QUALIDADE NA TV
ASPAS
TV PAGA
"As novas heroínas da TV", copyright Valor Econômico, 20/4/2001
As heroínas de seriados da TV que desfilavam em maiôs-uniforme colados ao corpo, namoravam super-heróis e faziam parte do seleto grupo de freqüentadores da Liga da Justiça morreriam de inveja. As legítimas sucessoras da Mulher Maravilha e da Bat Girl acompanham as últimas tendências das passarelas e das ruas, enquanto bebericam drinques chiques em restaurantes do momento, preferivelmente ao lado de bonitões desprovidos de superpoderes. As novas vitaminadas da telinha se esbaldam em figurinos de grife e alternam modelitos mais provocantes – acompanhados por um salto agulha – e jeans, camisetas e um tênis básico. As preocupações também mudaram. Elas não querem mais salvar o universo, afinal, consertar os desarranjos do cotidiano já dá trabalho e dor de cabeça. Cosmopolitas, mães recém-separadas, advogadas anoréxicas, policiais abduzidas, o universo de heroínas, hoje em dia, é extenso. Das sedutoras bruxinhas de ?Charmed? à insegurança charmosa da supermãe Lily – interpretada por Sela Ward, vencedora do Globo de Ouro de melhor atriz de drama em TV – , de ?Once and Again?, há mulheres para todos os gostos. É impossível não se identificar ou não gostar de alguma delas."
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"O policial expõe suas vísceras", copyright Valor Econômico, 20/4/2001
"Naquela atmosfera IML de autópsias ao vivo, vísceras expostas, esqueletos pendurados, cérebros em processo de vivissecção e fetos in vitro, ?C.S.I.? conta mais do que aventuras arrepiantes. É a ?detective story? que tem o futuro inscrito no código genético de sua narrativa.
Em lugar da ?egotrip? palavrosa de Sherlock Holmes ou do quebra-quebra protagonizado por agentes-brucutus a Bruce Willis, impera em ?C. S. I.?, o show impessoal e desidratado da alta tecnologia anticrime. A era do DNA impõe rito ?cool? para a práxis investigativa. Se você é filho de seu pai – duas gotinhas de sangue e tudo logo estará esclarecido. Não há intuição, por brilhante que seja, que se compare ao que pode realizar um laboratório de ciência aplicada. ?Siga as evidências e esqueça o resto?, aconselha um detetive-sênior.
A televisão, afinal, sintonizou a pista que a literatura ?up-to-date? vinha, por escrito, deixando. Pense em autores como James Elroy e Patricia Cornwell. Os personagens deles exalam a putrefação física e moral do mundo em que chafurdam. São, digamos, mortos-vivos. Não por acaso, a heroína de Ms. Cornwell vem a ser a Dra. Kay Scarpetta, médica legista.
Sam Spade (de Dashiel Hammett) e Philip Marlowe (de Raymond Chandler), os clássicos detetives da América, eram cruéis, mesquinhos, cínicos e a compaixão não cabia em seu horizonte afetivo, mas há uma aura charmosa a coroar seu reinado lógico. Hercule Poirot, Arsène Lupin, Adam Dalgliesh, o inspetor Maigret… o detetive de velha cepa é – com a possível exceção de um economista argentino – a criatura mais convencida do mundo de sua infalibilidade e de seu superior poder de dedução.
Agora, não. O que existe é a realidade tétrica como a do fantasma que persegue Elroy: a mãe cruelmente assassinada, o cadáver decomposto descoberto num lote baldio (no impiedoso relato autobiográfico de Meus Lugares Escuros), inspira a abertura ficcional macabra de Dália Negra. Não há mais fronteira entre o pesadelo e o desastre.
?C.I.S.? é esse mundo sem fronteira, a própria imagem da ?strip? de Las Vegas resplandecendo em luzes, assaltantes, prostitutas solertes swingando entre convencionais do Rotary, e, à guisa de protagonista, uma loira recendendo a formol e à flagrância Giorgio de Beverly Hills. O thriller das narrativas paralelas sempre continua no próximo capítulo.
Da cinzenta Baker Street aos becos escatológicos da capital do bacará, o romance policial investigativo percorreu uma distância comparável à que levou de ?A Origem das Espécies? de Charles Darwin à decifração do genoma humano. Chega de falação, vamos às evidências. Debruçado sobre um vaso sanitário, o herói cata detritos. Imagina só se Nero Wolfe, destrinchador de crimes sórdidos tanto quanto de finas iguarias, se rebaixaria a tanto."
