JORNAL DA IMPRENÇA
“Pecado de Natal”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 26/12/03
“Nosso considerado leitor Caio Aldim de Castro Mourão, do Rio, que não deve ser comunista mas é certamente ateu, enviou a esta coluna o seguinte despacho, no sentido jornalístico e não umbandista do termo:
?Frei Betto, autor de Hotel Brasil, escreve aos domingos em O Dia. Sabemos todos, por uma entrevista dele à Veja, que Fidel Castro não se atreve a falar de assuntos políticos, religiosos e filosóficos sem antes consultar este que também é conselheiro-mor do presidente Lula.
Pois não é que este espírito de alta elevação e luminosidade decidiu ser também mentor do jornalismo brasileiro? Nesta segunda-feira, escreveu em sua coluna, dominical como a santa missa de tantos e tantos leitores:
?Vira e mexe, sou cercado por repórteres à cata de entrevistas. A maioria quer obter informações concernentes ao meu trabalho e às áreas de meu interesse, como Fome Zero, literatura e religião.
Outro dia, reencontrei um tipo de repórter que sempre se faz presente quando se trata de entrevistar políticos ou funcionários do poder público: o que traz, junto à pauta, uma penca de bananas(…)
Não está preocupado em cumprir sua missão jornalística, que consiste em bem informar ao público. Seu objetivo é jogar mais gasolina no incêndio(…)
O bom jornalismo se faz com objetividade, no intuito de informar. Essa, porém, é uma jóia rara(…)?
Agora me diga, considerado: que autoridade tem Frei Betto para ensinar jornalismo, se começa um artigo assim: vira e mexe… O bom jornalismo exige bons textos e o texto do guru de Fidel e Lula é bem ruinzinho.?
Pois é, Caio (ou Caim?…), comete pecado mortal contra o bom jornalismo quem começa o texto com ?Vira e mexe?, e também assim, como se vê por aí afora: ?Foi-se o tempo…?, ?Via de regra…?Fulano mal podia imaginar…? e ?Se fosse vivo, Pedro Álvares Cabral…?.
(Por coincidência, o texto de Frei Betto está transcrito nesta edição de Comunique-se; leia na editoria Em Pauta, sob o título Bom jornalismo.)
O que fazer?
Chamadinha na capa do UOL: Focinhos: o que fazer quando cães do mesmo sexo transam. Janistraquis, que não entende de veado mas entende de cachorro, ficou intrigadíssimo: ?Ora, considerado, o que fazer quando pinta um clima entre dois machos?!?!?!? Mandam os princípios democráticos que a gente simplesmente feche os olhos e deixe os bichinhos exercerem sua opção sexual na santa paz!?.
Uniforme completo
Celsinho Neto, diretor da sucursal desta coluna no Ceará, aceita ternos e gravatas como presente de Natal, embora o verão em Fortaleza esteja de derreter os untos, como diria o Mestre Eça de Queiroz. Eis o despacho do rapaz:
?Não se deve julgar um livro pela capa, tampouco uma pessoa pela roupa que veste. Mas o perseverante Diário do Nordeste nos brindou com o seguinte título de matéria, sobre a contratação de um goleiro pelo Ferroviário Atlético Clube, time do coração de Janistraquis:
GOLEIRO – Ferroviário contrata o bem trajado Clayton.
Ora, mas o homem não vai poder jogar de terno e gravata no gol, vai??.
Meu secretário, intransigente torcedor do Ferrim, garante que a regra fala em ?uniforme completo?. E não existe, no mundo civilizado, uniforme mais completo do que terno-e-gravata. ?Mais completo, somente se o goleiro botar por cima um sobretudo de lã?, acrescenta Janistraquis .
Liberou geral!
Outra chamadinha na capa do UOL: BBC Brasil – Álcool pode causar danos duradouros aos jovens. Janistraquis exultou: ?Considerado, como não somos mais jovens e sim dois velhinhos internados neste ?retiro dos jornalistas? de Cunha, podemos deitar e rolar?.
E, ato contínuo, saiu para comprar aqui perto, na bodega de Geraldo Bernardo, duas garrafas de cana made in Parati pra gente festejar o Natal. ?E o espumante do reveillon??, reclamei; ele, diligente secretário, meteu a mão no bolso, de lá retirou uma caixa de Cebion e apresentou a seguinte justificativa: pior do que a sidra do ano passado, não pode ser.
Aliás, por falar em tais festividades, aproveitamos para desejar aos amigos um 2004 muito melhor do que foi 2003 para Saddam Hussein.
