Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Moacir Japiassu

JORNAL DA IMPRENÇA

“Quem fez a manchete do século?”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 6/10/03

“A mais bem escrita e lúcida manchete jornalística do ano, talvez do século, é esta publicada pelo Correio Central, de Ouro Preto do Oeste, Rondônia: FINAL DE SEMANA COM QUATRO MORTES FATAIS. Paulo Paolielo, de Londrina, remetente da preciosidade, tem certeza de que a cidade deve ser uma das mais violentas do mundo, em todos os tempos; afinal, além das mortes fatais, o que deve acontecer de mortes não fatais é uma grandeza, a justificar plenamente essa campanha nacional pelo desarmamento dos cidadãos.

Paolielo não confessou como foi parar em Londrina esse imortal exemplo do melhor jornalismo brasileiro, perpetrado, quem diria, numa cidadezinha do chamado fundão do país. Todavia, além dessa natural frustração, Janistraquis e eu sentimos desalento bem maior pela falta da assinatura do autor. Quem, num instante de rara inspiração, teria escrito o título?

Meu secretário, que conhece esta nação de cabo a rabo, principalmente rabo, garante que ninguém, mas ninguém mesmo em Ouro Preto do Oeste teria discernimento ou capacidade técnica para tanto:

?O título é obra de jornalista culto, considerado; muito culto e bem informado, como Evanildo da Silveira, Milton Abrucio Júnior, Guilherme Meirelles, Luiz Oscar Matzenbacher. Este eu nem sei se é jornalista, porém se trata de intelectual brilhante e o jornalismo, como sabemos, pode (e deve) ser exercido por alguém assim tão bem preparado!?.

?E Rubens Valente, da Folha de S. Paulo??, ousei perguntar. Janistraquis acha que não: ?Embora seja um dos maiores jornalistas do Brasil desde Hipólito José da Costa, bom caráter e amicíssimo dos amigos, Rubens é de escrever editoriais moralistas, considerado; não estaria à vontade para cometer a manchete do jornal?.

Léo Bueno poderia ter escrito o título, se o jornal pertencesse à prefeitura de Ouro Preto do Oeste; como não pertence, descartamos o talentoso Léo, bem como Sérgio Cristo, pois este tem tanto horror de ?servir de vidraça?, que jamais sairia à luz do sol num lugar violento como Rondônia.

O título do Correio Central teria sido obra de Jorge Henrique Cordeiro? ?Ele tem talento de sobra para tanto, mas o secretário do governo de Marta Suplicy, nosso amigo Ruy Falcão, não iria permitir que São Paulo ficasse alguns dias ermo do talento avassalador do Jorge?, alegou meu secretário, embora a leitura dos ?comentários? à coluna anterior o tenha deixado em dúvida: afinal, Jorge Henrique é da Prefeitura ou da Polícia Militar?

Quem teria sido, então, o genial porém misterioso redator da instigante manchete? Janistraquis aventou a possibilidade de ter sido um representante da ?Escola Mineira?, que nos deu jornalistas excepcionais como Guy de Almeida e Dídimo Paiva: ?Já sei, considerado!!! Vai ver foi o Gustavo Nolasco, que é assessor de imprensa do governador Aécio Neves!?. Reconheço que Nolasco é um gênio e, por essa razão, Aécio jamais o liberaria para a arriscada aventura nessa outra e tão distante Ouro Preto.

E Juca Rodrigues, genial editor da Istoé Online? Como se trata de um profissional famoso, inteligente, culto e com o raciocínio mais afiado do que qualquer canivete pica-fumo, poderia ter sido ele, é claro. Todavia, Janistraquis lançou a seguinte objeção: ?Considerado, o Juca não teria tempo para pensar em frilas, porque já morre de trabalhar; na Rede TV!, na CBN, no Lance e, principalmente, na eterna vigilância que exerce sobre Ricardo Teixeira e Eurico Miranda?. Procede, procede, mas creio que Janistraquis está a fazer alguma confusão…

Pensamos noutros nomes igualmente importantíssimos no cenário jornalístico do Brasil, como, por exemplo, Ricardo Lopes. Porém, teria ele tempo para a longa viagem, tão atarefado se encontra em patrulhar a Nação e ainda pegar no pé do Charlton Heston?

