Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mônica Herculano

INFÂNCIA & JORNALISMO

“Projeto incentiva diálogo entre jornalistas e Conselhos da infância”, copyright Rede GIFE (http://www.gife.org.br), 10/03/03

“Em entrevista ao redeGIFE, Marcus Fuchs, diretor de planejamento da Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância), fala sobre o projeto Mídia e Conselhos – Aliança estratégica na prioridade absoluta aos direitos da criança e adolescente, desenvolvido em parceria com o Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente). A idéia é contribuir para a superação das dificuldades na cobertura da infância e adolescência.

redeGIFE – Qual o objetivo do projeto Mídia e Conselhos – Aliança estratégica na prioridade absoluta aos direitos da criança e adolescentes?

Marcus Fuchs – O projeto pretende, antes de tudo, desenvolver nos Conselhos Tutelares e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente uma capacidade de relacionamento maior e melhor com os meios de comunicação. A Andi tem percebido, em todas as suas análises de mídia, que os Conselhos são pouco ouvidos pelos jornalistas. Isso significa que eles não reconhecem os Conselhos como fontes específicas da infância, ou talvez nem saibam da sua existência ou a que exatamente os Conselhos vieram. Imaginamos que os Conselhos também não têm uma estratégia e não desenvolvem ações no sentido de se apresentarem aos meios de comunicação e aos seus profissionais. Queremos chegar a um guia de idéias e de relacionamento dos Conselhos com a mídia e vice-versa, para que eles sejam mais ouvidos e a pauta da criança nos meios de comunicação se amplie e se qualifique. Ao mesmo tempo, esse guia pretende que os Conselhos de Direitos e Tutelares sejam capacitados a planejar e desenvolver planos de comunicação, também para a relação com a comunidade.

A outra vertente do projeto prevê a realização de spots de rádio, vídeos e anúncios. Tentaremos veicular isso nas grandes redes de comunicação, sem custos, além de jornais de universidades e rádios locais e comunitárias. Queremos mobilizar os meios para que veiculem essas mensagens, sem que isso signifique compra de espaço. Isso é uma das coisas que acreditamos que os veículos de comunicação podem fazer para exercer seu apoio e sua responsabilidade com a difusão das boas soluções para a realidade da criança e do adolescente e para o desenvolvimento humano e sustentável das comunidades.

redeGIFE – Quando e como surgiu o projeto?

Fuchs – A idéia surgiu no início do segundo semestre do ano passado, em um encontro da Andi com o Conanda. Em dezembro, o projeto foi aprovado na plenária do Conanda e o convênio foi assinado com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos. A Secretaria é a organização que viabiliza a disponibilização dos recursos para esse projeto, já que o Conanda está vinculado a ela e, por não ser uma pessoa jurídica, não pode firmar convênio.

O Conanda tem tido cada vez mais a clareza e a convicção de que os meios de comunicação podem ser aliados estratégicos na mobilização da sociedade. A lei estabeleceu que em cada município deve haver um Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e pelo menos um Conselho Tutelar. Mas, além de não termos esses conselhos em todos os municípios, em muitos lugares eles não funcionam. E não funcionam, muitas vezes, porque a sociedade não sabe que eles existem ou não entendem exatamente qual é o seu papel. Isso é um retrato da falta de conhecimento desses órgãos pela sociedade. Com base nisso, o Conanda convidou a Andi para uma conversa e explicou que tinha interesse em agir nesse sentido.

redeGIFE – Com relação ao guia, já se tem idéia de que tópicos ele conterá para atingir os objetivos?

Fuchs – Sim. São desde informações sobre a lógica de funcionamento de uma redação, para que os Conselhos entendam e atuem com base nisso, até quais capacidades eles devem desenvolver para atender melhor as expectativas dos meios de comunicação, como a sistematização de dados e idéias sobre o que pode ser uma boa notícia. Os Conselhos precisam ter pró-atividade em pautar os meios de comunicação e a sociedade, não podem ficar simplesmente aguardando serem procurados.

Essas idéias serão registradas numa versão preliminar do guia, que está sendo finalizada, e serão discutidas com os Conselhos de Direitos, Conselhos Tutelares e jornalistas de todo o país, em seis oficinas de interação, que acontecerão de abril a junho. A idéia é discutir a elaboração com conselhos representativos de todo o país, a partir da versão preliminar, para lançarmos o guia em julho, provavelmente na semana do Estatuto.

redeGIFE – Então, será um guia voltado para os Conselhos?

Fuchs – Eu diria que serve aos Conselhos, mas também deve servir aos próprios jornalistas. Mas como já temos algumas outras publicações, como o manual de mídia do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), não queremos que esse guia seja substituto, se sobreponha ou ocupe o espaço dos outros. O que queremos é que ele seja mais um passo na aproximação dos Conselhos com a mídia.

redeGIFE – Além do problema de comunicação entre a mídia e os Conselhos, você acrescentaria mais alguma dificuldade no relacionamento entre os jornalistas e esses órgãos?

