COBERTURA ECONÔMICA
Luiz Gonzaga Motta (*)
As notícias publicadas nas páginas de economia dos jornais nos últimos dias confirmam: não há crise econômica conjuntural no Brasil, embora persistam os graves problemas estruturais de sempre. Nas semanas anteriores à eleição, os jornalistas brasileiros de economia anunciavam com ênfase em suas manchetes e matérias que o país passava por uma grave crise econômica, referindo-se à acentuada alta do dólar e à queda nos índices da bolsa de valores. Essas afirmações refletiam uma análise superficial dos jornalistas, que se baseavam em dados que não podem ser tomados como indicadores de crise. A queda no valor do real não tinha origem em números da economia, pois não havia nada de anormal no sistema produtivo do país. O dólar subiu muito porque intencionalmente os investidores especulativos retiraram dinheiro da bolsa e passaram a comprar dólares, causando uma alta artificial, e de caráter político, da moeda estrangeira.
Todos os economistas insistiam em que o real estava sob ataque e que seu valor estava baixo em relação a seu poder aquisitivo. Além disso, os números de nossa economia eram favoráveis, não indicavam crise alguma. Os jornalistas de economia preferiram fazer vistas grossas a essas análises e engrossar o coro dos especuladores ao utilizarem a palavra crise em suas manchetes e análises, fornecendo material para a imprensa estrangeira anunciar aos quatro cantos do mundo que o Brasil estava mesmo em crise. A palavra crise é um termo jornalístico atraente para quem quer fazer jornalismo sensacionalista, causa comoção imediata, vende jornal, atrai a atenção para quem a utiliza. Mas é uma palavra forte demais para descrever as dificuldades da economia brasileira.
Comodismo e superficialidade
Os dados revelados semana passada mostram a realidade dos fatos. Segundo os jornais, o PIB brasileiro cresceu 2,38% no último trimestre, percentual superior ao esperado. A agricultura cresceu 7%, a indústria, surpreendentemente, cresceu 3%, e o setor de serviços, quase 2%. Os números são especialmente favoráveis se consideramos a grave crise econômica externa, o fechamento dos mercados, o acirramento da competição no comércio internacional, a retração na Europa e nos Estados Unidos, a ameaça de guerra que provoca refluxos econômicos etc. O termo crise sumiu das manchetes e páginas de economia, como se ela tivesse desaparecido por passe de mágica, de uma hora para outra.
Os jornalistas de economia ficaram nos devendo uma explicação. Gostaria de saber por que havia crise econômica há dois meses, e hoje não há mais.
Há mais, porém, sobre o assunto. Na semana retrasada, os jornais revelaram também o crescimento trimestral do PIB da Espanha. Neste país, de forma persistente e continuada, o PIB vem decrescendo. As taxas do PIB espanhol ficaram na faixa dos 4% de crescimento durante o ano de 2000, caíram para a faixa dos 3% em 2001, e nos dois primeiros trimestres de 2002 caíram para a faixa dos 2%. Pelos números, o crescimento do PIB espanhol baixou para menos de 2% no último trimestre, ficando em apenas 1,8%, refletindo a retração geral do comércio na Europa e no mundo. No entanto, nenhum jornal da Espanha ou do Brasil falou em crise econômica na Espanha. Por que não? Se todos concordamos que o PIB é um indicador melhor do que eventuais quedas da bolsa para indicar crise conjuntural da economia, a expressão deveria ter sido utilizada pelos jornalistas ao referir-se aos números da Espanha. No entanto, nenhum jornalista identificou crise neste país, embora anteriormente tenham insistido tanto na crise brasileira.
Parece picuinha, mas não é. A economia é um assunto sério demais para ser tratado superficialmente pelos jornalistas. Aqueles que cobrem a área têm a obrigação de usar termos corretos e utilizar indicadores precisos para justificar cada afirmação feita em suas matérias. As páginas de economia podem mudar o clima de pessimismo para otimismo (ou vice-versa) de uma hora para outra numa nação, dependendo da cobertura ou de como utilizam certas palavras. No Brasil, o crescimento do PIB no último semestre está sendo corretamente tratado como recuperação, não como crescimento, para evitar ufanismos descabidos. Além disso, há indicadores, como o crescimento da inflação nas últimas semanas, que apontam para dificuldades à frente. Sem falar nos nossos crônicos problemas estruturais.
Mas, falar em crise num país que cresce numa conjuntura desfavorável apenas porque a bolsa sofreu um ataque especulativo, é sensacionalismo ou comodismo, é preferir a análise superficial à explicação correta. É omitir informação e enganar os leitores. Ataque especulativo tem outro nome: não é crise, é chantagem.
(*) Jornalista e professor da UnB, atualmente cursando pós-doutorado em Barcelona, Espanha