Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Moacir Japiassu

JORNAL DA IMPRENÇA

"Saudade da boa e velha Folha", copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 24/04/03

"Quando se dedicava a podar os galhos ressequidos das buganvílias aqui do sítio, numa dessas friorentas tardes outonais que nos amortalham o espírito, Janistraquis largou a tesoura e exalou, num suspiro profundo: ?Considerado, bateu saudade da Folha de S. Paulo…?. Respondi que eu também me sentia ermo daqueles tempos em que, numa passada d?olhos, recolhíamos maravalhas para abastecer pelo menos seis meses de coluna. Confesso que ?Perdão, Leitores!?, a pioneira, nascida nas páginas da revista Imprensa em 1987, jamais teria existido sem os textos deliciosamente modernos e, por que não dizer, bizarros, da saudosa Folha.

Pois vejam os leitores quão generosa é a vida! Nem bem trocávamos o jardim pelo escritório e de repente nos chega pela Internet um ?olhinho? com o sabor dos velhos tempos, exumado que fora das páginas do caderno Cotidiano por nosso colaborador Rodrigo Pinotti. Horrorizado, o leitor deparou com esta obra-prima do moderno jornalismo, que o editor havia sepultado debaixo do título Ação de PMs em 2 mortes é investigada: ?Mortos sumiram após saírem para furtar empresa, disse a irmã de um deles?.

Ao contrário da arrepiante sensação que apunhalou o jovem Pinotti, nossa reação foi de genuíno encantamento, que Janistraquis extravasou: ?Considerado, é preciso acreditar, acreditar sempre; tenho certeza de que a Folha jamais nos abandonará!?.

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Tugindo e mugindo

O leitor Paulo Renato Coelho Netto, de Campo Grande (MS), diz que os críticos de hoje adoram meter o pau na televisão, porém não viram (ou esqueceram) as barbaridades d?antanho, como esta de um telejornal da falecidíssima TV Manchete, capaz de despertar o mais sonolento telespectador matinal: uma esperta repórter entrevistava o veterinário sobre congelamento de sêmen de touros e inseminação artificial, quando resolveu botar o chamado fecho de ouro na matéria: ?Com relação ao sêmen do boi, o telespectador já entendeu tudo. Só mais uma perguntinha, doutor, e o sêmen da vaca, dá pra congelar também??. Juro que fiquei mais perplexo do que o Coelho Netto e o veterinário, porque a besteira passou pelos editores e foi pro ar! Janistraquis, veterano de outras vaquejadas, arriscou: ?Consideradíssimo, quando abriram a porteira para a passagem de sêmen de boi e de vaca, o pessoal da emissora certamente queria que a repórter fosse mugir noutro pasto…?. É, convenhamos, criativo método para se passar o rodo em alguém.

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Enforcado

Pergunta da apresentadora Eliana, no cantinho alto, à direita de quem olha, bovideamente, a página de abertura do UOL: ?Você sabe quem foi Tiradentes? Descubra aqui?. Estranhei ao flagrar a visita de Janistraquis ao site da moça, um site por sinal bem arrumadinho, mas ele explicou o tresloucado gesto: ?A gente nunca sabe, considerado; você não se lembra do título daquele jornal de Caruaru? — ?Luís Alves de Lima e Silva, o Tiradentes…?. (Esclareço que a excrescência em questão foi expelida pelo próprio Janistraquis, num doloroso episódio que ele não procura esquecer).

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Mira Policial

A coluna recebeu a revista Mira Policial, que pretende acender poderosos holofotes sobre a questão da segurança pública de São Paulo, segundo o editorial de lançamento. Todavia, precisa ser lida no país inteiro e além dos muros dos quartéis e delegacias; afinal, como lembra Janistraquis, ?é preciso acabar com esta veadagem de que polícia é sempre ruim – polícia não tem ideologia!?. É isso; não se pode repetir as ?verdades? da bandidagem, como nos ensinam José Luiz da Trena e o escrivão-apresentador Milton Neves.

