Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Muito mais do que aquela frase

CASO SONINHA

Guilherme Arruda (*)

"Eu fumo maconha." A frase bem pequena e com um peso enorme estava por toda parte. Estampada na capa de milhares de exemplares da revista Época e em mais 40 outdoors pela cidade de São Paulo, a afirmação, que já é polêmica por si só, causou mais polêmica ainda.

Não seria de se estranhar se a afirmação fosse feita por um amigo ou parente. Mas não foi. Ela foi dita por 14 pessoas diferentes, famosos e anônimos, que aceitaram dar uma entrevista à revista semanal e assumir publicamente que fumam maconha. Entre os entrevistados estava uma das mais importantes apresentadoras de TV do Brasil, Soninha Francine, ex-Cultura após a declaração e atual ESPN.

Entre outros assuntos, Soninha tratou em sua declaração da descriminalização da droga, do tráfico que ela movimenta e comparou a erva ao álcool e ao cigarro. Teve coragem de tratar de um tabu que muitos preferem ignorar para não correr riscos. Em seu depoimento publicado pela revista, ela disse: "Fumo muito pouco, em festas ou casa de amigos. Não incentivo ninguém a fumar." Para os entendidos, a apresentadora declarou que de vez em quando dá um tapinha. Acontece que Soninha levou um baita de um tapão. Para uma boa publicidade sua frase não era de impacto. Não vende revista. Soninha, então, ganhou um rótulo de maconheira. Deram a ela o posto de garota propaganda da cannabis quando na verdade a apresentadora estava falando muito mais do que aquela frase.

Debate e reflexão

Ao que tudo indica, a apresentadora e a revista (até que se prove o contrário) pretendiam discutir melhor o assunto. Mas o feitiço saiu contra o feiticeiro. Resultado do marketing inconseqüente: a TV Cultura de São Paulo demitiu Soninha e suspendeu temporariamente o RG, programa que ela comandava. Não que o consumo esporádico da droga tenha atrapalhado o desempenho profissional da apresentadora. Longe disso! Soninha foi demitida por não ser hipócrita. Segundo o diretor de programação da TV Cultura, a imagem da apresentadora era incompatível com a do canal.

Soninha é uma pessoa posicionada. Não tem papa na língua. Fala (bem) sobre o que pensa. Fala (bem) sobre qualquer assunto. É importante que existam pessoas que falem sem medo das conseqüências. Pessoas que falem tentando mudar alguma coisa. E que não se arrependam como ela não se arrependeu.

Uma coisa é certa. A frase (mesmo que mal empregada) deu o que falar. Resta esperar que o debate sobre o assunto gere alguma reflexão. E que isso não seja apenas uma discussão sobre a legalização da droga e suas variantes. Que seja mais. Que a sinceridade não seja punida e a hipocrisia, louvada.

(*) Estudante de jornalismo da Uerj