Fuchs – Eu acho que a ausência ou baixa qualidade da relação dos Conselhos com a mídia e com a sociedade é retrato de como o brasileiro analisa e utiliza as instâncias políticas que tem à sua disposição. Elegemos o deputado, o senador, e deixamos que ele atue sozinho, não costumamos acompanhar suas propostas. Os conselhos tutelares são escolhidos pela sociedade, mas ela não cobra, não pressiona, só procura quando existe alguma demanda que atinge diretamente a pessoa interessada. Eu tenho dito que, para os Conselhos ocuparem um espaço na mídia, eles devem entender que precisam ter uma ampla, permanente e qualificada comunicação com a sociedade. Às vezes o Conselho não age porque não está sendo cobrado pela sociedade, que também não entende que o município deve disponibilizar recursos para seu funcionamento e não cobra o poder público para isso. Esse projeto pretende ser mais um passo no sentido de desenvolver uma nova consciência e participação política. Se a sociedade fala desses órgãos, a mídia também vai falar.

redeGIFE – Os jornalistas ainda têm muita dificuldade ao tratar as questões relacionadas à infância e adolescência?

Fuchs – Ainda há dificuldades, mas eu diria que são cada vez menores. Há limites, principalmente quando os temas passam pela questão da violência, tendo a criança como vítima ou como agente, mas percebemos que a qualidade das matérias tem melhorado. Entendemos que a qualidade da cobertura da questão da infância e adolescência depende muito da relação dos Conselhos com os jornalistas.

redeGIFE – Quais são os principais erros que os jornalistas cometem na cobertura da questão da criança e do adolescente?

Fuchs – Na questão da cobertura da violência, por exemplo, ouve-se geralmente uma única fonte: a polícia. Os jornalistas deveriam ouvir os Conselhos, a vítima, o agressor, contextualizar a realidade com as políticas públicas e não se restringir à denúncia e ao fato em si, mas apontar soluções para a realidade que está sendo abordada na matéria. Percebemos que, ano a ano, passo a passo, estamos superando os limites, mas precisamos começar essa discussão já na época em que o estudante de jornalismo está na universidade. Por isso estamos tratando na Andi da criação de uma cátedra de mídia e infância, que devemos lançar no ano que vem, em parceria com o Unicef. Enfim, as possibilidades são grandes e os desafios também.

redeGIFE – Por que estes erros ainda ocorrem mesmo passados dez anos do Estatuto da Criança e do Adolescente?

Fuchs – Eu diria que um dos principais fatores é realmente a questão da dificuldade de diálogo entre os jornalistas e as fontes. Mas há outros, como a ausência de dados, não só na questão da infância e do adolescente, já que temos muitos limites na produção de dados na área social. Muitas vezes, a fonte faz de conta que tem dados, a imprensa faz de conta que os dados que a fonte passou têm consistência, e fica-se nesse ?faz-de-conta?. Mas eu diria que as possibilidades têm sido maiores que os limites, por isso já temos 250 Jornalistas Amigos da Criança. E, se tivéssemos condições, poderíamos ter um número maior, porque existem muito mais do que 250 jornalistas que já conhecem muito dos direitos da criança e têm feito matérias fabulosas. As questões de desenvolvimento humano e social têm tido um número crescente de matérias e isso é um retrato de que a pauta da infância está consolidada na mídia brasileira.”

 

OMBUDSMAN

“Ajzenberg inicia seu terceiro mandato como ombudsman”, copyright Folha de S. Paulo, 9/03/03

“Quando se tornou ombudsman da Folha pela primeira vez, em março de 2001, o jornalista paulistano Bernardo Ajzenberg, 44, se propôs a levar adiante um diagnóstico feito na ocasião pela Direção de Redação: ?Está na hora de uma reviravolta no jornal. Vou me dar a tarefa de impulsioná-la?.

Hoje, no início de seu terceiro mandato, avalia: ?Certas coisas mudaram, mas a reviravolta ainda não ocorreu?.

A guinada, de acordo com Ajzenberg, deveria se apoiar em um tripé. ?Tínhamos por meta alcançar uma postura crítica menos retórica e mais técnica, produzir textos de maior qualidade e selecionar melhor os assuntos que iríamos publicar.?

Para o ombudsman, o jornal ficou, sim, mais seletivo. Em contrapartida, ?continua padecendo de um texto que, na média, é apenas regular e de uma abordagem crítica muitas vezes superficial?.

?A Folha vive uma fase de transição?, afirma. ?Saiu de onde se encontrava em 2001, só que ainda não atingiu o destino almejado.?

Para Ajzenberg, uma das barreiras que dificultam alcançar tal objetivo são as contingências econômicas. ?A grave crise que afeta a mídia brasileira obrigou a imprensa a reduzir papel e pessoal. Isso, no entanto, não pode servir de desculpa para a ausência de qualidade e criatividade.?

O ombudsman considera que, neste ano, a Folha tem pelo menos dois grandes desafios. O primeiro: não se posicionar nem contra o governo de Luiz Inácio Lula da Silva nem a favor dele. ?Mais do que nunca, o jornal deve buscar a independência, apoiando o que julga correto e questionando, com dados concretos e análises qualificadas, o que acha errado.?

O outro: cobrir a provável guerra no Iraque de maneira isenta, criativa e precisa, sem sucumbir às dificuldades que os meios de comunicação, sobretudo nos países periféricos, costumam enfrentar para noticiar episódios dessa natureza.

Ajzenberg é o sexto ombudsman do jornal desde 1989. Na ocasião, a Folha instituiu o cargo, inédito na imprensa latino-americana até aquele momento.

O ombudsman encaminha à Redação as reclamações dos leitores, comenta o desempenho do jornal em sua coluna de domingo e redige, todos os dias, uma crítica interna. Possui mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido enquanto exerce a função -nem pelo prazo de seis meses após deixá-la.

Casado, pai de duas filhas, Ajzenberg começou sua carreira em 1976. É também ficcionista e já lançou cinco romances. O mais recente, ?A Gaiola de Faraday?, saiu pela editora Rocco em 2002.”