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Nota dez

Recebemos nove indicações para melhor da semana (vamos aumentar esse número, pessoal!) e escolhemos este trecho da coluna de Roberto Pompeu de Toledo em Veja:

?(…)Se a guerra se iniciasse com uma ?Operação Decapitação?, as chances de sucesso seriam maiores que no Iraque. No Brasil só há duas residências presidenciais, o Alvorada e o Torto. Se um Tomahawk mirasse bem na

churrasqueira do Torto, nem precisaria destruir o resto. O palácio já estaria desativado(…)?.

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Errei, sim!

?VADE RETRO! – Do Jornal do Brasil, numa caudalosa exegese cuja vítima era o falecido Austregésilo de Athayde: ?(…) Aos cinco anos de idade, por exemplo, era capaz de declinar qualquer verbo em latim?. Janistraquis, que foi seminarista junto com Sebastião Nery e PC Farias, observou, sem piedade: ?Verbo não se declina, conjuga-se?. Verdade; o que a gente declina é declinação!?. (outubro de 1993)"

 

LIBERDADE DE IMPRENSA

"Liberdade de imprensa: atacada e aprisionada", copyright Revista do Terceiro Setor (http://www.rits.org.br/), 25/4/2003

"Nem argumentos, nem a razão. Tiros e prisões são o que tem silenciado jornalistas ao redor do mundo. Especialmente aqueles que se arriscam a cobrir situações de conflito ou criticar abertamente regimes que cerceiam as liberdades dos indivíduos. Assim, suas próprias liberdades são limitadas; assim, uma outra liberdade – que de certa forma pertence e afeta a todos – é tolhida: a liberdade de imprensa. Há recentes exemplos que chamaram a atenção da opinião pública mundial: os jornalistas mortos em ataques no dia 8 de abril em Bagdá, capital do Iraque, e as condenações de 28 jornalistas por parte do governo cubano, no dia 7 de abril, entre mais de 70 dissidentes.

No entanto, a privação do direito de a imprensa se expressar livremente não é fenômeno recente. Episódios antigos são exemplares, como o caso clássico do jornalista brasileiro Vladimir Herzog, encontrado morto por enforcamento dentro de uma prisão, durante os anos de ditadura no Brasil. O fato foi interpretado por muitos como uma clara investida contra a liberdade do jornalista se expressar. Além disso, atualmente, diversos países permanecem com práticas correntes de repressão à liberdade de imprensa e expressão. A China é um dos maiores exemplos da atualidade, junto com Cuba. Por exemplo, dos 127 jornalistas que estão presos atualmente e foram detidos por estarem exercendo sua profissão, 11 são chineses. Uma outra estatística dá real noção do que acontece com a liberdade de expressão chinesa: dos 49 ciberdissidentes (pessoas que expressam suas críticas a um regime, difundem informações e propõem mobilizações através da Internet) presos em 2003, 38 são chineses. Os dados são de um levantamento feito continuamente pela organização de origem francesa Repórteres Sem Fronteiras (RSF). As informações estão atualizadas, contabilizando aprisionamentos de anos anteriores até as ocorrências de abril.

Além de China, o Irã também tem um histórico de repressão – na contagem dos RSF, dos 127 jornalistas presos, 10 são iranianos -, assim como o Nepal, que tem 11 jornalistas presos do total contabilizado pela organização francesa. A estas se somam muitas outras nações. O próprio governo de Saddam Hussein reprimia a imprensa crítica e independente, fazendo veicular somente os noticiários e veículos da imprensa oficial.

O caso do Hotel Palestina: explicação incoerente

Apesar de, como se vê, ser prática comum em alguns lugares, a discussão sobre liberdade de imprensa e de expressão voltou à cena depois dos recentes fatos no Iraque e em Cuba. No caso do disparo de um tanque norte-americano contra o Hotel Palestina, a razão pela qual ele ganhou rápida notoriedade é óbvia. Lá estavam, duplamente, os olhos do mundo: o hotel fica no centro de Bagdá, onde se desenrolavam momentos cruciais do conflito empreendido pela coalizão anglo-americana contra o país de Saddam Hussein. E nesse hotel estava hospedada a grande maioria dos profissionais de imprensa que cobriam a guerra no país – os olhos, canetas e câmeras que transmitiam, e ainda transmitem, ao mundo o dia-a-dia na zona de conflito. Ao fazerem isso, representam, mesmo involuntariamente, um empecilho para tropas, comandantes, ditadores ou mesmo saqueadores nos locais de guerra. O saldo do disparo contra o Palestina foi a morte de dois jornalistas – um da agência de notícias Reuters, o ucraniano Taras Protsyuk, e outro da TV espanhola Tele 5, José Couso.

