EMISSORAS ÁRABES
Os EUA podem até estar vencendo a "guerra contra o terrorismo" do ponto de vista militar, mas sua campanha de diplomacia pública está deixando muito a desejar. O problema não é tanto a mensagem do governo Bush, mas o fato de não estar sendo bem transmitida aos 250 milhões de pessoas que compõem o mundo árabe. E isso acontece em grande parte por causa do desconhecimento dos EUA sobre a diversidade da mídia, das audiências e dos hábitos árabes de consumo de notícias.
Como analista e freqüente colaborador da mídia árabe por 15 anos, Mamoun Fandy [The Washington Post, 2/12/01] afirma que corta o coração ver quão pouco o governo americano sabe sobre a mídia árabe e que errou o caminho logo no começo desta guerra ao se voltar exclusivamente a um único canal de TV árabe, a antiamericana convicta al-Jazira.
Fandy, nascido no Egito e professor do Near East-South Asia Center for Strategic Studies, na National Defense University, disse que nos últimos dois meses a al-Jazira, emissora estatal via satélite do Catar, tornou-se familiar aos EUA. O que é de se admirar, uma vez que relativamente poucos assistem à emissora na região (apenas 10% dos árabes têm TV via satélite), e os que o fazem não necessariamente acreditam no que vêem.
Em vez de ficar obcecado com a al-Jazira, o governo Bush, diz ele, deveria trabalhar com os veículos de comunicação aclamados pelo público. Só assim poderá dar um tiro certeiro se quiser obter espaço e voz justos na mídia árabe. Esses veículos incluem principalmente a BBC World Service, a rádio estatal francesa Monte Carlo e a Rádio Egípcia. Aliás, rádio é um meio particularmente importante no Sudão e em partes da Argélia, onde há bem menos TVs que em qualquer outro lugar, e na Líbia, onde a programação televisiva é fortemente censurada.
Causa justa
Entre as emissoras via satélite, as mais populares são a Middle East Broadcasting Corp. (MBC), sediada em Londres, a Abu Dhabi TV, a Orbit TV, e a Egyptian TV. Entre os jornais, três pan-árabes se destacam: Asharq Al-Awsat e Al-Hayat, ambos sediados em Londres, e Al-Ahram, no Cairo. O melhor deles, Asharq Al-Awsat, é distribuído em 19 países árabes, além da Europa e dos EUA. Tem cerca de meio milhão de leitores e seu sítio na internet é o mais popular no mundo árabe, recebendo em média 1,5 milhão de visitas diariamente.
Segundo Fandy, esse jornal apresenta a melhor cobertura da guerra, mas quando enviou pedidos para entrevistas ao Departamento do Estado e à Casa Branca, há dois meses, não recebeu sequer resposta, segundo o editor Abdul Rahaman Al-Rashid, que apóia declaradamente os EUA. "Parece que os EUA só agradam àqueles que odeiam o país e sua política. A América dá acesso às forças que se movem contra os EUA e que flertam com o terrorismo", disse Al-Rashid a Fandy.
Tudo o que se lê na mídia americana sobre a al-Jazira, de que é uma emissora independente e imparcial, parece ter sido tirado de um panfleto publicado pelo Einstein Consulting Group, firma de relações públicas em Londres contratada pelo Catar para promover a emissora árabe. E os americanos morderam a isca.
Apesar disso, os EUA se saem bem quando chegam à grande imprensa. Por exemplo, em 5 de novembro Colin Powell deu entrevista transmitida por todos os 14 canais da Egyptian TV e bem recebida pelo público por diversas razões. Primeiro, o jornalista que conduziu a entrevista, Mohammed Elsetouhi, não é antiamericano. E repercutiu em quase todas as capas de jornal do dia seguinte. Por fim, a tradução foi honesta.
A diferença entre a entrevista de Powell na Egyptian TV e uma feita na al-Jazira é enorme. Nesta, houve propaganda antiamericana e mensagens do Talibã. A tradução também deixou a desejar. Como sempre, pareceu que a al-Jazira lutava na guerra da mídia do Talibã. A mensagem de Powell não foi passada à audiência, que encara esses repórteres nacionalistas islâmicos como heróis.
Na opinião de Fandy, os EUA têm uma causa justa nesta "guerra contra o terrorismo" e deve explicar essa causa de maneira que chame a atenção do público árabe relutante.
"É isso que o país mais poderoso do mundo fez ao país mais miserável do mundo." A voz grave é de um locutor da al-Jazira, emissora de notícias 24 horas. Mas que tipo de notícias? Com seus gráficos dinâmicos e seus logos berrantes, a al-Jazira nada tem de parecido com a CNN, por exemplo.
No mundo criado pela al-Jazira, segundo Sharon Waxman [The Washington Post, 4/12/01], o Talibã é invariavelmente o oprimido, enquanto os EUA são o poder vigente, e o Egito e outras nações árabes moderadas cederam à pressão da superpotência. Outro assunto que a emissora árabe martela é a perseguição de palestinos por israelenses, uma ladainha constante de sofrimento e agressão. Além disso, há pouco na al-Jazira, à exceção de notícias esportivas.
A natureza inovadora da al-Jazira, combinada ao seu ponto de vista político bem determinado, cria um paradoxo esquisito. A emissora personifica um salto quântico, na condição de jornalismo independente no mundo árabe, permanecendo ao mesmo tempo com uma abordagem considerada desequilibrada e injusta pelos padrões ocidentais ? ou, pelo menos, americanos.
Jamal Khashoggi, renomado jornalista da Arábia Saudita, observou que o grande problema da al-Jazira está na falta de objetividade. "Estão se deixando levar pelas massas, e não o contrário. Nas ruas árabes predomina o antiamericanismo. São como o New York Post. Isso não é muito bom", disse.
A voz grave e furiosa que surge em comerciais e promos da al-Jazira permanece pelas 24 horas. "Por que a redação da al-Jazira no Afeganistão foi bombardeada? É essa a imprensa livre que o Ocidente sempre pregou?" Acompanhando a voz, o logo dourado da emissora gira e se esquiva dramaticamente dos ataques de bomba dos EUA no Afeganistão e de civis em estado deplorável. Está, assim, anunciado o novo bloco de notícias sobre a guerra na al-Jazira.