SALA DE AULA
Patrícia Oliveira (*)
O jornalismo esportivo no Brasil é quase uma incógnita: será que ele existe de verdade? Muitos afirmam que não, deixou de existir há muito, com a morte dos maiores cronistas esportivos (leia-se de futebol) do país. Aliás, a crônica esportiva no Brasil, desde o início do século 20, com a "febre da bola", sempre priorizou o futebol, em detrimento dos outros esportes. As primeiras publicações esportivas nacionais, como a Sports illustrado, já davam conta do novo esporte da aristocracia brasileira que, mais tarde, seria aclamado como o esporte do povo.
Nos jornais, seções destinadas ao esporte foram surgindo. Grandes escritores brasileiros dedicaram-se ao jornalismo esportivo diário, como Nelson Rodrigues. Dos jornais e revistas, o esporte ganhou o rádio, grande veículo de comunicação que possibilitou a difusão ainda maior do futebol entre as massas. Ainda hoje é comum ver nos estádios torcedores apaixonados com seus radinhos a pilha no ouvido, para não perder um lance sequer da partida que presenciam.
Várias foram as Copas do Mundo de futebol cobertas pelo rádio. A primeira Taça Jules Rimet do Brasil foi transmitida pelo rádio para um país que, desde então, parava ao primeiro chute na bola. Ainda hoje o rádio desempenha papel importante no jornalismo esportivo, já que possibilita que um número muito maior de pessoas o escute, ao contrário da televisão, que necessita ser vista. Vários nomes do jornalismo esportivo brasileiro saíram do rádio, e muitos migraram para a televisão, ainda que sem abandonar as origens radiofônicas. A maioria não levou consigo o que havia de bom no jornalismo esportivo de rádio. Criou-se o "circo eletrônico", como chama os programas esportivos de televisão o jornalista Marcelo Mastrobuono.
Em artigo publicado no Observatório da Imprensa, às vésperas da Copa do Mundo de futebol de 2002, Mastrobuono afirma que os "migrantes" que foram para a televisão são despreparados e compensam essa falta "com uma boa dosagem de teatralização nas performances dos personagens", ou seja, desenvolveu-se um espetáculo noticioso para animar as tediosas noites de domingo de espectadores sempre ansiosos por mais notícias (ou fofocas, muitas vezes) do seu time, seguidas de comentários que beiram a imbecilidade. Tudo, claro, devidamente patrocinado por empresas que atingem o grande público, ainda que seja para vender azulejos às 10 da noite no domingo.
Já são poucos os programas dedicados ao esporte na televisão brasileira, e a maioria ainda abre espaço apenas para o futebol. Os outros esportes têm que "fazer por merecer" uma simples reportagem de um minuto e meio, quando muito. Apenas um título mundial ou olímpico podem desembocar em matéria mais elaborada, se não renderem apenas uma notinha da apresentadora, a seco, sem nem imagem.
É triste ver que a crônica esportiva no Brasil praticamente desapareceu. O espetáculo tomou conta e a ética foi ficando pequena, diminuída, sumida entre tantos anunciantes diferentes. Apenas alguns programas conseguem cumprir com competência aquilo a que se propõem: discutir o esporte (ou o futebol) brasileiro.
Do pequeno ao todo-poderoso
Um bom exemplo disso é o programa Cartão verde, da TV Cultura, no ar há 10 anos. Ainda hoje o programa, comandado por Flávio Prado, discute eticamente todos os meandros do futebol. E é, assumidamente, voltado ao futebol, embora abra espaço para eventuais conquistas de outros esportes.
Nesse mar de desinformação esportiva, sobra espaço, então, para que canais pagos tomem conta do "nicho" esportivo.E é o que ocorre. ESPN Brasil e Sportv cobrem, para os que podem pagar, tudo aquilo que a televisão aberta e, por que não?, os jornais e revistas impressos deixam de lado. Assim, há informações, ao longo de uma hora, de esportes radicais, de futebol, de vôlei… É claro que são canais especializados, voltados para um público específico, enquanto canais abertos cumprem programação mais eclética.
Mas a TV Bandeirantes, por exemplo, já se autodenominou "o canal do esporte", embora não se dedicasse a este 24 horas do dia. Muito pelo contrário, na verdade. Esporte era só o que estava em evidência, ou seja, futebol, vôlei, um pouco de basquete.
O que dizer, então, da cobertura esportiva regional? Quase nada, diriam os mais pessimistas. Na verdade, a tarefa é mais simples, pois se restringe ao âmbito da cidade. O problema está na formação dos profissionais que cobrem eventos, já que não são especializados e, muitas vezes, sequer conhecem as regras básicas do esporte que estão cobrindo. "O repórter que faz esse tipo de cobertura não precisa entender as regras de cada esporte", afirma o jornalista Arnaldo Ferraz. "Mas é preciso que se tenha um conhecimento geral do esporte e, principalmente, das regras. O repórter precisa inteirar-se do assunto." Mas fica difícil mesmo saber de tudo o que ocorre, em termos esportivos, na região, já que o repórter cobre desde a final do futebol ou do basquete até o esporte exótico praticado por um grupo isolado. "O repórter que faz geral acaba fazendo esportes. Muitas vezes, não é uma pessoa muito ligada aos esportes. Por isso, precisa tomar mais cuidado, até para não falar besteira", lembra Ferraz.
A partir desse quadro, pode-se dizer que o diagnóstico para o jornalismo esportivo no Brasil é de UTI. Ainda não morreu, mas sobrevive a duras penas. Começa no canal pequeno, que cobre o jogo do time local, precariamente, até o "todo-poderoso", que pouco a pouco abandona a variedade em nome da audiência. O pior de tudo é que o mesmo problema acomete as parcelas do jornalismo esportivo nacional constituídas do rádio e dos meios impressos ? que agora dão menos atenção ainda aos esportes que vêm, por azar, atrás do futebol na lista de preferidos dos brasileiros. A onda de reformas que toma conta do país precisa adentrar outros campos também…
(*) Estudante de Jornalismo da Unesp de Bauru
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