No mesmo dia 8 de abril, o escritório da TV Al-Jazeera em Bagdá foi atingido por um míssil vindo de um ataque aéreo de tropas americanas. O repórter jordaniano Tarek Ayoub foi morto. Apesar de a direção da Al-Jazeera, originária do Qatar, ter informado ao comando norte-americano, no início do conflito, sobre a localização de seu escritório na capital iraquiana e ter colocado faixas com identificações na parte externa do prédio, os mísseis inteligentes parecem ter errado.

Essa presença massiva da mídia que se propôs a cobrir independentemente a guerra no Iraque pode ter sido o motivo pelo qual disparos foram feitos contra o Hotel Palestina e o escritório da TV árabe na capital iraquiana foi bombardeado. Porém a justificativa oficial do comando militar norte-americano para o incidente no Hotel Palestina é de que disparos haviam sido feitos do lobby do hotel em direção ao tanque, que revidou. Nenhum repórter, entre as dezenas de jornalistas que acompanhavam do hotel as manobras do tanque na ponte sobre Rio Tigre, ouviu os disparos alegados pelos EUA. O tanque, no entanto, atirou em direção ao 15? andar, onde ficava o escritório da Reuters. O lobby fica no primeiro piso. Posteriormente, o comando militar norte-americano afirmou que haviam sido disparados tiros contra o tanque, e que o hotel poderia estar sendo usado por milicianos, sem especificar de que parte do hotel teriam vindo os tiros. No caso do escritório da TV Al-Jazeera, a explicação para o míssil seria que o prédio em que ficava a sede da TV é situado perto do Ministério da Informação iraquiano, ou seja, perto de um alvo militar.

As críticas e interpretações mais imediatas daqueles que não acreditaram nas explicações norte-americanas são a de que os disparos foram um recado nada sutil para os jornalistas que não estavam acompanhando as tropas americanas (nesta guerra, os EUA permitiram pela primeira vez que jornalistas acompanhassem suas tropas e, assim, ficassem protegidos), no sentido de alertá-los para terem cuidado com o que relatam. Ou seja, para pensarem duas vezes ao criticarem as ações e investidas norte-americanas. No dia 9 de abril, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) emitiu nota de repúdio aos acontecimentos no Iraque. O presidente da organização, Fernando Segismundo, classifica o ocorrido como crime de guerra: ?Não foi acidente, mas crime de guerra o ataque das forças anglo-americanas aos jornalistas a serviço em Bagdá?.

Para o diretor para as Américas dos Repórteres sem Fronteiras (RSF), Regis Bougeat, ?não é aceitável o ocorrido no dia 8 de abril em Bagdá. Eles sabiam onde os jornalistas estavam. Nós dos RSF havíamos enviado carta ao comando norte-americano informando onde estariam os jornalistas e pedindo que não atirassem nesses locais. Além disso, não houve uma resposta satisfatória do Pentágono quanto aos tiros?, afirmou Bougeat à Rets. Segundo ele, os governo dos EUA parecem ter ?duas lógicas? ao tratar a imprensa, no que se refere ao conflito do Iraque. Uma dentro do seu país, onde a imprensa pode criticar livremente a política do secretário de defesa americano, Donald Rumsfeld. E outra para fora, nos campos de batalha, onde, segundo Bougeat, parece que aqueles jornalistas que não estão protegidos – ou seja, não estão junto com as tropas americanas – não são bem-vindos.

As condenações em Cuba

A delicadeza das condenações de dissidentes em Cuba é tão grande quanto a investida da coalizão anglo-americana contra o Iraque. Por envolver questões políticas; por, dependendo das reações da comunidade internacional, poder gerar novos conflitos armados externos; etc. Mas, do ponto de vista da liberdade de imprensa, as condenações são desanimadoras por perpetuarem no regime cubano a repressão àquelas pessoas que ousam expressar seu desacordo com o regime de Fidel Castro. Mais de 70 pessoas foram condenadas, das quais 28 são jornalistas.

