SUCESSÃO PRESIDENCIAL
Muniz Sodré (*)
Termo de largo espectro, "informação" pode designar desde uma fonte de dados até um recurso administrativo. Na teoria matemática da comunicação (uma novidade nos anos 70), informação é basicamente a medida da originalidade dos elementos de um sistema. Tanto maior a informação quanto maior a surpresa ? ou pelo menos a menor freqüência de um elemento, dentro de um campo determinado. Num sistema como a língua, a consoante é mais informativa do que a vogal, porque tem menor taxa de redundância. Assim, a informação visual básica de uma pessoa é a sua cara, por ser diferente de qualquer outra.
Vale esta pequena introdução didática para se lançar alguma luz sobre o tratamento dispensado pela mídia à candidatura emergente da governadora Roseana Sarney à presidência da República. Com efeito, tudo o que sabem os leitores de jornais sobre o lastro social ou os fundamentos ético-políticos para a pretensão da governadora gira em torno de uma informação mínima: a sua cara. De modo mais explícito, a sua cara de mulher, ou a sua condição feminina, que mereceu uma explicação pouco esclarecedora do presidente FHC: "O povo quer uma coisa de mulher, positiva e nova".
Desta maneira se fica sabendo que a "semiose" eleitoral da candidata apóia-se nos elementos de feminilidade, positividade e novidade. A respeito do primeiro, é preciso observar que a condição feminina em si mesma não é um valor político, isto é, a simples bandeira da diferença sexual não deveria capacitar ninguém a reger os destinos de um país. As mulheres que ocuparam esta posição em outros países ? Sri Bandaranaike, Golda Meir, Indira Gandhi, Margaret Thatcher e outras ? provinham de um contexto político-nacional em que haviam tido uma atuação marcante.
Não é bem esse o caso de Roseana Sarney, governadora de um estado pobre, marcado por profundas desigualdades econômicas e sociais, e ainda por cima pertencente a uma oligarquia regional que tende a gerir a coisa pública com o velho espírito dos clãs autocentrados. Fica difícil, portanto, determinar-se o alegado grau de positividade de sua candidatura a um cargo de tal envergadura.
Resta o adjetivo "nova". Pode designar idade, mas isto também jamais chegou a constituir uma vantagem política em si mesma. Ou então se refere ao fenômeno da novidade que, este sim, parece adquirir valor político no momento histórico em que a "coisa" pública (res publica) vem dando lugar à coisa publicitária. Neste contexto, dominam a cena a novidade ? que excita a curiosidade dos consumidores e leva-os a pular avidamente de um produto para outro no mercado ? e o falatório, que consiste no excesso de retórica falada e imagística em torno de um bem ou de uma pessoa. O indivíduo não é falado porque é bom; pelo contrário, é bom porque é falado.
Informação mínima
A "fala" implica cada vez mais um monopólio. Duas décadas atrás, chamávamos a atenção em O Monopólio da Fala (Editora Vozes) para o advento de uma espécie de "poder notificador", o poder da mídia, que desde então só fez crescer em desmedida. De Collor para cá, ficou evidente para todos que a televisão é um superagente sociopolítico, capaz de conduzir uma retórica vitoriosa sobre bens de consumo e dirigentes políticos. Roseana Sarney cresce nas pesquisas de opinião (inclusive em lugares onde jamais pisou, como o Rio Grande do Sul) por mero efeito de mídia, a exemplo de uma campanha publicitária por uma utilidade doméstica qualquer.
É verdade que foi com Collor e FHC que assistimos à intensificação desse processo publicitário ou cosmético na vida política, mas na realidade o fenômeno já existe há bastante tempo. "Há mais de 70 anos, Walter Lippmann, um importante jornalista de seu tempo, em seu livro Public Opinion, desconfiava das afirmações de que os cidadãos baseiam suas decisões políticas e sociais no estudo objetivo dos fatos pertinentes. A maioria das nossas decisões se baseia no que ele chamou de ?imagens em nossas cabeças?, isto é, percepções e preconceitos estanques. A idéia de uma opinião pública informada decidindo questões e ações, disse ele, é, em grande parte, uma fantasia desejável; a tarefa de dirigir o país é realizada pelas elites", comenta Wilson Dizard (A Nova Mídia, Editora Zahar).
No caso brasileiro, as "imagens em nossas cabeças" procedem de um laboratório administrado pelas cabeças espertas de elites estreitas, que ajustam publicitariamente o discurso da modernização globalista à realidade cada vez mais sofrida do povo nacional. A televisão é imprescindível nessa estratégia. A informação que vem dela é mínima, mas poderosa, porque tem a força condicionante das coisas banais. Hoje, nada é mais fatal do que a banalidade. Para quem deseja ver, tudo está na cara.
(*) Jornalista e professor-titular da ECO/UFRJ