DE VOLTA À REPORTAGEM
“As Botas De Repórter”, copyright O Globo, 15/02/03
“O bom mesmo no jornalismo é ser repórter, já escrevi mais de uma vez. Quem não tiver curiosidade para apurar as notícias e se deixar vencer pela preguiça, ficando na redação, deve vender sanduíches naturais na praia, formar uma banda de rock, fazer qualquer coisa, menos seguir carreira na imprensa. Já estava me sentindo enferrujado aqui em Brasília. Vou mudar para rejuvenescer.
Propus a meus chefes que me deixassem perambular pelo país, fazendo reportagens, por um mês e meio depois do carnaval. Como sou abençoado por chefes que aceitam todas as excentricidades que proponho, eles toparam. Tirei do armário minhas velhas botas de repórter e sacudi a poeira. Essas botas já me levaram pelas sete léguas, desde as margens do Canal de Suez até os espaços mais vastos e pacíficos da Amazônia, passando por tiroteios na Assembléia de Alagoas e pela cobertura dos conflitos da integração racial em Little Rock, Arkansas. Vou calçá-las de novo, para libertar-me do espartilho fixo desta coluna, onde não cabem fotos nem, muitas vezes, tudo o que quero contar.
Vou começar pelo Sul Maravilha, para variar um pouco do Nordeste, da Amazônia e das favelas das grandes cidades. Há muita coisa para e ver e contar por lá. A recuperação da Bacia do Itajaí é uma delas. O projeto, que já leva anos, foi bem sucedido graças à participação das pequenas comunidades rurais e dos agricultores familiares. Pretendo ver também Jaraguá do Sul, a melhor cidade do Brasil para se morar, segundo o deputado Paulo Bauer. Tirando o bairrismo da afirmação, parece não estar ela muito longe da verdade. Jaraguá é a sede da WEG, uma empresa puramente brasileira que se tornou uma das grandes produtoras de motores elétricos do mundo. Os proprietários bancam os jovens que desejam enveredar pelos estudos técnicos, inclusive nas faculdades de engenharia, e garantem o emprego dos formandos.
Darei um salto do Sul Maravilha para o Acre, onde quero conhecer a reserva extrativista Chico Mendes, em Xapuri, e outras iniciativas do governador Jorge Viana. Tentarei ter como guia a fada da floresta, Marina Silva, apesar de ser ela agora ministra. Há tempos participei do júri de um concurso de monografias de universitários. O trabalho que premiei com uma viagem a Paris era de uma estudante da PUC de Campinas, sobre uma reserva extrativista no Rio Tapajós. Ela me convenceu de serem as reservas extrativistas a única maneira de se fazer uma reforma agrária na Amazônia, garantindo uma sobrevivência digna para os assentados e, ao mesmo tempo, respeitando o meio ambiente e preservando a floresta.
A etapa seguinte será uma visita a Barreiras, na Bahia, que, segundo Miriam Leitão, é o município de maior crescimento agrícola do país. Há, por lá, uma colônia de portugueses vindos de Nova Lisboa, hoje Huambo, no altiplano angolano, que trouxeram as técnicas da cafeicultura irrigada e prosperaram. Há muitas outras iniciativas dignas de serem contadas, segundo me garantem empresários e políticos da região, a quem tenho infielmente prometido uma visita, que ainda não tive tempo de fazer.
Há muita coisa no interior do Estado do Rio a ser relatada e que fico sempre devendo. Santo de casa não faz milagre. Pretendo revisitar meu amigo Nego Velho, prefeito de Itaguaí, que investe em educação e saúde todo o dinheiro que consegue, para dar às crianças pobres a oportunidade educacional que não teve no sertão da Paraíba. Algum deputado o levou a visitar Fernando Henrique no Palácio da Alvorada. Ele disse estar muito satisfeito de voltar por lá. O presidente olhou-o espantado e Nego Velho esclareceu: ?É que estive aqui ajudando a construir este palácio, quando era peão de trecho da Construtora Mendes Júnior?. Contaram-me que existe em Friburgo, além do pólo de roupa íntima e da escola suíça de queijos, uma escola agrícola belga, onde os alunos ficam internos uma semana e, na outra, voltam para casa e ensinam aos pais as técnicas que aprenderam. Ando devendo também uma visita ao prefeito Pezão, de Piraí, cuja administração sempre ganha concursos de boas práticas administrativas.
Se sobrar tempo, voltarei a Boa Vista, que tem a melhor administração municipal que conheço no país. Pelos e-mails que tenho recebido, os projetos sociais não param de se multiplicar na cidade e vale a pena conhecê-los. O diabo é que Boa Vista fica no Hemisfério Norte e o avião leva cinco horas desde Brasília para chegar lá. São males deste país exagerado, mas, por outro lado, caso tivesse nascido no Principado de Mônaco, acho que já teria morrido de tédio há muito tempo.