Burras demais
Carmem Valéria, manicure (assim mesmo, em francês) do salão aqui da cidade, onde Janistraquis costuma lavar a peruca, anda furiosa: ?Seu Janis, estou pensando em reunir minhas colegas do Vale do Paraíba para processar a Rede Globo por danos morais e profissionais?, anunciou; e completou, diante da perplexidade do meu secretário: ?Não é possível que existam duas profissionais tão burras como aquelas Darlene e Jacqueline Joy da novela; ora, se as duas querem ser ricas e famosas, por que não dão em cima do Inácio? O rapaz, além de lindo, com aquela cara de tristinho, é neto do dono da revista onde elas querem aparecer!!!?.
Carmem Valéria está coberta de razão. Darlene e Jacqueline Joy não representam, de modo algum, as devotadas e espertas manicures dos salões de beleza do Brasil e Janistraquis prometeu apoio ao movimento das meninas do Vale.
De reservas
Para absoluto e total desprazer de Roldão Simas Filho, diretor de nossa sucursal no Planalto, o Correio Braziliense escreveu: ?54,3 trilhões de pés cúbicos é a quantidade de gás contida nas reservas bolivianas?.
A paciência do mestre, que está no fim das reservas, entrou em cívica combustão:
?Antigamente, a capacidade das geladeiras no Brasil ainda era expressa em pés cúbicos. Hoje, ninguém se lembra disso. O tamanho das geladeiras é dado em litros. Na indústria do petróleo se fixou muito o barril, de 159 litros. Mas, para medir o gás, usa-se o metro cúbico!!!?
Janistraquis concorda e lembra que ?pé cúbico? é expressão feia pra dedéu!
Desenhos e projetos
Como sabem os leitores, Janistraquis anda a organizar nosso arquivo recente e acaba de salvar esta colaboração de nosso diretor paulistano, Daniel Sottomaior:
?Todo mundo sabe que uma mentira, repetida mil vezes, não se torna verdade. Basta meia dúzia de vezes. Em português, ?desenhar? era atividade ligada à produção de desenhos; depois de sucessivas versões do febeapá, o verbo e seu correspondente substantivo começaram a ser usados com o sentido de ?projetar? e ?projeto?. A praga é o correspondente do gerundismo nos altos escalões do mundo da administração.
Em outubro, o caderno de Economia do Estadão publicou declaração do diretor de mídia de uma grande agência de publicidade em que ele mencionava ?planos de mídia desenhados previamente?. E parece que ninguém viu nisso um deslize que devesse ser corrigido para fins de registro.?
Nota dez
O melhor da semana está na coluna do considerado Elio Gaspari em O Globo (http://oglobo.globo.com/jornal/colunas/gaspari.asp), sob o título O reinado do Estagnossauro:
?José Sarney criou um animal notável. Chama-o de Estagnossauro. O senador é muito bem-educado para revelar a identidade dos pais do bicho, mas sabe que ele resulta do cruzamento de sapo barbudo com tucano. O Estagnossauro completou dez anos de domínio da economia brasileira, arruinando-a(…)?.
Errei, sim!
?SIRI EM LATA – Janistraquis se chegou esbaforido, com a Veja escancarada nas páginas amarelas: ?Considerado, o Castor de Andrade botou a boca no trombone e o ex-presidente Figueiredo deve estar mais furioso do que siri em lata de querosene?, avaliou, com expressão de terror nos olhos. Eu quis saber o motivo de tal alarido e lá estava, no último parágrafo da entrevista do bicheiro ao editor especial Marcos Sá Corrêa: ?(…) O filho de meu sócio, Osório Costa, casou-se com Johnny, filho do general Figueiredo?.
Sabemos que o universo gay é cheio de surpresas, como o sorteio do jogo, porém a inconfidência do poderoso banqueiro deve ter explodido como um obus no colo do general. ?Vai sobrar pro Castor?, suspirei. Janistraquis foi além: ?Considerado, a revelação é de tal maneira chocante que vai sobrar também pro Marcos Sá Corrêa, Paulinho Moreira Leite, Tales Alvarenga, Mário Sergio Conti e, se não abrirem o olho, até Roberto Civita entra nessa!? (dezembro de 1994)”
MERCADO EDITORIAL
“Ano de edições magras”, copyright Jornal do Brasil, 26/12/03
“Para o mercado editorial brasileiro, 2003 foi uma ilha de crise cercada por escassas ondas de alívio. A principal delas, representada pela manutenção do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), criado na gestão FH e responsável, só em 2003, pela compra de 8 milhões de coleções de livros. Outras marolas de otimismo vieram em eventos – da boa e velha Bienal do Livro no Rio de Janeiro à nova Festa Literária de Parati, passando pelas já tradicionais Primavera dos Livros e Jornada Literária de Passo Fundo. Foi também um ano de especulação e movimentação do mercado, com a chegada ao Brasil do grupo espanhol Planeta, e com a disputa por títulos e autores. O best-seller Paulo Coelho, por exemplo, concretizou a saída da Objetiva e a volta à Rocco, sua antiga editora, com o lançamento de Onze Minutos , em abril.