E Evaldo Novelini? Talvez, talvez, mas desconfiamos que O Diário de Mogi não iria permitir que sua maior estrela se ausentasse da Redação e fosse perpetrar um frila lá no cós do Judas.?Mas ele poderia soletrar a manchete por telefone?, alertou Janistraquis. Não acredito; profissional de tamanha nomeada precisa ler a matéria antes de fazer qualquer título.

(Como o tempo anda chuvoso aqui no sítio e isso atrapalha as buscas, estas foram interrompidas até que novamente brilhe o sol. Todavia, nesse ínterim, os comentaristas podem nos ajudar nesse agradável mister: quem escreveu a manchete do século em Ouro Preto do Oeste? Aceitamos pistas e sugestões.)

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Uso contínuo

Frase do roqueiro inglês Sting, reproduzida nas páginas da indispensável Veja: ?Faço uma hora e meia de ioga todo dia e faço amor durante oito horas toda noite?. Janistraquis ficou revoltado: ?Ora bolas, considerado; do jeito que ele deve fazer amor, é fácil ficar na cama até mesmo durante as 24 horas do dia; agora, quem precisa ficar em posição de sentido, só mesmo na base do Viagra, que custa uma nota!?. É mesmo; fica difícil construir uma democracia quando os preços dos medicamentos de uso contínuo estão pela hora da morte.

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Imolação e flagelo

O diretor de nossa sucursal brasiliense, Roldão Simas Filho, lia placidamente o caderno Coisas da Vida, na seção Almanaque do Correio Braziliense, quando lhe caiu ao regaço esta verdadeira perversidade estilística:

?Muçulmanos xiitas em Bangladesh imolam as costas com lâminas (…)?.

Roldão sentiu um frio na espinha: ?Ora, imolar quer dizer matar em sacrifício à divindade. No caso o verbo que deveria ter sido empregado seria flagelar?, clamou à mouca direção do jornal.

É verdade, Roldão; e Janistraquis acha que o redator só ficará impune se o chefão do CB ficar em dúvida entre a imolação e o flagelo.

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Nota dez

O melhor texto da semana é do nosso mestre Zuenir Ventura em O Globo:

?Eu ia escrever um artigo para sair no dia 27 último, Dia Nacional dos Idosos, mostrando como a medicina está suprindo uma série de carências e deficiências que surgem com a idade, inclusive a falta de memória. Graças a esses avanços, não só a função erétil pode ser recuperada, mas também a mnemônica, devolvendo aos velhos sua capacidade de se lembrar. Mas aí eu me esqueci – do dia, de tomar o remédio e de fazer o texto. Repeti assim a velha piada que não me lembro se já contei aqui: as três piores coisas da velhice são a esclerose e… as outras duas eu esqueci.?

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Ciranda-cirandinha

O título de uma matéria do Estadão afirmava que os Estados Unidos pretendem ?rotacionar tropas no Iraque?.

Nosso diretor em São Paulo, Daniel Sottomaior, que ao acordar todas as manhãs costuma levar um susto do seu jornal preferido, não aprovou o verbo: ?À primeira vista, parece que o exército americano quer brincar de ciranda-cirandinha, mas não é nada disso. O problema é que o verbo rotate significa não somente girar, mas prosseguir em uma seqüência, em alternância – algo como ?fazer rodízio?. É a raiz dessa palavra que justifica o nosso significado para ?rotatividade?.

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Bate-papo!!!