Ninguém pode dizer que de Cuba não se esperava tal procedimento. Como é apontado pelos defensores do regime cubano – ou por aqueles que querem atenuar as reações às condenações -, os julgamentos foram efetuados em concordância com as leis do país. Portanto, sob este ponto de vista, era esperável. O que não se pode dizer, no entanto, é que a condenação de mais de 70 pessoas – algumas pelo simples fato de expressarem suas opiniões contrárias ao regime castrista – respeita os direitos humanos ou qualquer um dos documentos que os protegem – como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, elaborada em 1948 pela ONU, organização da qual Cuba é membro.

A maioria dos jornalistas condenados em Cuba foi sentenciada a mais de 20 anos de prisão. Um dos principais nomes entre os condenados é o do jornalista e poeta Raúl Rivero, diretor da Cuba Press. Ele e outros profissionais de imprensa cubanos fazem parte de um movimento que se iniciou na ilha por volta de 1995, quando decidiram não colaborar mais com a imprensa oficialista e se uniram neste novo movimento, que hoje em dia vem sendo chamado de ?imprensa independente?. ?O regime cubano, é óbvio, tentou impedir, mas desde o início conseguimos o apoio de organizações de defesa dos jornalistas e da liberdade de imprensa?, lembra Nancy Pérez-Crespo, diretora da organização Nueva Prensa Cubana, sediada nos EUA, que defende a liberdade de imprensa na ilha. ?Com esse movimento, os jornalistas que se rebelaram produziam conteúdos somente para o exterior, pelo fato de o governo ter o monopólio de todos os meios de difusão do país?, completa Nancy.

Desde 1995, o grupo de jornalistas que integra o movimento ?imprensa independente? vem sendo alvo de apreensão de materiais e equipamentos de trabalho (desde gravadores e máquinas de escrever até folhas de papel em branco) e de ameaças tanto contra si próprios quanto contra seus familiares. Muitos tiveram que se exilar para não serem presos. Segundo a diretora da Nueva Prensa Cubana, calcula-se que cerca de 40 jornalistas independentes tenham sido obrigados a sair do país. Para Nancy, estas condenações ?evidenciam, uma vez mais, a verdadeira natureza repressiva e criminosa desse regime?.

Para Regis Bougeat, dos RSF, existe uma questão de política internacional muito grande envolvida: ?O que permite ao governo cubano prosseguir com ações como essa é a boa imagem e o apoio de que Cuba goza entre os países da América Latina e alguns da Europa. Agora, com a quantidade de condenações e a dureza de algumas delas, o regime de Fidel Castro pode perder em legitimidade?. De fato, ao longo dos últimos 13 anos não aconteciam condenações tão severas como as recentes. ?Possivelmente, um dos últimos processos em que pessoas foram condenadas a fuzilamentos e longas sentenças foi em 1989, durante o célebre caso do general Arnaldo Ochoa. E prisões em massa não se davam desde 1997?, relata Nancy. Segundo ela, só a solidariedade poderá impedir que novas condenações como essas se repitam e povo de Cuba possa vislumbrar mais liberdade de expressão no futuro. ?Eles são acusados do delito de ?escrever?. Este fato de condenar tantos jornalistas, escritores, bibliotecários, ativistas de direitos humanos, sindicalistas e opositores pacíficos é uma aberração legal que o mundo não deve tolerar de Castro. É hora para a população mundial atuar e ser mais solidária com os cubanos, que durante mais de quatro décadas têm vivido sem liberdades, sob um regime totalitário, que não admite nem oposição, nem dissidências. Para o povo cubano, agora é a hora?.

Apesar de ocorridos em contextos diferentes, os assassinatos de jornalistas no Iraque – e suas imediatas associações com a restrição da liberdade de imprensa – e as condenações em Cuba encerram uma reflexão importante: o quanto o comprometimento da liberdade de imprensa afeta os próprios países e sociedades. A julgar pelas práticas ainda correntes de repressão a veículos de informação em alguns países e pelas tentativas – veladas ou não – de calar repórteres cobrindo situações de conflitos, o efeito da imprensa parece crucial. Pois pode mostrar realidades que se pretende esconder, revelar verdades que se procura negar, provocar críticas e formar opinião. Ao fazer isso, pode fazer com que os cidadãos se mobilizem para buscar mudanças, provocar transformações, derrubar regimes e parar guerras."