Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mídia imediatista e desmemoriada

A DITADURA DERROTADA

José Maria Leitão (*)

Para aqueles que se consideram bem-informados com a leitura de nossas principais revistas semanais ? Veja, IstoÉ etc. ?, ante um rápido passar de olhos nas chamadas de primeiras páginas e manchetes sensacionalistas dos principais diários ? padrão Estado de S.Paulo, Folha, Globo, Jornal do Brasil e afins ?, ou na mera apreciação dos telejornais da Globo e de seu acerbo concorrente Boris Casoy, na Record, o mundo e o Brasil globalizados vão bem e engajados nos esforços de guerra anglo-americanos: excetuando-se, entre nós, posto que nem tudo é perfeito, os escândalos que tais órgãos de comunicação elegem como merecedores de imediata e massificante divulgação ? por um dia, às vezes dois ou três e, muito rapidinho, esquecidos.

E pára por aí o que nos é ofertado como leitura, audição e imagens. Desse modo, tão-somente em raros e preciosos desvios da regra geral, pode-se esperar a reapresentação de alguma matéria em edições seguintes, menos ainda a apreciação com minúcias e, se não remotamente, reexaminado no contexto social, político e histórico que eventualmente possa merecer, ou esquadrinhado em suas bases mais distantes.

Vive-se a era da pressa, do imediatismo, da irresponsabilidade informativa, da ausência de memória, de suspeitas amnésias específicas, propositadas ou ? não afastamos a possibilidade de ignorância mesmo ? do desconhecimento de fatos históricos consagrados, do desaprendizado do processo de análise. Sem esquecer a evidente "ajuda" de diretivas governamentais, dos trustes proprietários do praticamente falido quarto poder, associado espontâneo ou obrigado dos mandantes de plantão. Enfim, daqueles que decidem o que se pode e não pode publicar, divulgar, debater, cobrar e levar ao grande público; malgrado a propalada inexistência total de censura prévia, do decantado "É proibido proibir".

Pelo menos, nesse ponto, sem que tenhamos a mínima intenção de defender os regimes ditatoriais, estes mostram-se mais honestos: instalam a abjeta censura prévia e recolhem, fecham, prendem, arrebentam e "desaparecem" com os reincidentes que ousam desafiá-los. Estão aí, por conta da série de livros do senhor Elio Gaspari, a nova da prisão e imediata execução de quatro subversivos (sic). Tudo devidamente confessado, aprovado e apreciado pelo nosso ex-preboste teuto-brasileiro, Ernesto Geisel, título devidamente aprovado pela cartilha dos politicamente corretos.

Tikrit, cidade-mártir?

E bem gostaríamos de saber mais. Para variar: onde, como, quando e quem eram os infelizes passados nas armas pelos fardados democratas? Quem tomará a peito elucidar tal mistério? Ninguém, cremos. E duvidamos que, passada a celeuma, o desencanto ante o deslize do pranteado general-presidente, tenhamos mais notícias do assunto e dos crimes.

E é justamente sobre as razões de tais falhas que este Observatório estampou o lúcido e interrogativo artigo "Quem vai nos contar essas histórias?", do jornalista Luciano Martins Costa [remissão abaixo]. Ali, em rápida análise, entre inúmeras ponderações críticas ao atual baixo nível das reportagens na mídia nacional (mas, parece-nos correto, bem podendo estender-se às que nos chegam do mundo a nos cercar e cercear), aponta o autor, entre as muitas causas, as decorrentes das "redações esquálidas e trabalhando no limite das energias de suas equipes"; "a juvenilização das redações, inspirada na estratégia fulgurante do corte de custos"; o interesse nas mais fúteis notícias, levando grandes empresas do nosso mundo das comunicações cheguem ao exagero de enviar mais de "sessenta jornalistas para cobrir a gravação de uma cena de novela, e duas dezenas de outros para saber com quem o futebolista Ronaldo Nazário vai dividir a cama e a fama" e ao aparente adormecimento da "memória da imprensa (…) a escândalos passados", e chama-nos a atenção o penúltimo parágrafo da aludida matéria:


"A grande contribuição que a imprensa pode dar no processo de formação da cidadania está relacionada a sua capacidade de agregar valor à informação… Para agregar valor à informação que vem das investigações oficiais é preciso possuir memória, saber relacionar os fatos entre si, ponderar a relevância relativa de cada informação e cada personagem, estabelecer vínculos entre os fatos do dia e o contexto político e econômico em que se consolidou a estrutura na qual se colocam os agentes e as instituições".


Em resumo, estão aí, no "agregar valor à informação", no "é preciso possuir memória", no "saber relacionar os fatos entre si", o que desejaríamos encontrar nos atuais encarregados de grandes reportagens, que não são produzidas.

Por exemplo, por que não sobre as tensas relações entre a atual e autonomeada única potência e polícia-mundial (e seus aliados e co-patrocina-dores da inaceitável e criminosa invasão e massacre do Iraque) e o resto do mundo? Por que não sobre o verdadeiro número de baixas civis iraquianas? Das tropas invasoras? Do resultados dos pesados bombardeios sobre Tikrit? Mormente agora, em face de EUA e Inglaterra mais preocupados e empenhados na obrigatória defesa deles mesmos? Das dúbias ações do consorte real e dos maus atos dos criadores do "politicamente correto", do fajuto resgate e endeusamento da soldado Jessica Lynch, do proibir à mídia divulgar fotos de militares americanos e ingleses mortos (dos aliados menores pode), que se denomine a revolta iraquiana de "resistência", mas, por azar, atrapalhados com os contínuos ataques dos compatriotas de Saladino (1138-1193), aliás nascido em Tikrit e vitorioso nos encontros com os cruzados de Ricardo Coração de Leão, coincidência ou não, compatriota de Mr. Blair? Enfim, esperemos que a Tikrit de Saladino, em decorrência da política do par pari refertur de Mr. Bush, não venha a se transformar, neste aguardado terceiro milênio de paz, em exata cópia das arrasadas cidades-mártires de Guernica e Lidice (pelas tropas de Hitler), e My Lai, dos recentes tempos de Mr. LBJ, dos EUA.

(*) Médico e escritor, Brasília

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