O ex-técnico do Ceará, Celso Teixeira, e o presidente do clube, Alexandre Frota (não é aquele grandalhão da TV), encontraram-se à porta do Diário do Nordeste, depois que o cartola participou dos programas A Grande Jogada, da TV Diário, e Atualidades Esportivas, da TV Verdes Mares.

Aquele encontro caiu do céu para o editor de esportes e logo chamaram um fotógrafo para registrar o flagrante. No dia seguinte, saiu no jornal copiosa matéria com este título deveras impressionante: CELSO E ALEXANDRE BATEM PAPO NO MEIO DA RUA. Só faltou o ponto de exclamação.

O diretor de nossa sucursal cearense, Celso Neto, tentou explicar, diante da perplexidade de Janistraquis: ?Bom, se o cabra que anda pelo meio de alguma rua de Fortaleza já corre sério risco de ser atropelado ou assaltado, imagine parar pra conversar!? Então está explicado o título e o motivo pelo qual o redator ainda escreveu que a cena foi ?insólita?…

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Juventude emburrecida

O considerado Rodrigo Pinotti leu esta manchete no Folhateen (suplemento jovem da Folha de S. Paulo):

Desemprego alto e queda no crescimento são maus sinais

O rapaz ficou perplexo: ?Ah, é mesmo? Puxa, se eles não me dissessem eu não saberia. Corri o risco de sair às ruas comemorando o desemprego recorde na Grande São Paulo. E depois ainda perguntam o porquê de a juventude estar emburrecendo…?.

Janistraquis ficou curioso: ?Considerado, quer dizer que perguntam por que a juventude está a emburrecer? E qquem será que perguntam??.

Eu não soube responder.

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Errei, sim!

?ATRASO É ISSO! – Importante esclarecimento do Diário do Povo, de Campinas (SP): ?Por erro de ordem técnica, a numeração do Diário ficou atrasada em 997 números. Para que seja feita a correção, a edição de hoje pula de 24.870 para 25.867?. Janistraquis adorou mas implicou com um detalhe: ?Considerado, desaprovo o início da nota; em lugar de por erro de ordem técnica ficaria melhor por alsoluta desordem técnica?. (abril de 1993)

(Colaborem com a coluna, que é atualizada às quintas-feiras: Caixa Postal 067 – CEP 12530-970, Cunha (SP) ou moacir.japiassu@bol.com.br).”

 

JORNALISMO & LITERATURA

“Jornalismo e literatura”, copyright Folha de S. Paulo, 14/10/03

“Um seminário sobre jornalismo e literatura promovido por Mauro Salles reuniu mais de mil pessoas na Academia Brasileira de Letras. Ao debater o tema na primeira mesa-redonda, fui curto e grosso. Coloquei José do Patrocínio como emblema do jornalismo e Castro Alves como símbolo da literatura.

Ambos foram grandes. Patrocínio incendiou o país com seus artigos e discursos, foi o ariete de outros mais preparados do que ele, mas ninguém teve a voz certa para a hora certa. No dia 13 de maio de 1888, era mais importante e popular do que a própria princesa Isabel, que assinara a Lei Áurea.

Castro Alves foi abolicionista em outro contexto. Quando escreveu sua obra-prima, ?O Navio Negreiro?, impressionou uns gatos-pingados que o ouviram declamar ou que leram o poema impresso em poucos exemplares. Não encheu a rua do Ouvidor como Patrocínio nem liderou a turba que foi a São Cristóvão beijar a mão da princesa.

Perguntei ao auditório se alguém ali conhecia uma frase, um parágrafo dos artigos e livros de Patrocínio. Nem mesmo seus dois romances foram lembrados -nem mereciam ser lembrados. Quanto a Castro Alves, por falha de memória, titubeei em citar alguns de seus versos, tive a ajuda de diversas vozes na platéia: ?Mas é infâmia demais! Andrada, arranca este pendão dos ares! Colombo, fecha a porta dos teus mares!?. O pendão acima citado é aquele mesmo, o auriverde pendão que a brisa do Brasil beija e balança.

