Venício A. de Lima (*)
Ao depor na subcomissão criada pelo Senado Federal para acompanhar os desdobramentos da CPI do Judiciário que identificou o desvio de recursos públicos na construção do Fórum do TRT em São Paulo, o procurador da República Guilherme Schelb admitiu que várias linhas de investigação do Ministério Público estão baseadas em notícias de jornal. Ao responder a uma interpelação, o procurador afirmou: "O noticiário de jornal tem crédito e é legítimo. Não só para abrir investigações aqui no Brasil. É assim em qualquer país do mundo". Em seguida o senador Pedro Simon acrescentou justificando que "o caso Watergate [que levou à renúncia de Nixon à presidência dos EUA] também havia começado com notícia de jornal".
O tema é atual, importante e mais complicado do que pode parecer à primeira vista. Se é verdade, como lembram o procurador e o senador, que notícia de jornal tem crédito e vale até mesmo para iniciar processo que derruba presidente da República no país mais poderoso do planeta, também é verdade que muitas vezes notícias de jornal acusam, julgam e condenam, sem direito a defesa, cidadãos comuns e até mesmo homens públicos inocentes. Também acusam, julgam e condenam movimentos sociais ou instituições que não se afinam com seus interesses particulares. E depois que isso acontece, não há reparo possível. A destruição de uma imagem pública é, quase sempre, definitiva. A história brasileira recente está cheia de exemplos, tanto no que se refere a pessoas quanto no que se refere a instituições, que são do conhecimento geral.
O que está em jogo, na verdade, é, ao lado da crescente importância que a mídia alcançou na vida contemporânea, em particular na política, uma contradição embutida na atividade do jornalista: ao mesmo tempo em que ele se apresenta como "profissional" e, portanto, isento na cobertura dos fatos, ele também se considera "representante do público" e, portanto, com a responsabilidade e o compromisso de denunciar o que acredita ser contrário ao interesse público. É nesta contradição que muitas vezes surge, entre jornais e entre jornalistas, a competição pela denúncia. E na corrida diária contra os curtos prazos de fechamento, cometem-se graves injustiças e divulgam-se acusações e denúncias infundadas. Na política, em particular, a cobertura reduz-se a um jornalismo de escândalo, que se alimenta na corrupção, mas desemboca na vida privada dos homens públicos, quando não a encontra. Esse tipo de jornalismo, ao permanentemente desqualificar a política e os políticos, acaba por provocar a confusão entre a desmoralização de pessoas com a substância mesma do próprio regime e presta assim, ao contrário do que parece, um desserviço à democracia.
Não há dúvida alguma que vale a pena correr o risco. É preciso e necessário que a imprensa continue na sua tarefa de cobrir os fatos e apresentá-los ao público. E quando forem denúncias de atividades ilegais que elas sejam devidamente apuradas pelo Ministério Público. O que também é necessário, todavia, é que nos cursos de jornalismo e nas entidades profissionais e sindicais se priorize cada vez mais a formação ética do profissional. Somente uma avaliação correta da importância de sua função social, e uma profunda consciência ética, farão com que jornais e jornalistas desempenhem com responsabilidade o papel fundamental que lhes cabe na democracia. Inclusive o papel de fornecer pistas para o trabalho do Ministério Público.
(*) Ph.D. em Comunicações e professor-convidado da UCS.
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