“ESTOU PARA MORRER. PODEM PUBLICAR”
"O engenheiro Covas", copyright O Globo, 17/01/01
"‘Os médicos não imaginam o bem que a inauguração de uma obra me faz. Nós passamos anos comendo pedra e pirão de areia. Agora que pusemos as finanças de São Paulo em ordem, que temos R$ 4,8 bilhões em obras para inaugurar este ano, não vou deixar que outros as inaugurem por mim’, disse-me o governador Mário Covas no helicóptero que nos levou de São José dos Campos para São Paulo.
Na véspera, Covas passara quatro horas sob anestesia geral no Incor, fazendo uma tomografia de corpo inteiro para saber se o câncer atacara algum outro órgão. É desgastante para qualquer pessoa. Além da fadiga natural do exame, estava atormentado por uma dor de cabeça constante, decorrente de uma hipertensão craniana. Os médicos, como é lógico, recomendaram que passasse em repouso os dias seguintes, um fim de semana. Os remédios aliviaram a dor de cabeça e o voluntarismo do governador fez o resto. Na manhã seguinte, à hora marcada, em companhia do vice-governador Geraldo Alckmin, estava em São José dos Campos inaugurando a ligação das rodovias Presidente Dutra e Carvalho Pinto, que facilita o acesso ao Litoral Norte. A obra custou R$ 25 milhões.
Na volta, em vez de ir diretamente para o Horto Florestal, onde fica a casa de veraneio dos governadores integrada num grande terreno da Polícia Militar, mandou o piloto sobrevoar obras viárias em andamento, como o Rodoanel, que deveria ser em parte financiado pelos governos federal e municipal. Como a prefeitura não entrou com um tostão, o estado está arcando com 75% dos custos. São R$ 740 milhões só no trecho inicial, prestes a ser inaugurado, uma das maiores obras em andamento no país.
Covas, com olhar de engenheiro, transmitia ordens para que voássemos mais baixo, voltássemos um trecho, enfim, víssemos as obras com mais detalhes. Fez questão de sobrevoar os pátios ferroviários de manobras, para que víssemos os trens espanhóis que importou para dar mais conforto aos moradores da periferia da capital. Depois voamos sobre o trecho da Castelo Branco que está sendo duplicado até Alphaville, o condomínio dos novos ricos de São Paulo, equivalente aos condomínios da Barra da Tijuca no Rio, reinado dos emergentes. Comentou ele:
– Vamos inaugurar essa duplicação no dia de São Paulo, 25 de janeiro. Mas vamos cobrar pedágio, porque os usuários dessa estrada, que aliviará os engarrafamentos, podem pagar sem aperto.
Segunda-feira Covas pagou uma dívida de séculos: entregou títulos de propriedade a duas comunidades negras, sucessoras dos quilombos, que se abrigaram na geografia inóspita do Vale da Ribeira enquanto durou a escravidão. Ainda que sua atenção esteja voltada principalmente para as obras e a administração do estado, também faz comentários políticos. Diz que não tem nada contra o ministro José Serra. Apenas declarou sua preferência por Tasso Jereissati como candidato à Presidência e por Geraldo Alckmin à sua própria sucessão. Diz:
– Se Serra viabilizar sua candidatura no PSDB a um desses dois postos, será também o meu candidato. O que não acho correto é Serra ficar deixando um chapéu sobre cada cadeira para guardar o lugar. Nessa história de candidaturas é preciso ter audácia e não deixar passar oportunidades. A candidatura do Aécio Neves à presidência da Câmara é um exemplo. Ele se declarou candidato cedo, antes de ter acordos com os outros partidos, arriscou, teve tempo para costurar alianças e agora chega à eleição como favorito e com importantes acordos fechados.
Pelo jeito, a depender da cúpula tucana de São Paulo, só restará a Serra lutar para conservar sua cadeira no Senado. O ministro Paulo Renato também se candidatará a senador, mas diz que o lugar que pretende ocupar é o de Romeu Tuma.
Muita água passará debaixo da ponte antes de 2002. Entre os imponderáveis, há um jurídico. O vice Geraldo Alckmin pode ser considerado inelegível por ter ocupado o governo do estado nos dois mandatos de Covas. Caso seu nome seja retirado da disputa, as cartas do PSDB voltarão a se embaralhar. E, apesar do esplendor final da profusão de obras do mandato de Covas, a continuidade dos tucanos no governo do estado não serão favas contadas. Terão que enfrentar uma forte candidatura do PT, lastreada pelas prefeituras que conquistou. Talvez por isso Covas relute em tirar do fogo as castanhas de Marta Suplicy:
– A arrecadação da cidade de São Paulo é excelente. A Marta recebeu a cidade em melhores condições do que eu recebi o estado. Tem é que trabalhar e mostrar eficiência.
Quanto a ele, depende do fado. Quanto tempo lhe resta, ninguém sabe. Disse aos médicos:
– Quero uma semana para fazer o que bem entender, sem que vocês encham o meu saco."
"A revolta de Covas", copyright O Globo, 17/01/01
"Um dia após receber a confirmação de que tem câncer na meninge (a membrana que envolve o cérebro e a medula), o governador de São Paulo, Mário Covas (PSDB), voltou a dar provas de que não vai se render à doença. Ontem, ele se irritou com os jornalistas, quase caiu no chão ao tentar caminhar e anunciou uma extensa agenda de compromissos para os próximos dias. Covas passou o dia irritado com as especulações de que se licenciaria do cargo devido às complicações do câncer.
