Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Márcio Moreira Alves

ACM & JADER

"Fatos e plantações", copyright O Globo, 12/4/01

"O governador do Ceará, Tarso Jereissati, se queixa amargamente das informações falsas e distorcidas a seu respeito que lê na imprensa, principalmente em colunas de notas. Outros políticos entoam a mesma ladainha, geralmente sugerindo a responsabilidade de colegas e de seus assessores de imprensa. Tasso dá o exemplo da reunião em Belém da cúpula do PSDB. Diz:

– Passei a semana inteira em Fortaleza. Nenhum jornalista me telefonou. Não falei sequer com os senadores cearenses de meu grupo. Mas, quando li os jornais e revistas, descobri que fui o principal organizador da reunião e que procurei vetar a presença do senador Sérgio Machado, líder do PSDB. Não sei quem planta esse tipo de notícia, só sei que são plantadas. Agora mesmo estou recebendo telefonemas de deputados de outros estados dizendo que a ?Veja? está fazendo uma enquete entre os membros da Câmara com base na pergunta: ?O senhor já ouviu falar que o empresário Carlos Jereissati é o PC Farias da candidatura de seu irmão, Tasso Jereissati?? Ora, isso não é pesquisa, nem mesmo jornalismo investigativo. É a difusão de uma acusação injuriosa. Quando for publicada, sairá mais ou menos assim: tantos por cento dos deputados já ouviram falar que Carlos Jereissati é o PC Farias do irmão Tasso?.

O ministro da Educação, Paulo Renato, que participava da conversa, não tem queixas iguais, a não ser contra as tentativas de intrigá-lo com o ministro da Saúde, José Serra, na suposição de que com ele disputará a indicação do PSDB para a sucessão presidencial. Diz que as notícias da sua área são mais concretas, como a razão de estar em Fortaleza: participar da maior cerimônia de formatura jamais realizada no Brasil. Referia-se aos 118 mil formandos do Telecurso 2000, vindos de todos os 184 municípios do Ceará. Em seguida, tomaria um jatinho para ir a Joinville, participar de uma cerimônia com o prefeito Luis Henrique, do PMDB, estrela da ala dissidente da moral homogênea da liderança de seu partido. Seguiria para o Rio Grande do Sul, depois para outro lugar também distante, o que só o deixaria em Brasília na quarta-feira, para bater pique antes da Semana Santa. Um programa de matar cavalo de cansaço, mas de boa visibilidade eleitoral no plano nacional, ainda que jure de pés juntos ser apenas candidato a senador por São Paulo.

Li em algum lugar que uma empresa de relações com a imprensa catalogou 53 colunas de notas publicadas nos principais jornais. É possível até que o número esteja subestimado. Só aqui no Globo temos quatro ou cinco e em todas as capitais há colunistas desse tipo, sobretudo interessados nas notícias locais, mas sempre procurando dar uma sobrevoada nacional. A competição pelo furo é ferrenha entre todos eles. O resultado é que a vulnerabilidade das colunas a notícias plantadas por assessores de imprensa se torna maior, especialmente às sexta-feiras, quando cada colunista tem de escrever no mínimo duas colunas e tem menos tempo para checar a veracidade do que lhe contam.

Os fins de semana são o momento predileto das denúncias de escândalos, feitas pelas três grandes revistas nacionais, que também competem violentamente umas com as outras. No fim de semana passado a palma da vitória coube à ?Veja?, que conseguiu acesso às gravações feitas pela Polícia Federal nos telefones de suspeitos de realizarem negócios escusos na sesmaria dada pelo presidente Fernando Henrique ao senador Jader Barbalho: a Sudam. Inicialmente, o ministro da Integração, Fernando Bezerra, que ordenara uma auditoria interna nas 32 empresas denunciadas pelo senador Antonio Carlos Magalhães, chegara ao número de R$ 108 milhões de reais desviados.

Jader não pode nem comemorar mais um engavetamento do processo que o envolve no desvio de recursos do Banpará. O procurador da República no Pará, que recebeu a documentação do Banco Central, deve ser um mestre em leitura dinâmica. Percorreu as duas mil páginas do processo em dois ou três dias e declarou que se crimes foram praticados, já estavam prescritos. Não se deu sequer ao trabalho de anunciar tentativas de recuperar o dinheiro público, o que pode ser feito até 20 anos depois do roubo.

O senador mal pôde respirar de alívio e veio o interventor da Sudam, José Diogo Cyrillo, e anunciou que, pelos 194 projetos já auditados, o desvio está em R$ 1,773 bilhão e pode ir a R$ 2 bilhões. Os beneficiários quase todos são amigos de Jader e receberam o dinheiro de superintendentes nomeados pelo ínclito senador. Uma parte iria para as suas campanhas eleitorais.

Esses são fatos, não plantações. Notícias duras, como dizem os americanos. Eles desenham uma triste contradição: um presidente honesto chefiando um governo corrupto. A culpa é do loteamento do Estado que fez entre os partidos que o apóiam.

Em tempo: abriram um inquérito para saber quem vazou as gravações da Polícia Federal. Lógico. No Brasil, quem denuncia ladrões acaba processado ou perde o emprego."

"Trombone de papel", copyright Folha de S. Paulo, 10/4/01

"Fui para Bruxelas e voltei. Fui para Buenos Aires e voltei. Confesso que ia e voltava sempre com o coração apertado, temendo que não houvesse país para o qual voltar.
Afinal, em alguns cantos do jornalismo e da política, anunciava-se que estava instalada uma baita crise na República ou, pelo menos, que a crise instalar-se-ia como consequência do rompimento entre o governo e o senador Antonio Carlos Magalhães.

Cadê a crise? Ah, dirão seus trombeteiros, não houve crise, porque o governo usou de todos os meios para abafar a CPI da corrupção. É verdade, mas não é novidade. O governo sempre agiu dessa forma em todos os momentos anteriores em que uma CPI despontava no horizonte.

Logo quem previa crise tinha a obrigação primária e elementar de prever também que o governo agiria como de costume. Que fator provocaria uma mudança nas consequências a ponto de o governo não conseguir, ao contrário dos momentos anteriores, brecar uma CPI? Ah, ah, o fator ACM, que sempre esteve do lado do abafa, mas, desta vez, bandeou-se para o lado da CPI.

Pelo que se lia em alguns textos da brigada carlista na mídia, ficava-se com a sensação de que a CPI seria instalada, o presidente seria afastado, a capital mudar-se-ia para Salvador, o neoliberalismo seria estraçalhado, Pedro Malan e Armínio Fraga, seus cruéis agentes em Pindorama, seriam enforcados no pelourinho e os brasileiros seríamos felizes como jamais.
O que houve que nem mesmo o primeiro passo da epopéia (a instalação da CPI) foi dado?

Não pergunte aos carlistas da mídia, que eles jamais ousarão contrariar o grande cacique e dizer a verdade, que é simples: ACM é o grande blefe da República.

Não passa de um trombone de papel. Pena que seja de papel de imprensa, para vergonha do jornalismo tupiniquim."

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