ELEIÇÕES 2000
Alberto Dines
O voto está informatizado, a urna é eletrônica, os resultados saem na mesma noite, mas o saldo do segundo turno municipal é o de sempre: parece produzido no tempo das diligências. Eis aqui quatro perguntas que ninguém consegue responder:
1. Uma CPI das Pesquisas pode curar a pesquisite?
Tal como vem sucedendo nos últimos anos, a cada eleição aparece a idéia de uma CPI das Pesquisas. Empulhação: os perdedores esperneiam, os ganhadores fingem que não é com eles e o assunto fica adiado para o próximo pleito. O problema não é das trapaças ou manipulações, embora estas possam acontecer. O problema está na utilização abusiva dos resultados pela mídia. E na dramatização exagerada dos resultados na titulação e na edição. O problema está na substituição do debate político pela exposição frenética de placares – levando o eleitor a esquecer partidos, propostas, problemas.
A pesquisótica ou pesquisite é isso: doença sazonal, recorrente, que ataca editores na temporada eleitoral e os deixa inteiramente alucinados por cifras.
Jornalistas deveriam saber que as margens de erro para mais ou para menos tornam irrelevantes pequenas quedas ou subidas. Sabem mas fingem não saber.
Jornalistas deveriam conhecer os regulamentos eleitorais no tocante à divulgação das prévias. No entanto, no domingo (29/10/00), dia das eleições, os quatro jornalões nacionais abriram manchetes com os prognósticos e apenas um (o Jornal do Brasil) deu vagas indicações metodológicas. Inúteis, aliás, porque tratava-se de aferição sobre o último debate na TV, na noite da sexta-feira anterior, sem caracterizar-se como consulta eleitoral. Nos demais, nenhum dado sobre a data das entrevistas e número de entrevistados, como exige a legislação. O Globo ainda fez uma gentileza e informou a margem de erro.
Uma CPI jamais discutirá o desempenho da imprensa na divulgação das pesquisas. Logo, o destino de uma CPI das Pesquisas é facilmente previsível.
2. Quem faz a pauta – jornalista ou o candidato?
As insinuações do candidato Paulo Maluf sobre vida pessoal da sua rival mostram como as redações deixam-se envolver pelas manobras dos candidatos, seus assessores e marqueteiros. A equipe de Maluf vazou para a imprensa a informação de que ele iria entrar na seara pessoal. Jornais e rádios registraram. Com base nisso e alegando que reproduzia notícias de "terceiros", o candidato do PPB distribuiu algumas fofocas e depois recuou, condenando as baixarias. Estava feita a perfídia com a inestimável ajuda de repórteres ingênuos e editores inexperientes. O tempo em que se publicava tudo o que chegava à redação já passou. Pena que esta notícia ainda não tenha sido divulgada.
3. A mídia impressa é mais responsável do que a eletrônica?
Teoricamente, jornais deveriam mostrar-se mais objetivos e eqüidistantes do que emissoras de rádio e TV. Têm mais tempo de elaboração, têm compromissos com a palavra escrita e a perenidade. Têm tradição de neutralidade. São (ou aparentam ser) mais "institucionais". Por isso foram poupados do rigor das últimas posturas do TSE.
Dois casos mostram que na prática a teoria é outra.
No Rio, O Dia aderiu abertamente em favor de uma das candidaturas. Não em discretos editoriais, como costuma acontecer com veículos respeitáveis, mas no noticiário – primeira página, títulos e manchetes. Não aderiu propriamente em favor de Luiz Paulo Conde (PFL), mas do seu apoiante, o governador Anthony Garotinho (PDT). Por conta de uma antiga associação radiofônica entre o seu proprietário (Ary de Carvalho) e o chefe do executivo fluminense.
Em Santos, o único diário, Tribuna de Santos, também rasgou a fantasia em favor de um candidato, Beto Mansur (PPB). Esqueceu que, na condição de monopolizador da informação impressa naquela cidade, tinha o duplo dever de assumir algo que lembrasse isenção. O seu desempenho foi tão gritante que na última edição televisiva do Observatório da Imprensa (terça, 31/10), tão logo anunciou-se o assunto do programa chegaram, por fax, duas pesadas acusações ao comportamento do jornal (veja abaixo).
Jornais, mesmo populares e populistas, regionais ou suburbanos, sempre pretenderam uma aura de respeitabilidade. Justifica-se?
4. A Justiça Eleitoral precisa ser tão casuista?
Compreende-se a preocupação de legisladores e magistrados com o desempenho da mídia eletrônica. Trata-se de concessão pública, portanto com compromissos e deveres públicos.
Mas legislador e magistrado não são jornalistas nem comunicadores, portanto não lhes cabe estipular procedimentos – apenas vigiar os resultados. A resolução 20.562 (de 2 de março de 2000), baixada pelo TSE, converteu-se, no seu Capítulo V, num manual de normas tal o casuísmo com que foi concebido e as minuciosas instruções neles contidas.