Recentemente, o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e a Câmara Brasileira do Livro (CBL) divulgaram uma pesquisa de mercado que fornece um panorama de produção e vendas de 1990 a 2003. Desde 2000, o número de títulos produzidos vem caindo sistematicamente. Em termos de vendas, as evidências também não são animadoras: em 2002, mais de 320 milhões de exemplares foram comercializados. Até a metade deste ano, as vendas não passavam de 82 milhões. Conclusão: para conseguir chegar ao patamar do ano passado, vai ser preciso vender muito até o fim deste mês.
A seta do mercado está apontada para baixo. Mas se toda regra tem sua exceção, neste caso o nome dela é Sextante. Os editores da jovem empresa não têm do que se queixar. Há apenas quatro anos em atividade, a editora – que começou fazendo livros de arte – vem chamando atenção pela presença quase constante nas listas de mais vendidos, com livros de auto-ajuda, como A dieta de South Beach, de Arthur Agatston, febre de vendas no fim do ano. A empresa este ano retomou o lançamento de projetos pouco comerciais, como o fotográfico Montanhas do Rio, de Marco Terranova, e a elogiada trilogia Diário da cidade amada – Rio de Janeiro, 1922, de Antonio Bulhões.
– Somos exceção porque temos estratégia bem definida. Continuamos publicando poucos livros e todos com qualidade gráfica – comemora o editor Marcos Pereira.
Em grandes e pequenas editoras, lançamentos de séries e coleções chamaram atenção. Foi o caso da Liberty Classics, coleção americana que há décadas publica clássicos do pensamento ocidental (com autores como Johannes Althusius e Irving Babbitt) e que este ano chegou ao Brasil por meio da Topbooks. Outro exemplo é o prosseguimento da série As ilusões armadas (Companhia das Letras), de Elio Gaspari, sobre o regime militar, que chegou ao 3? volume em 2003.
No começo do ano, o grande assunto das rodas literárias era a chegada ao país de uma empresa espanhola, o Grupo Editorial Planeta. Seria a primeira incursão de uma companhia estrangeira no mercado editorial brasileiro. E não era qualquer empresa, e sim a líder do mercado em toda a América Latina, um dos 10 maiores conglomerados editoriais do mundo.
Faturamento baixo, vitórias simbólicas
Por tudo isso, houve quem fizesse prognósticos sombrios, temendo que a empresa passasse a ditar uma política predatória para a área.
A Editora Planeta, braço brasileiro da companhia, mostrou a força esperada. Em oito meses, foram 57 lançamentos, 34 deles de autores brasileiros. Alguns foram selecionados no cast de outras editoras, como Adriana Falcão, Claudia Tajes e Marcel Souto Maior – este último, há seis meses na lista de mais vendidos com As vidas de Chico Xavier. A editora também lançou Memórias inventadas: a infância, primeira obra em prosa de Manoel de Barros, estrela do elenco da Record. Mas, na opinião do editor Paulo Roberto Pires, os temores do mercado se mostraram sem fundamento.
– Não houve distorção do padrão brasileiro. Apenas tentamos fazer apostas que nos diferenciassem. Os destaques ficaram por conta de autores estrangeiros pouco conhecidos, livros antigos que não tinham novas edições e jovens autores nacionais – explica Paulo Roberto.
Outra grande editora que virou alvo de especulação foi a Nova Fronteira. Mas por motivações bem diferentes. Depois de 28 anos, o grupo não conseguiu renovar o contrato que lhe dava direito a publicar o seu carro-chefe, o dicionário Aurélio. Com 40 milhões de exemplares vendidos, o best-seller será publicado pelo grupo paranaense Positivo, que produz material didático. Há quem diga até que a empresa esteja à venda. Rumores negados, é claro, pelos funcionários. Segundo eles, a Nova Fronteira fechará o ano no azul, embora as vendas tenham caído 6%. A editora já está trabalhando no projeto de um novo dicionário.
As pequenas editoras também sofreram para se sustentar num mercado tão debilitado. Mas se no orçamento as coisas ainda não estão azuis, é possível tirar resultados positivos do ano que acaba. Para algumas empresas jovens, como a Livros do Mal, a Landy e a Landscape, o período significou a entrada definitiva no circuito de distribuição.
– Não é fácil vender num mercado que tem 3 mil editoras e 1.500 livrarias. A editora ainda não se tornou rentável. Mas entramos nas grandes redes de livrarias – comenta Uri Horpaczky, da Landscape.
