NOTAS DE UM LEITOR
Luiz Weis
A política de comunicação do governo foi alvo de uma estridente reportagem do Estado de S.Paulo ("Planalto cria uma supermáquina de informação oficial", 14/9, páginas A4 e A6), de autoria de João Domingos. Nela se lê que "o governo está adotando uma nova estrutura de comunicação com pretensões que vão além do mero aperfeiçoamento da máquina de divulgação oficial".
As "pretensões" são de "alcançar ? com noticiário oficial e gratuito ? um público estimado em 100 milhões de pessoas em todo o país", dos mais de mil jornais, mais de mil emissoras de rádio e transmissoras de TV que "historicamente editam seus noticiários com base na cobertura das agências de notícias privadas".
Os meios são o sistema Radiobrás (quatro estações de rádio, duas de TV, uma agência de notícias e uma agência de fotos).
A matéria não deixa por menos. Diz que o "agigantamento do noticiário oficial" supera o que o Brasil conheceu "durante ditaduras como a de Getúlio Vargas, em que tudo era controlado pelo célebre Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP)".
A afirmação tem o aval do ex-deputado baiano Prisco Viana ? "É o DIP do século 21" ?, cuja discutível credencial para entrar na matéria é a de ser apenas um político "que testemunhou meio século de ditaduras".
O texto claramente pretende demonstrar que o governo quer controlar a informação no país ? "uniformizar o noticiário a seu favor". E isso, "às vésperas (sic) das eleições municipais".
Como? Oferecendo de graça à mídia mais pobre cobertura "em todos os campos", desde futebol à guerra do Iraque, "privilegiando seu enfoque dos acontecimentos".
A matéria não dá exemplos desse privilegiamento. Mas dá espaço a dois dos mais rombudos críticos do governo ? o presidente do PSDB, José Aníbal, e o líder do partido no Senado, Arthur Virgílio.
Um diz que "essa é mais uma etapa da estratégia petista do aparelhamento do Estado" e que "daqui a pouco só as notícias de interesse do governo serão publicadas".
Outro diz que "isso é dumping do Estado", que "querem que todo o país passe a pensar como o PT", que "o governo procura pôr em prática o seu big brother" e que "o ministro José Dirceu vigia os cidadãos 24 horas por dia".
O único contraponto de ponderação e senso de medida à mão pesada que perpassa a reportagem é dado pelas declarações da socióloga Aspásia Camargo, que entra em cena, por sinal, logo depois da previsão alarmista do texto de que "o governo oferecerá um noticiário social, político, econômico, cultural e esportivo com o enfoque de seu interesse".
E aí se lê que "apesar disso", Aspásia acha exagerada a comparação com o DIP. "Ao contrário da Era Vargas", ela observa com torrentes de obviedade, "os jornais escrevem o que querem contra o governo, sem censura nenhuma".
Na continuação, o Estado ouve o presidente da Radiobrás, Eugênio Bucci. Justiça se faça à reportagem, Bucci tem a oportunidade de negar a tese da matéria e de explicar o papel da estatal no governo Lula ("dar acesso ao público a tudo o que o governo faz"), levando em conta que "no país existem bolsões de carência informativa", cujos habitantes "por não terem poder aquisitivo, não têm informação de qualidade, requisito da cidadania".
De qualquer forma, logo abaixo o jornal retoma a acusação de que o sistema de comunicação do governo extrapola, com dois títulos casados: um, "Gushiken diz que objetivo é divulgar governo?" e, o outro, "?mas ação da Agência Brasil vai um pouco além".
Contraste-se esse tratamento com a objetividade, fartura de informações e escassez de paranóia da matéria "Com Lula, audiência da Agência Brasil cresce 44%", de Fernando Rodrigues, na Folha de S.Paulo domingo (21/9).
[A matéria faz parte de um pacote que incluiu uma entrevista com o ministro Luiz Gushiken, em que ele anuncia a nomeação de Duda Mendonça como uma espécie de "consultor especial", ou, segundo o título, "ministro da propaganda (entre aspas) de Lula".]
Já o Estado continuou a lidar inadequadamente com o assunto. Três dias depois de denunciar a "supermáquina de informação", publicou os comentários e contestações do secretário de Imprensa do Planalto, Ricardo Kotscho.
Mas não deixou barato. Para dar ao leitor o background das declarações de Kotscho, o texto lembra que "a reportagem do Estado mostrou que o governo está montando uma supermáquina?".
Passados mais dois dias, na sexta-feira, 19 de setembro, transformou em matéria cartas de um assessor de Gushiken, Maurício Lara, e de Bucci, enviadas na véspera ao jornal, parafraseando-as e delas citando trechos esparsos.
Não se sabendo o inteiro teor das cartas é impossível julgar a qualidade da sua edição. Mesmo que fosse irrepreensível, o certo teria sido publicar a correspondência na íntegra.
Sem isso, chegou-se ao seguinte resultado: o leitor do Estadão tomou conhecimento do que o jornal tinha a dizer sobre o assunto (incluíndo um editorial, "A estatização da informação"), mas, sobre o que o "outro lado" tinha a dizer, só tomou conhecimento do que o jornal escolheu selecionar.
[Leia, na rubrica Jornal de Debates desta edição, matéria "O governo e a informação oficial" com íntegra da carta de Eugênio Bucci dirigida à direção de Redação do jornal.]