Em lugar das vinte e três absurdas ordenações bastaria reproduzir apenas o que consta do artigo 16, item IV:
É vedado às emissoras de rádio e televisão dar tratamento privilegiado a candidato, partido político ou coligação.
Os jornalistas e comunicadores que se virassem para fazer cumprir o disposto na lei. Mas legislador e magistrado não confiam no cidadão. Muito menos nos outros legisladores, magistrados e poderes constituídos. Daí porque é cada vez mais tênue o espírito da lei e cada vez mais emaranhada a sua letra.
Reclamação de leitores:
…Venho a vocês com a indignação dos leitores da Tribuna, de Santos, contra o qual tenho feito diversas reclamações. Neste último pleito, o jornal extrapolou, jogando no lixo a credibilidade de um órgão com mais de 100 anos na região. Tomou partido de um candidato, já prefeito, como se fosse um simples tablóide universitário.
Sendo a imprensa o Quarto Poder, a quem devemos reclamar? Até onde vai o direito de distorcer informação?
Observação: o dono do jornal é Secretário de Ação Social neste governo que ajudou a reeleger. E o Diário Oficial do município é rodado na gráfica do mesmo jornal.
Wilson Roque, Santos, S.Paulo
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Jovem trintão, arquiteto e músico, filho de comunas e comuna por conseguinte, pede para que você examine a atuação da imprensa santista nas últimas eleições… Detalhe: o único jornal diário pertence à mesma empresa que também é retransmissora da TV Globo.
Olavo Araujo Neto, Santos, SP
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A defesa do jornal:
Vi o Observatório ontem à noite e, embora não tenha procuração para falar em nome de A Tribuna, não gostaria, como santista, que o que foi dito ficasse sem explicação.
Em poucas palavras, a posição assumida pelo jornal local tem muita semelhança com o que sucedeu em 98 com o Estadão. Naquela ocasião, o jornal paulistano assumiu a candidatura de Mário Covas por entender, com razão, que Paulo Maluf representava uma ameaça ao extraordinário trabalho que o governador vinha realizando e que, entre tantas outras coisas boas, devolvera ao Estado o equilíbrio das contas públicas.
Não esqueça que tivemos aqui em Santos oito anos (89-96) de governo petista. Creia, foi um desastre. Festival de incompetência e discórdia. Para que não pairem dúvidas, os grandes críticos dos dois mandatos foram os próprios petistas. Governaram em função do partido, de costas para a cidade. Transformaram nossa prefeitura num cabide de emprego para a militância de todo o país… [seguem-se pesadas acusações pessoais à candidata petista Telma de Souza, não reproduzidas aqui] …Surpreende-me que, a despeito de todas as burradas que cometeu tenha recebido votação tão expressiva, já que perdeu por umas diferença de 11 mil votos, em um universo de 280 mil eleitores.
A Tribuna como o Estadão naquela ocasião nos fez um grande favor. Não foi uma ajuda ostensiva e excludente. Diria que até passaria despercebida do leitor menos atento e ingênuo, politicamente falando. Mas, sabe como é, nessas horas tais assuntos são sempre tratados com cega paixão.
Luís Antônio de Moura Freire, jornalista, Santos, S.Paulo
A.D.
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa. No domingo [29/10] as urnas mandaram o seu recado, ontem [segunda, 30/10] os comentaristas políticos estavam envolvidos na ginástica para saber o teor deste recado e hoje perguntamos a você, telespectador-eleitor: a cobertura eleitoral da mídia foi satisfatória? É óbvio que as respostas serão contraditórias: os ganhadores dirão que a cobertura foi justa e os perdedores dirão que a mídia torceu e distorceu.
Partidarismos à parte há um saldo de conclusões quase unânimes: a primeira refere-se à inapetência da mídia em provocar o debate sobre programas e propostas. Segunda conclusão: os candidatos acabaram comandando a cobertura eleitoral dos diferentes veículos, quando deveria ser o contrário. Desta maneira imperou o corpo a corpo com a inevitável baixaria. A quarta conclusão relaciona-se à ênfase dada às sondagens eleitorais: elas dominaram completamente a cobertura dos primeiros aos últimos lances, convertendo a disputa política numa espécie de placar esportivo. A conclusão final tem a ver com a legislação eleitoral que engessou completamente a cobertura das rádios e tevês, deixando a mídia impressa completamente livre. O que não está errado. Errado é não estender às rádios e tevês as mesmas prerrogativas dos jornais e revistas. Coincidentemente, as denúncias mais consistentes de falta de isenção e decoro dizem respeito a dois diários, um de Santos, outro do Rio de Janeiro.
Mas não esqueça, teremos eleições novamente dentro de dois anos. Esta é a hora de cobrar do seu partido e do seu representante a discussão sobre as novas posturas eleitorais e sobretudo sobre a tão falada e sempre adiada reforma política. Se não o fizermos agora, em outubro e novembro de 2002 estaremos novamente discutindo as mesmas coisas. A posteriori, como fato consumado.
(*) Editorial do Observatório de Imprensa na TV, programa nº 126, 31/10/00
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