DIREITO À PRIVACIDADE
Joel Conrado (*)
A questão do direito (e obrigação) da imprensa de informar, do direito da sociedade de ser informada e a presunção de inocência, bem como o direito de imagem e à privacidade de cada cidadão, constituem emaranhado jurídico em quase todos os países.
Aqui na França, uma nova legislação sobre a presunção de inocência, aprovada no ano passado, tem criado problemas no cumprimento de sua missão para a imprensa e a televisão: é proibido o uso da imagem de uma pessoa presa e algemada sob custódia da polícia, já que, sem ter sido condenado em tribunal, o indivíduo goza da presunção de inocência. Certamente o legislador, ao criar essa premissa, visou preservar a imagem constrangedora de um cidadão algemado que eventualmente poderá ser libertado, mesmo sem ter sido indiciado, e meses ou anos mais tarde ser julgado inocente.
Mas a lei, por outro lado, permite que o assaltante ou o estuprador, mesmo preso em flagrante delito, desfrute dessa presunção de inocência: quando filmado ou fotografado pela imprensa com a colaboração de policiais, tem o rosto coberto com jornais ou paletós. Quantos escroques, assaltantes e mesmo estupradores deixam de ser reconhecidos por se aproveitarem, no sentido explicito da lei, dessa determinação jurídica?
Privacidade, produto comercializável
Mais grave ainda é o uso da imagem, sobre a qual o cidadão francês tem direito total e absoluto. Mesmo quando entrevistado na rua ou em qualquer lugar público. O simples fato de falar diante uma câmera de televisão e dar entrevista não garante à emissora o direito de usar o material sem autorização por escrito do entrevistado, como esclareceu debate recente na TV. Na campanha eleitoral francesa, o direito de resposta foi dado a um cidadão filmado em reunião de um partido de esquerda. Sua imagem, fazendo uma pergunta a um candidato, foi usada em reportagem, dando a impressão de ser ele um eleitor de esquerda ? o que não era verdade. Ele poderia ter pedido a condenação da emissora por danos morais, pelo uso indevido de sua imagem.
Com a tecnologia das câmeras de TV minúsculas, o rosto, por exemplo, de um corrupto é filmado fora de foco, e sua voz distorcida. Embora notórias as evidências materiais do delito, predomina a suposição de inocência, e as imagens na televisão são embaçadas. Mesmo assim, num caso em que uma repórter se passou por paciente e foi molestada sexualmente por um médico, a pequena câmara por ela utilizada, deixada sobre a cadeira, foi suficiente para obter a condenação do molestador.
Já comentei neste Observatório, a propósito da atividade dos paparazzi por ocasião da morte da princesa Diana: "Parece-me que o cerne do problema reside na determinação explícita da caracterização de limite físico da privacidade. Termina ela no portão de nossa casa? Estende-se ela ao interior de um night club ou outro local público? E no interior de um veículo numa via pública, existe privacidade? E o jardim ou piscina de uma residência, garante a privacidade quando se pode ser visto e fotografado de um prédio ou local adjacente? Se a ?vítima? se expõe, não estaria ela abrindo mão dessa privacidade? Onde começa ou termina a privacidade?”
Privacidade é algo que pode ser comercializado, como objetos roubados e drogas. Nestes casos, não houvesse um mercado consumidor o intrujão e o traficante não teriam a quem vender sua parafernália. Não seriam certos órgãos da imprensa os traficantes e nós, leitores, os consumidores?
É a dura realidade, que pode colocar não apenas a imprensa, mas também a sociedade no banco dos réus.
(*) Jornalista freelance na França