Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Mídia conivente ou surpreendida?

VENEZUELA, GOLPE E CONTRAGOLPE

Alberto Dines

O debate já corre na internet e as teorias conspiratórias andam soltas. Ao anunciar na sexta-feira (12/4) que Hugo Chávez tinha sido derrubado ou renunciado, a mídia brasileira teria participado do complô para criar um fato consumado ou simplesmente foi surpreendida pela reviravolta?

O debate é oportuno porque o higiênico ceticismo que deve envolver a análise sobre o desempenho da mídia está sendo impregnado de um pesado componente ideológico que, de certa forma, coloca o próprio ceticismo sob suspeita.

O fato de que as edições de sábado e revistas do final de semana tenham ficado superadas pelos telejornais de sábado e jornais de domingo não é prova de coisa alguma ? a não ser de que o jornalismo reflete as realidades do momento e as realidades mudam a cada momento. Pretender que o jornalista seja capaz de antecipar desdobramentos de um fato aparentemente concluído equivale a abrir as comportas da elocubração e da fantasia.

Ao longo da sexta-feira todos os jornais e sítios noticiosos do mundo davam como certa a deposição (ou renúncia) de Chávez. Os próprios protestos da imprensa cubana apresentavam os fatos de forma conclusiva. Não havia evidência ou suspeita de que a quartelada não se consumara inteiramente.

A prova disso foi a reprimenda do ombudsman da Folha de S.Paulo ao próprio jornal (sobre o comportamento das edições da sexta-feira, em texto escrito neste dia para ser publicado no domingo, 14/4), quando reclamou que a Folha foi o único diário da grande imprensa brasileira a não acreditar no movimento contra Chávez e ter publicado uma manchete cautelosa sobre os acontecimentos durante a madrugada em Caracas (para ver o texto).

Não importa se o ombudsman tinha razão ou não. Na realidade, tinha razão à altura em que escreveu a reclamação e deixou de ter quando foi publicada.

A mutabilidade e a velocidade dos acontecimentos fazem parte do jogo jornalístico. Esta não foi a primeira nem será a última vez em que textos e edições inteiras de jornais, revistas, rádios e televisões ficam desatualizadas e superadas. As edições seguintes estão aí para contar os lances seguintes. A História não estaciona nem existem histórias acabadas, assim como na vida não existem episódios terminantes. Tudo continua ? graças a isso existem os jornais e o jornalismo.

A discussão mais importante não é essa. O episódio trouxe à baila a velha questão dos jornais brasileiros enclausurados nas redações incapazes de cobrir com o olhar brasileiro os acontecimentos que afetam a nossa vida. Esse é o problema que precisa ser encarado.

Hugo Chávez sempre teve problemas com a mídia local. Pode ser que a mídia local não seja suficientemente pluralista, fato que não chega a surpreender considerando a ligação das oligarquias políticas com grupos de mídia em nosso continente sob o alto patrocínio de entidades como a SIP (sigla em espanhol para Sociedade Interamericana de Imprensa). A mídia brasileira, compreendidos os críticos, deve acompanhar a situação sem embarcar no frenesi da guerra ideológica dos anos 60. Esta foi terminada. A de agora é outra e, sobre ela, as lideranças sindicais venezuelanas têm muito a dizer.