe que só com transparência poderá desempenhar bem o seu papel histórico.”
“Sem briga com a imprensa“, copyright Correio Braziliense, 19/12/03
“Depois de 11 meses e meio de uma relação de conflito com a imprensa por causa do modelo de comunicação que o governo adotou, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recomendou aos ministros que tenham um bom relacionamento com os meios de comunicação. Isso, segundo ele, mesmo que estejam ?magoados? pelo fato de as notícias não falarem bem deles.
?Imprensa, na verdade, é como coração de mãe: por mais que a gente brigue com ela, a gente sabe que precisa dela?, deduziu, fazendo, em seguida, uma recomendação aos ministros. Nesse momento, a câmera da Radiobrás, que transmitia a cerimônia de prestação de contas do primeiro ano de governo, focalizou o rosto do secretário de Imprensa da Presidência, Ricardo Kotscho.
Na viagem da última segunda-feira ao Uruguai, Kotscho repetiu com uma jornalista da Rede Record o que tem se transformado em rotina. Ao perceber que ela perguntava a Lula algo em relação à morte do ex-prefeito de Santo André, no Grande ABC (SP), Celso Daniel, Kotscho pulou várias cadeiras para forçar o braço da repórter e impedir que ela continuasse a fazer as perguntas.
Comentário
Na viagem do início do mês ao Oriente Médio, Kotscho referiu-se a uma repórter por duas vezes com o qualificativo de ?canalha? para, em seguida, mandar ela calar a boca. Tudo porque a repórter fizera um comentário com o presidente sobre a beleza de uma mesquita, dentro do templo.
?Em vez de brigar, quero dizer aos meus companheiros ministros: é bom estabelecer uma política de boa convivência com a imprensa, que todo mundo ganhará muito mais.? Em seguida, Lula disse: ?Eu aprendi uma coisa: notícia é aquilo que nós não queremos que seja publicado, o resto é publicidade.?”
“Lessa reclama de notícias sobre sua demissão”, copyright Folha de S. Paulo, 18/12/03
“O presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Carlos Lessa, disse ontem, em entrevista coletiva para apresentar o balanço de um ano de sua gestão, que as notícias publicadas em jornais e revistas sobre sua possível demissão prejudicaram sua gestão.
Acompanhado de toda a diretoria do banco, Lessa afirmou: ?Fiz uma estatística. Vocês [os jornalistas] me demitiram dez vezes?.
Ele chamou o noticiário sobre sua saída de ?plantação [de notícias]? e disse que a única consequência disso foi tirar o peso da sua palavra.
?Se você coloca um executivo público sob suspeita de demissão a cada 24 horas, você faz com que a palavra dele tenha menos peso e que sua equipe fique menos confortável?, declarou.
Lessa voltou a enfatizar que preside o BNDES a convite do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. ?Sou presidente do BNDES por convite direto do presidente da República e não por nenhuma articulação político-partidária nem pela apresentação do meu nome por movimentos sociais.?
Há menos de um mês, diversos jornais (a Folha inclusive) publicaram matérias mostrando que a cúpula do governo estava insatisfeita com o desempenho de Lessa à frente do banco e que sua substituição era questão de tempo -poderia ocorrer na reforma ministerial.
No balanço de ontem, Lessa declarou que a principal conquista da direção foi ?recuperar um banco de desenvolvimento onde havia um banco de investimento?.
Lessa disse que o banco lidou neste ano com ?esqueletos e fantasmas? e chamou a dívida da AES com o banco de ?um fantasmão?.
Segundo ele, outro fantasma, ?da mesma família? do da AES ainda está por ser enfrentado, que é a dívida de aproximadamente US$ 650 milhões da SEB (Southern Electric Brasil), acionista da Cemig, com o banco. A AES é uma das controladoras da SEB.
Apesar de o problema da AES ser maior, Lessa disse que o caso da Chapecó, que deve cerca de R$ 550 milhões ao BNDES, preocupa mais por ter criado um problema social em uma área (oeste da região Sul) onde não havia esse problema.
Ele também defendeu o investimento de R$ 1,5 bilhão feito pelo BNDES na compra de ações da Valepar (controladora da Vale do Rio Doce). Disse que Lula ficou satisfeito com as explicações dadas sobre o negócio. Afirmou ainda que, do orçamento de R$ 47,3 bilhões previsto para 2004, o BNDES destinará R$ 20,7 bilhões à indústria, R$ 15,49 bilhões à infra-estrutura e R$ 5,66 bilhões à agropecuária.”
“Lessa: ?Dez vezes fui demitido por vocês?”, copyright O Estado de S. Paulo, 20/12/03
“Toda a diretoria do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foi reunida ontem para apresentar o balanço do ano de 2003. Os números já eram conhecidos: o banco terá, na previsão mais otimista, queda de 10% no total de liberações de recursos em relação a 2002 e contará, para 2004, com orçamento de R$ 47,3 bilhões, 39% a mais do que este ano. Mas a divulgação do balanço acabou virando um grande desabafo do presidente Carlos Lessa.
?Dez vezes fui demitido por vocês?, declarou aos jornalistas. Apesar do tom ressentido, o economista falou com tranqüilidade. ?Cheguei a ficar levemente incomodado com o manancial de boatos, cizânia, maledicências. Até criei um índice para medir os boatos?, comentou.
Reclamando que teve de passar boa parte do ano ?dançando com fantasmas herdados?, como os casos de inadimplência do frigorífico Chapecó (?o maior pesadelo?) e da holding de energia AES, ele classificou como a maior realização em 2003 ?recuperar um banco de desenvolvimento onde havia um banco de investimento?.
Lessa deu mostras de que vai manter a política nacionalista no banco, ao defender a reestruturação da siderurgia, mas com manutenção de controle nacional. Ele também comemorou, mais uma vez, a decisão da diretoria do banco de recomprar parte do controle da Companhia Vale do Rio Doce.
Ao lembrar que o convite para presidir o banco partiu diretamente de Lula, Lessa confidenciou que o presidente lhe deu carta branca para a escolha da diretoria e pediu a indicação de um só nome: o economista Paul Singer, que acabou indo para a área de economia solidária do Ministério do Trabalho.
?Aqui não existe o presidente Carlos Lessa, mas uma diretoria coesa, que foi um fator decisivo para enfrentar o ano de 2003. Quem quiser semear cizânia entre eu e meus colegas vai plantar em solo árido?, disse Lessa. Segundo ele, caso se confirmasse seu afastamento da equipe do governo, ?ficaria seis meses sem falar com nenhum de vocês?, para não dar margens a especulações.
Acordo – O acordo entre o BNDES e a AES para o equacionamento da dívida de US$ 1,2 bilhão da companhia depende da aprovação de credores americanos e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). ?As aprovações estão sendo obtidas?, declarou ontem o diretor financeiro do BNDES Roberto Timótheo da Costa, principal negociador do banco no acordo. Até segunda-feira, o banco e a AES esperam selar o compromisso que prevê a criação da Novacom, empresa que abrigará os principais ativos da AES no Brasil e terá ações divididas entre os dois agentes.”