ESTUDANTES EM SALVADOR
Ricardo Leal Costa Santos (*)
É com surpresa que venho observando o quase silêncio da grande imprensa brasileira a respeito das manifestações dos estudantes soteropolitanos nos últimos dias. Trata-se de protestos que desencadearam em Salvador um movimento espontâneo de toda a classe estudantil: primeiro, segundo e terceiro graus, posicionando-se contra o último aumento das tarifas dos transportes públicos na cidade. O movimento conseguiu parar toda a cidade, ao impedir a passagem dos ônibus, espalhando-se por todas as principais vias de modo a, de fato, mobilizar a atenção de toda a população.
Os jornais locais dividiram-se. A Tarde, que vem procurando criar um perfil oposicionista nos últimos anos, tenta mostrar a força do movimento relatando sua dinâmica e energia próprias. Já o Correio da Bahia (leia-se ACM) conseguiu chamar atenção com o editorial de quarta-feira (2/9), em que o prefeito da cidade, um comandado do senador Antonio Carlos Magalhães, é humilhado perante a população por não ter tomado medidas mais "enérgicas". A Tribuna da Bahia, outrora um jornal de esquerda, foi a princípio extremamente conservadora, quase reacionária (edição de quarta-feira) e, na quinta, tentou expressar a vitória do consenso.
O problema é que o movimento, que deveria ter sido concluído com o acordo selado entre prefeito e "lideranças" estudantis, continuou. Por fim, os dois maiores comunicadores do rádio, Raimundo Varela (este também da TV, com programas de cunho populista/assistência social) e Mário Kertézs (ex-prefeito ? nomeado e eleito ? e detentor de rádios na cidade, de perfil "independente") tentam mostrar imparcialidade ao comentar os fatos, dando voz aos estudantes e, inclusive (caso de Varela), mostrando imagens de agressões policiais aos manifestantes.
Silenciosos anônimos
A continuidade do movimento se dá porque muitos estudantes não estão satisfeitos com a parte do acordo que mantém o preço da passagem em R$ 1,50. Eles não têm necessariamente liderança, estão insatisfeitos, exigem redução da tarifa e já começam a ser rotulados de desordeiros, baderneiros etc. Como se vê, trata-se de um acontecimento de extrema originalidade no país, devido ao caráter descentralizado e ao engajamento espontâneo dos estudantes. Movimentos como esses, sem um "sujeito" político claramente definido, são facilmente rotulados mas pouco avaliados. Nem a imprensa, nem as lideranças, nem os políticos estão sabendo direito o que fazer com essa juventude que se acostumou a não ter voz institucional (nem ela nem seus pais) e que, por isso, vêem agora uma oportunidade extremamente singular para dizer NÃO sem que nenhum agente supostamente representativo o diga por eles.
O mesmo tratamento que a imprensa dá aos sem-terra e aos sem-teto caberá aos estudantes caso continuem a alterar a "ordem" da cidade. Nossas instituições ainda não estão preparadas para isso. Não têm "roteiros" para lidar com momentos como esse. Afinal, a quem culpar? Eles sabem: o que essas pessoas estão fazendo é dizer que chegaram ao limite, e que uma ação política é necessária.
O que ocorrerá quando os milhões de silenciosos anônimos que estão por aí resolverem balbuciar? O governo Lula acabou de começar em Salvador.
(*) Professor das faculdades Visconde de Cairu e Hélio Rocha, em Salvador (BA)