– Eu estou para morrer, podem escrever isso no jornal – disse, em tom sarcástico, aos jornalistas.
De manhã, Covas participou da reunião semanal do Programa Estadual de Desestatização (PED). Às 10h, quando deixou a sala para atender ao procurador-geral do estado, Geraldo Brito Filomeno, começou a reclamar do assédio da imprensa.
– Agora vocês publiquem que eu estou sendo carregado – disse ele, que usava uma cadeira de rodas.
Uma de suas assessoras de imprensa tentou amenizar a situação e disse a Covas que estava com saudades, porque não o via há muito tempo. A resposta veio ríspida:
– Não vê porque não quer.
Governador tenta sair andando
Cerca de meia hora depois, Covas voltou para a reunião do PED, novamente na cadeira de rodas. A sala foi aberta para que os fotógrafos registrassem o encontro. Quando pediram para que o governador olhasse para a lente, ele disse:
– O que é? Quer que eu faça pose? – perguntou.
Os jornalistas tiveram que deixar a sala. Cerca de 20 minutos depois, Covas decidiu sair da reunião andando. A porta foi aberta por seus assessores. O governador olhou para os jornalistas, deu um sorriso e disse bom-dia. Mas, quando deu o primeiro passo, quase caiu. Suas pernas tremiam e estavam bambas. Três policiais militares da segurança e um assessor conseguiram segurá-lo e acomodá-lo na cadeira de rodas. Covas reclamou, irritado:
– Vocês estão arrancando meu braço!
Na cadeira, o governador permaneceu em silêncio, com o rosto fechado. Quando encontrou os jornalistas, disse que estava morrendo e sugeriu que isso fosse publicado.
Segundo seus assessores mais próximos, Covas está irritado por dois motivos. Ontem pela manhã, foi informado de que um advogado paulista da área de direito público, Tito Costa, afirmara que ele deveria deixar o cargo porque não teria condições físicas ou psicológicas para governar. O advogado ainda levantou a hipótese de que medidas tomadas por Covas poderiam ser contestadas na Justiça, pois seu discernimento estaria prejudicado.
O segundo motivo da irritação foi o fato de o diagnóstico de seu câncer ter sido divulgado pelo GLOBO no sábado, antes de que ele próprio tivesse recebido a informação pelos médicos. O governador acredita que o resultado foi vazado por um dos médicos de sua equipe.
O chefe da equipe médica que atende Covas, o infectologista David Uip, afirmou ontem que o tipo de tratamento para o câncer na meninge do governador está decidido, mas que não será divulgado até que seja discutido com o paciente e sua família. Conforme tinha anunciado anteontem, ele está esperando um telefonema do governador para discutir o tratamento. Ontem Covas não o chamou.
Segundo informações obtidas pelo GLOBO, os médicos pretendem usar a chamada quimioterapia localizada. O remédio seria aplicado por uma agulha diretamente na região da meninge. A radioterapia também pode ser usada no tratamento, que seria iniciado na próxima semana.
Não sou Deus, diz o médico David Uip
Sobre a declaração do diretor-executivo do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês de São Paulo, Antonio Carlos Buzaid, de que a cura para o tipo de câncer que atinge Covas é inviável, o médico David Uip afirmou:
– Eu não sou Deus.
E aproveitou depois para alfinetar o colega.
– O doutor Buzaid pode dizer o que quiser. Mas você nunca vai me ver fazendo comentários sobre um paciente que não conheço.
O médico também respondeu ao advogado Tito Costa, que defendeu o afastamento do governador:
– O advogado virou médico. Acho que também vou virar advogado.
Ontem, a possibilidade de afastamento de Covas do governo do estado foi rechaçada por seus secretários e pelo vice-governador, Geraldo Alckmin, também do PSDB.
– Covas é um guerreiro, um exemplo. Ele nos dá uma lição de vida. Não há razão para se afastar do cargo – disse o vice-governador, lembrando ainda que Covas tem cumprido também compromissos externos, como no último sábado, quando esteve em São José dos Campos para entregar uma obra viária.
Alckmin disse que está confiante na recuperação do governador:
– Sou médico, e a medicina evoluiu muito.
Viagens marcadas nos próximos dias
Depois da reunião do PED, o secretário de Economia e Planejamento, André Franco Montoro Filho, disse que o governador estava bem:
– Ele está como sempre esteve. Fez cobranças e perguntou sobre tudo de forma muito coerente. Está com total discernimento – disse Montoro Filho.
O secretário lembrou que haverá uma solenidade para a assinatura de um protocolo de ampliação de uma unidade da Petrobras em Piratininga, no interior, a 345km da capital paulista. Os assessores queriam realizá-la no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo, mas Covas discordou.
Ainda nesta semana, a programação de Covas é intensa. Hoje de manhã, ele participa da posse do novo secretário da Fazenda, Fernando Dalla’Acqua. Amanhã, visita Itapecerica da Serra e Pirapora do Bom Jesus, cidades da Região Metropolitana da capital. Na sexta-feira, viaja para São Vicente, na Baixada Santista, onde entregará casas populares. No sábado, visita Suzano, também na Região Metropolitana, e o bairro de Lajeado, na Zona Leste paulistana.
No domingo, o governador deve descansar na casa de verão do governo do estado, no Horto Florestal, na Zona Norte da cidade."
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