Nesse tempo de peregrinação deixarei a coluna entregue à competência e ao charme da Helena Chagas. Os leitores certamente sairão ganhando.”
FHC & MÍDIA OMISSA
“O filho adulterino de FHC”, copyright Comunique-se / Direto da Redação (www.comunique-se.com.br), 12/02/03
“A imprensa brasileira está moralmente obrigada a fazer um ?mea culpa? no caso do filho adulterino do ex-presidente FHC com a repórter da TV Globo, Miriam Dutra.
Miriam, que trabalhava em Brasilia no início dos anos 90, teve um romance com o então senador e candidato à presidência da república Fernando Henrique Cardoso.
Até aí a história não chega a surpreender por tratar-se de adultério, um crime bastante comum, previsto no Código Penal Brasileiro, mas raramente invocado pela parte ofendida. Geralmente, o adultério acaba em separação ou divórcio do casal, sendo pouco comum a punição do cônjuge adúltero.
O que estourou como uma bomba nos meios políticos, sobretudo no círculo de amigos mais próximos de FHC, foi a notícia da gravidez da repórter. Para o estado maior do PSDB, a possibilidade da notícia virar escândalo nacional, colocou a social democracia brasileira de orelha em pé. Afinal, as chances de eleger seu próprio candidato nunca estiveram tão próximas. Se o fato virasse material de capa nas principais revistas semanais com reportagens nos jornais, a candidatura FHC corria sério risco de ir por água abaixo. A TV, provavelmente, iria pesar os prós e contras e talvez nada divulgasse até que a Globo, indiretamente envolvida no episódio por ser a empregadora da repórter, tomasse uma decisão. Esse deveria ser o papel da imprensa naquele período de 1993/94.
Só que nada disso aconteceu. Superado o pânico inicial, a assessoria do candidato iniciou uma batalha sem trégua para abafar o escândalo e salvaguardar a imagem de FHC, naquele momento o nome cada vez mais forte para assumir a presidência. Era o que indicavam as primeiras pesquisas. O primeiro passo foi conseguir junto ao jornalismo da Globo a transferência da repórter para local distante do Brasil. O Diretor de Jornalismo na época, Alberico Souza Cruz, amigo pessoal de Fernando Henrique, providenciou na surdina a transferência de Miriam para Lisboa, onde o filho teria nascido. Nunca mais voltou ao Brasil e o filho, Thomas, que não tem o sobrenome do ex-presidente, está hoje perto dos 10 anos de idade.
Depois de algumas poucas intervenções, Miriam Dutra está desaparecida há anos da tela global, vivendo todo esse tempo na Europa como se fosse uma exilada. Suspeita-se que Miriam, que vive hoje na Espanha, esteja ainda na folha de pagamentos da Globo. Mas não se sabe ao certo se seu sustento e o do filho tem sido bancado pela emissora do Jardim Botânico, pelo ex-presidente e pai de Thomas ou se houve algum desvio de recursos do Tesouro Nacional para ajudar na manutenção dos dois. Um mistério insondável e um grande tabú para a imprensa brasileira.
De fato, foi e tem sido lamentável a omissão da mídia brasileira em relação ao episódio. A imprensa descumpriu seu papel básico de informar à população, desrespeitou o cidadão brasileiro num momento delicado da história, deixando-se acorvadar por interesse, conivência, medo de represálias do governo ou da emissora líder de audiência. Agora que o fato começa a circular na internet e em pequenos jornais, mais do que nunca é preciso que se saiba o que foi negociado entre as partes envolvidas em troca da manutenção do segredo durante oito anos. Que favores foram oferecidos à mídia em troca do silêncio.
São muitos os pontos obscuros desse mistério. Que a Globo mantivesse o silêncio é até certo ponto compreensível, pelo seu passado e pelas implicações que a revelação acarretaria. Mas, e o restante da mídia? Por que as grandes revistas semanais e os grandes jornais não registraram a história que a imprensa inteira sabia?
Sem um esclarecimento convincente, vai ficar sempre a impressão de que imprensa e poder têm uma relação promíscua. Protegem-se mutuamente quando há interesses maiores em jogo. E esse protecionismo provavelmente é que leva uma empresa pública como o BNDES a socorrer (ou doar) o dinheiro do contribuinte a empresas de comunicação, a maior parte delas falida.
O cidadão brasileiro merece respeito e uma explicação imediata.
(*) Editor-chefe do Direto da Redação.”