AFEGANISTÃO
As notícias mais recentes sobre a liberdade de expressão no Afeganistão são contraditórias, ora pouco animadoras, apesar dos ventos promissores que sopram desde a queda do regime talibã, ora estimulantes, como a própria reconstrução do país. De um lado, canções interpretadas por mulheres estão proibidas na rádio estatal e a TV Cabul censura filmes indianos porque são muito "explícitos", segundo telegrama da Reuters de 3/9. Por outro lado, na porta do grande Park Cinema, no centro de Cabnl, multidões se comprimem em busca de ingressos para os clássicos de Bollywood ? apelido da indústria indiana de cinema ?, enquanto os cineastas locais empunham suas câmeras para ressuscitar o cinema afegão.
À semelhança do Irã, cresce no governo o conflito de idéias entre moderados e extremistas islâmicos. Em outra matéria do dia 3, assinada por Sayed Salahuddin, a Reuters conta que o presidente afegão, o moderado Hamid Karzai, recomendou que políticos e militares não interfiram no trabalho da imprensa. O apelo se deu em seminário organizado pela Unesco em Cabul ? o primeiro no país ? para promover a "imprensa livre e neutra". "Como o governo, os diários, as rádios e a TV estatal devem servir a todo o povo afegão", pedia a mensagem de Karzai lida no encontro.
"A mídia não deve, de jeito algum, ser mal-usada por grupos politicos e militares (?), e deveria contribuir para o espírito de fraternidade, o patriotismo, a unidade nacional e a democracia." Há décadas a imprensa está sob controle estatal ? especialmente na fase talibã ?, e o atual governo atual gostaria de vê-la independente, apesar das pressões conservadoras. O ministro da Informação, Sayed Raheen Makhdoom, seria moderado, mas cede aos extremistas pela unidade do governo. O gabinete de Karzai, no qual predomina a Aliança do Norte, levada ao poder após os bombardeios americanos que derrubaram os talibãs, tem vários integrantes educados no Ocidente.
O rádio vem reagindo. Uma novidade para os 23 milhões de afegãos que têm aparelho é o programa de uma hora Bom Dia, Afeganistão, conta John F. Burns, de Cabul, em matéria de 4/9 no New York Times. O programa é financiado pela União Européia, que doa US$ 10 mil por mês ? os 25 afegãos da equipe recebem em média salário de US$ 300 mensais. A emissora estatal, Rádio Afeganistão, empresta o espaço. Pesquisa recente concluiu que 80% dos habitantes de Cabul, que são 2 milhões, ouvem o programa. Aliás, a mídia como um todo é um sucesso no Afeganistão: mais de 100 novas publicações foram registradas desde a queda dos talibãs [ver remissão abaixo para artigo sobre o assunto].
A rádio, antes mera porta-voz dos sucessivos governos afegãos ? a monarquia derrubada nos anos 70, o regime comunista dos anos 80, a guerrilha dos mujahedins e o Talibã ?, agora transmite, pelo Boa Dia, Afeganistão, críticas ao fracasso de Karzai na solução dos problemas: escolas sem mesas e livros, crateras nas ruas, corrupção na polícia.
Sob o regime talibã, que durou cinco anos ? lembra o repórter do NYT ?, o único programa de rádio era Voz de Shariat, palavra afegã para o Corão. As notícias de então: 25 homens presos por aparar a barba, 10 mulheres punidas por entrarem em locais impróprios, cinco lojas fechadas por venda de postais "libidinosos" de atrizes indianas. Ainda há problemas. Barry Salaam, 23 anos, editor do Bom Dia, diz que a equipe precisa ser cautelosa, para não quebrar os tabus culturais e religiosos dos mais velhos. "A era talibã ajudou os afegãos a entenderem a importância da liberdade." Há duas semanas, a equipe estreou Boa Tarde, Afeganistão. Uma das inovações é Voz do Povo, segmento de três minutos em que a população fala. E discute até a proibição dos filmes indianos na TV e a expulsão das cantoras do rádio. Uma revolução.
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