TERREMOTO
Raphael Perret Leal (*)
Os debates em Davos e Porto Alegre. O julgamento de Pinochet. O assassinato de Alexandre Araújo, sócio de bingos cariocas. A estréia do novo No Limite. A suspensão de Júnior Baiano por uso de cocaína. Os bastidores na sucessão da presidência da Câmara dos Deputados e do Senado.
Esses foram os assuntos que dominaram as manchetes dos jornais do Rio nos últimos dias de janeiro. Alguns são até merecedores. Um ou outro, indigno. Mais ainda quando se descobre que, nessa mesma semana, ocorreu uma catástrofe, sem dúvida, histórica.
A Índia foi assolada por um sinistro terremoto na sexta-feira, 26, que atingiu 7,9 graus na escala Richter (o máximo é nove). No último dia de janeiro, a estimativa mais suave era a de que havia 20 mil mortos, número suficiente para colocar entre as maiores tragédias causadas por terremotos na história. O ministro da Defesa, George Fernandes, divulgou um número de 100 mil mortos.
Contando essa estatística sombria, assumida por uma autoridade, o último terremoto é o quinto mais fatal de toda a história. Na Índia, um dos maiores países do mundo e o segundo território mais populoso do planeta, houve o maior desastre natural de todos os tempos.
Em outro século
Para se ter uma idéia da grandiosidade da tragédia, imagine um prédio de 20 pavimentos com 4 pessoas morando em cada um dos 5 apartamentos de cada andar. Se 250 edifícios desses desabassem com todos os moradores e não houvesse sobreviventes, teríamos 100 mil vítimas.
Os jornais tinham a chance de fazer história. No futuro, o terremoto da Índia pode ser fonte de pesquisas para geógrafos e estudantes. Sem falar, claro, na própria finalidade-mor do jornalismo, que é informar. Não havia necessidade, evidentemente, de dar destaque principal à catástrofe. Mas dar o devido destaque é obrigação. Principalmente quando os assuntos que dividiriam a atenção com o desastre eram exatamente os supracitados.
Entretanto, o terremoto foi para as páginas internas dos diários. Para completar, o Jornal do Brasil de quarta-feira passou por um grande vexame, ao publicar, em um dos parágrafos sobre a tragédia: "Na noite de terça-feira, o ministro da Defesa, George Fernandes, fez uma estimativa sombria, afirmando que o número de mortos pode chegar a 100 mil, o que colocaria a catástrofe na lista das mais terríveis do século 20".
Esse é o retrato mais sintomático do JB: parou no tempo.
(*) Analista de sistemas e jornalista