Repetindo: fui curto e grosso em dar dois exemplos de jornalismo e literatura. No caso de Patrocínio, escolhi um gigante. Na história de nossa imprensa, acredito que não tenha havido um jornalista tão bem-sucedido numa grande causa, dessas que mudam o destino de uma nação.

No caso de Castro Alves, lembrei um poema que muitos consideram gongórico demais, mas que se eternizou ao longo de gerações. Duas faces distintas do talento e do gênio. Mas cada macaco em seu galho.”

 

JORNALISMO CULTURAL

“Cobertura de cinema: cadê o final feliz?”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 8/10/03

“Se alguém quer um bom exemplo do que acontece quando se rompe o precário equilíbrio de poder entre fonte e mídia, basta olhar como anda a cobertura de cinema. Não apenas no Brasil, mas no mundo todo.

Não precisa espremer muito os neurônios: ela está tão anêmica que às vezes parece que não existe.

Em seu lugar, à guisa do que deveria ser uma reflexão inteligente sobre uma das mais poderosas formas de arte de massa que temos, encontramos ?perfis de celebridade? cuidadosamente medidos e negociados, e reportagens tão vazias de real conteúdo que poderiam ter sido montadas por um chimpanzé operando um programa de computador.

Você sabe o que eu estou dizendo. O filme em questão é ?o maior desafio da minha carreira?, trabalhar com este diretor ou aquele ator foi ?um sonho realizado?, as filmagens foram ?duras, mas muito divertidas? e o produto final ?o melhor trabalho que realizei até agora?.

Há exceções, claro _e, às vezes, há até muitas e boas exceções. Mas se você ligar a TV agora ou abrir agora um veículo impresso as chances de você encontrar o que eu descrevi acima são imensas.

Não culpe os jornalistas. Neste embate entre o mar da produção internacional de cinema – e eu me recuso a usar aqui o termo ?Hollywood?, porque acredito que ele não mais descreve adequadamente o que de fato se passa no financiamento, produção e distribuição de produto audiovisual – e a pedra dos conglomerados de mídia, este pobre marisco mal pago e subempregado levou, leva e levará ainda por bom tempo, a popular pior.

O problema é o que o jornalista oferece à industria de cinema: uma poderosa ferramenta de marketing, gratuita. E o que a indústria de cinema produz: um item caríssimo, cujo retorno no investimento só se realiza se ele for consumido maciçamente.

A indústria de cinema não se vê como pauta, mas como provedor de acesso a um produto valioso, que, portanto, precisa ser controlado; e não vê o jornalista como um representante da mídia, mas como o intermediário para o posicionamento gratuito de seu produto aos olhos do público.

Não se trata mais de cobrir, mas de negociar. O veículo quer o artista ou filme em suas páginas/programas para vender exemplares/ espaços. O distribuidor quer o espaço gratuito, mas em termos que alavanquem seu produto. Obviamente nada disso tem a ver com apuração, pesquisa ou compreensão, e tudo a ver com poder de barganha.

Por conta disso, por exemplo, a quase totalidade do que você está vendo na TV, hoje, à guisa de ?matérias de cinema?, são press kits eletrônicos, versões audiovisuais do popular press-release, produzidos pelos estúdios e distribuidos diretamente aos veículos. E qualquer jornalista que já participou do estranho ritual do junket sabe o quanto ele é orquestrado para produzir o máximo de ruído com o mínimo de informação. E o quanto é desesperador tentar compor uma matéria decente com as pérolas recolhidas sob tão estreita vigilância.

O desequilíbrio pode-se ter tornado tão profundo que a galinha dos ovos de ouro – no caso, a exposição gratuita fornecida pela mídia – ameaça falecer de inanição. Diante da impossibilidade de produzir material decente nas condições vigentes, a cobertura do setor está simplesmente se retraindo drasticamente.

Quem perde? Como sempre, o leitor.”