Tuesday, 19 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

MEC altera política para o ensino de Jornalismo

“Afinal, o que é um PhD?”, copyright Diário de Pernambuco, 15/06/00

“Sempre pensei que as pessoas mais instruídas e arejadas soubessem o que é um Ph.D. Fiquei boquiaberta quando o empresário Sérgio Longman (em seu artigo de 7/6/2000 nesta página) distilou contra este atributo, o mesmo ódio e desinformação com que preconceituosos mais pedestres atribuem erros de conduta política ou pessoal ao fato de alguém ser ‘de esquerda’, ‘da Irmandade do Coração de Maria’, ‘judeu’, ou ‘gay’. Citando fábula narrada pelo escritor e psicanalista Rubem Alves, o ex-deputado chama de urubus os economistas do governo ‘com cursos e diplomas de famosas universidades, notadamente americanas’. Em contraposição aos sabiás, que têm talento de nascença e não precisam de diplomas para cantar. Talvez ignore que Rubem Alves é um sabiá dos melhores, que aprimorou ainda mais seu canto com um diploma de Ph.D. na Universidade de Princeton, New Jersey (EUA).

A raiva do empresário é contra economistas que estão no poder – ‘os especialistas, os espertos, os Ph.D., os sabe-tudo’ – bons cérebros da esquerda histórica brasileira, como o próprio Longman. Errou o alvo ao apedrejar o conhecimento implícito na formação de um Ph.D., em vez de mirar seu estilingue nas políticas que deseja criticar. Infelizmente, não é a única pessoa inteligente e educada a nutrir preconceito e hostilidade contra Ph.Ds, sem saber exatamente onde o galo cantou.

Ph.D. é a abreviatura de Philosophy Doctor, título de doutorado conferido por universidades britânicas, canadenses e americanas, em diversos campos do conhecimento. Em Odontologia, diz-se DD (Dentistry Doctor); em Direito, JD (Juris Doctor), Aliás, os advogados americanos só podem exercer a profissão depois de três anos de pós-graduação (Law School). O Ph.D. dos médicos se chama MD (Medical Doctor). Nos EUA, só é médico formado quem faz quatro anos de doutorado em ciências médicas, depois do bacharelado, geralmente em Ciências Biológicas, mas não necessariamente.

Até conseguir qualificação para receber um título de Ph.D. em universidade norteamericana, o caminho é árduo, cheio de cobranças. Estudar é prioridade um, mesmo em detrimento da vida afetiva, familiar e social. Para o americano, ou o estrangeiro que vai lá competir com ele sem apadrinhamentos nem jeitinhos, conseguir um Ph.D. é um sacrifício. O doutorando não tem domingo nem feriado, está sempre atrasado nas leituras requeridas, é obrigado a manter nota mínima B em todas as matérias e cumprir prazos inadiáveis de entrega de 3 a 4 trabalhos por semestre, 30-40 páginas cada um. Uma vez aceito como aluno, precisa vencer duas etapas iniciais: cumprir o número de créditos exigidos pelo seu programa (pode chegar a 50); e ser aprovado nos ‘exames abrangentes’ ou de qualificação, numa área de concentração (major) e numa afim (minor). Somente então é considerado aspirante ao doutorado. Falta-lhe ainda cumprir as duas últimas exigências: produzir a trabalhosa e sofrida tese e defendê-la em sessão pública. Leva de três anos e meio a cinco anos para completar todos estes requisitos.

Não se ‘adquire’, nem se ‘obtém’ um Ph.D., you earn it. O verbo ‘to earn’ significa conseguir algo como resultado de trabalho, esforço, mérito. Há um custo pessoal muito alto em receber este título. Ao voltar ao seu país, ansioso por contribuir para melhorá-lo, o brasileiro geralmente continua pagando pelo seu Ph.D. os juros da incompreensão, da falta de estímulo, da inveja, da patrulhagem, do respeito ambivalente que resulta em desrespeito prático.

Afinal, o que é um Ph.D.? Alguém que aprendeu a pensar dentro de parâmetros científicos e scholarly (sem tradução), mesmo quando seu doutorado é em área ‘qualitativa’, como literatura ou música. Um profissional que sabe bem aquilo que estudou e evita ‘achismos’. Está consciente dos limites de sua competência, ao contrário de alguns incompetentes. Um Ph.D. aprende a colocar os pontos dos ‘is’, a couper les cheveux en quatre, como dizem os franceses. É treinado para criticar e ser criticado, sem que isto implique em afronta nem demolição do ego de ninguém. Aprendeu a crítica como ferramenta de trabalho, para aprimorar seu campo de conhecimento e melhorar a sociedade. No Brasil, é ridicularizado como portador da abreviatura de ‘Papo Horrível e Deprimente’, porque foi formado para ser cético e analítico, e não um ideologicamente apaixonado. Pode ser políticamente engajado, mas se for um cara sério, não vai distorcer dados para escamotear a realidade em favor do ponto defendido.

O título de Ph.D. confere competência e certa erudição em âmbito específico, prudência nas inferências e independência de pensamento, que pode causar admiração ou irritação. O título não confere bom caráter a quem não já o tenha. Nem cura a arrogância de quem já a sorveu no sêmen do pai ou no leite da mãe. Assim, quando estiverem julgando comportamentos de gente do governo ou da oposição que detenha este título, podem crer que o Ph.D. é uma das melhores partes dessa pessoa. Então critiquem-na com justeza e justiça, naquilo em que ela merecer realmente ser criticada.”

 

LEIA TAMBEM

Além da questão salarial – Carlos Vogt

Erros e acertos – C.V.

Em defesa da greve – Wilmar R. D’Angelis

Responsabilidade sobre a greve – C.V.

Pérolas do Magnífico reitor – W.R.D’A.