VIDA DE JORNALISTA
Geraldo Hasse (*)
Sexta-feira passada fiquei algumas horas no aeroporto de Congonhas à espera do meu vôo para casa. Na lanchonete da ala sul pedi um beirute e me aproximei do U do balcão, premeditando um lanche relaxado. Foi quando dei de cara com ele. Debruçado sobre o balcão, de costas para o vaivém dos passageiros, como quem não quer ver nem ser visto, aquele velho conhecido comia seu lanche ? um beirute, que nem eu!
De onde o conheço? ? pensei, intrigado, enquanto escaneava a memória. Comecei a observá-lo, disposto a respeitar sua vontade de não ser reconhecido. No bolso traseiro da calça de brim, vi sua carteira de documentos ? que nem eu! Vestia uma camisa xadrez arremangada ? que nem eu. O sapato era de camurça amarfanhada ? que nem os meus. E a cabeleira, meio despenteada, dava a pinta de que se tratava de um colega de profissão. Mas quem era ? ? perguntava eu à minha memória.
De repente caiu a ficha e entendi tudo: a figura ao lado era meu ex-patrão, aquele que cometeu a façanha de jogar no buraco um dos maiores jornais do continente. De imediato pensei em lhe cobrar os salários atrasados, a fraude no FGTS, os sucessivos blefes no mercado editorial. Logo raciocinei que não faria sentido uma cobrança naquelas circunstâncias. Pensando bem, considerando que ninguém quebra porque quer ? olhaí a situação das empresas de comunicação, uma pior do que a outra! ?, seria melhor dar-lhe uma força, estimulá-lo a buscar uma saída, voltar ao Refis…
Ele não me deu a menor chance: de costas, girou seu corpanzil e entrou na procissão dos navegantes empurrando o carrinho da bagagem ? uma sacola surrada, que nem a minha.
A única coisa que me sobreveio à mente foi:
"Como é bom comer um sanduba de frente para o movimento, sem vergonha de ser reconhecido."
(*) Jornalista