"As sitcoms, um bom caminho a seguir", copyright Jornal da Tarde, 19/4/2001
"Em televisão, o que é bom para os Estados Unidos pode ser bom para o Brasil. Falo das sitcoms, neologismo do inglês que se vai metendo pela língua portuguesa brasileira, procurando um jeito de ficar. Resume e significa comédia de situações. Um gênero de dramaturgia que nasceu para a televisão, a partir dos anos 50, nos EUA. Sua característica básica é retratar com humor o modo de vida de um segmento da sociedade, confrontado com o momento histórico. Tem algo da comédia de costumes do fim do século 19 e começo do 20. Mas nada ficou da linguagem daquele gênero teatral. Sitcom é pura tevê.
O canal pago Globo News apresentou na madrugada de ontem, no programa Almanaque, uma resumida história do gênero, a propósito do livro Sitcom, da jornalista Fernanda Furquim, entrevistada por Maria Beltrão. A autora fala das primeiras séries do gênero, desde I Love Lucy, do início dos anos 50, até as recentes, como a inteligente Seinfeld e a divertida The Nanny.
Estas séries são o prato preferido dos jovens dos 20 aos 35 anos que assistem ao canal Sony. Durante 24 horas, o canal exibe umas 20 séries, das quais pelo menos a metade é uma sitcom clássica. O nível nem sempre é excelente, mas a média é boa. É como se eles exibissem umas dez A Grande Família por dia. E ainda há coisas do gênero nos canais Fox e Warner.
Segundo a autora, até séries aparentemente ingênuas e não politizadas, como I Love Lucy ou Jeanie É um Gênio, retratam mudanças políticas, sociais e comportamentais nos EUA. Lucy é uma mulher do pós-guerra que quer mudar sua situação na sociedade, quer ser um agente social e não mais dona de casa.
Jeanie é a primeira mulher solteira a viver na casa de um homem. A Feiticeira é uma tentativa de adaptação de diferentes, ligados pelo amor, e traz pela primeira vez um casal que dormia em cama de casal, coisa impensável até então nos puritanos lares americanos. E assim vai, até os tempos modernos, em que a sexualidade pós Woody Allen e até a homossexualidade freqüentam livremente as histórias.
A matéria de Almanaque não aprofunda a discussão do gênero. Por exemplo, por que a cultura anglo-americana produziu as &aacuaacute;geis comédias de situação, enquanto a cultura hispano-americana enveredou pelo beco sem saída da telenovela? Duas teledramaturgias de grande consumo popular que talvez possam ser explicadas pelas culturas das matrizes culturais. Traços das origens podem ser pesquisados. A tradição folhetinesca francesa influenciando as literaturas espanhola e portuguesa; a tradição social da literatura inglesa criando ramificações na América. A religião como norma para os protestantes e como drama para os católicos ibéricos.
Mas eu dizia no início que o gênero sitcom poderia ser bom para a tevê brasileira. Poderia. Basta ver os resultados obtidos com A Grande Família, da Rede Globo. Até A Família Trapo, que era mais puxada para o humorístico, poderia ser um caminho melhor do que as Escolinhas e Zorras que andam por aí. A Band fez duas tentativas no ano passado, uma delas boa. A Globo tem outros projetos em pauta. Agora, o SBT, que está reestruturando seu departamento de teledramaturgia, estuda uma parceria com a Disney para produzir sitcoms. Tomara que dêem certo. O gênero, ágil, rápido, dinâmico, e que caminha no mesmo passo que a sociedade, poderia ser um caminho de renovação para dramaturgos e atores.
Freyre
Não deixem de assistir a mais um programa da série Casa Grande & Senzala, realizada pelo cineasta Nelson Pereira dos Santos, que o GNT está apresentando às 22h30. A biografia do autor desse poderoso livro da sociologia brasileira, Gilberto Freyre, foi brilhantemente contada pelo professor pernambucano Edson Nery da Fonseca, de um verbal e de uma verve incomparáveis, no primeiro programa, terça-feira. Andaram, ele, o cineasta e uma bonita morena a quem Nery contava a história de Freyre, por lugares como a Universidade de Colúmbia, nos EUA, de Oxford, na Inglaterra, de Coimbra, em Portugal, de Heidelberg, na Alemanha. Os programas de ontem e de hoje falam mais do conteúdo da obra. Voltarei ao assunto."
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