Em muitos casos, a entrada nas livrarias se dá graças a publicação de best-sellers. Foi assim com a própria Landscape, que publicou O informante, de Kurt Eichenwald, e com a Editora Francis, que teve um triunfo com Stupid White Man, de Michael Moore.
– Se há algo de bom no meio editorial é que ele é democrático. Uma pequena editora pode estourar com um best-seller a qualquer momento. E uma grande pode amargar meses fora das listas – observa o editor da Landy, Antonio Daniel Abreu.
A opinião de que o meio é democrático não chega a ser consenso. Para os representantes da Liga Brasileira de Editoras – que congrega 74 pequenos grupos – isso só poderá ser afirmado quando a disputa para ser uma das 24 empresas participantes do PNBE for mais justa. Este ano, a Liga lutou para mudar os critérios de seleção, que, segundo eles, privilegiam as mesmas editoras. Depois de enviar uma carta de protesto ao ministro da Educação, Cristovam Buarque, o editor da Estação Liberdade Angel Bojadsen, presidente da Libre, comemora uma boa notícia: está agendada uma reunião com o ministro em 6 de janeiro. Apesar dos altos e baixos, ele garante que o saldo do ano foi bom:
– Fizemos um estande único com todos os nossos membros na Bienal. E acabamos de abrir inscrições para novas afiliadas.”
“Meio literário viveu em polvorosa”, copyright Jornal do Brasil, 26/12/03
“O ano de 2003 registrou uma movimentação da vida literária no país sem precedentes nas últimas décadas. Para o bem e para o mal.
Foi um ano memorável pelas oportunidades de aglutinação que criou: festivais de literatura, como os de Parati e Passo Fundo; ciclos, como as Rodas de Leitura do Centro Cultural Banco do Brasil; grandes eventos, como o Café Literário da Bienal do Livro e a Primavera dos Livros. Uma profusão de revistas literárias, como a Ácaro, Agulha, Azougue (só para ficar na letra A); sites, como o www.literal.com.br e o www.traçaonline.com.br, e ainda os blogs aproximaram escritores de leitores e de seus próprios pares.
Mas o ano também foi marcado por manifestações, brigas, abaixo-assinados, discussões públicas e até processos judiciais de escritores revoltados com críticas negativas.
O fato é que a integração de tantos egos – rara em tempos que se orgulham de proclamar o fim dos grandes movimentos artísticos e enaltecem a criação solitária – gera tanto amizades quanto inimizades. Antes restritas aos poetas (o mais aguerrido dos tipos literários), as polêmicas se espalharam por todo o meio literário.
Algumas são antiquíssimas e só servem para chutar cachorro morto. Como acreditar que haja quem ainda divida o mundo entre concretistas e os outros? Reeditou-se também a velha briga provincianos (ou periféricos, para usar um jargão acadêmico mais atual) versus eixo do mal (Rio-São Paulo), onde qualquer escritor e crítico medíocre supostamente contaria com visibilidade maior do que em outras capitais a Norte e a Sul do país.
A heterogênea geração 90, que em comum tem o fato de ter sido reunida em duas antologias e numa edição da revista PS:SP, todas organizadas por Nelson de Oliveira, foi alvo de críticas gerais. Principalmente, dos surrealistas (há quem se surpreenda com o fato de que ainda existam), que, revoltados com a menção pouco honrosa ao movimento na introdução de Geração 90: os transgressores, resolveram organizar piquetes em todas as apresentações do escritor.
E não foram só eles. Excesso de realismo, fruto de marketing, panelinha – sobrou para a geração 90 um bocado de críticas, velada ou explicitamente veiculadas nos jornais. Mal se firmaram, ganhando a atenção dos críticos, espaço na mídia, estudos nas universidades e alguns leitores, seus autores sofrem agora os ataques de uma nova geração, que deixa os blogs para as páginas impressas.
Não é à toa que, em As regras da arte, o sociólogo Pierre Bourdieu define a vida literária como um jogo, em que certas palavras, como armas, apostas e lutas, não soam estranhas. As diferenças e afinidades se dariam segundo o grau de consagração, de geração artística, de localização geográfica, de capital intelectual e até mesmo de estratégias de afirmação.
E, neste último item, está o ponto negativo da polêmica: quando seu autor usa a crítica como escada, subindo nas costas de nomes consagrados para aparecer, quando dispara calúnias a torto e a direito sobre coisas e pessoas que não conhece, revelando apenas a desinformação típica de um outsider, deixa de ser apenas um cabotino para se tornar um alpinista intelectual. E, desses, o meio intelectual brasileiro mostrou em 2003 que está cheio. Literalmente.”