PICADEIRO
A primeira página de sexta-feira [18/5] da Folha de S.Paulo traz belíssima foto do Palácio Gustavo Capanema, no Rio, totalmente iluminado. O superlativo justifica-se: a imagem causa impacto, o prédio (antiga sede do Ministério da Educação) é sabidamente bonito e oferece ângulos insuspeitados a fotógrafos talentosos, e também porque naquele momento, como agora, a imprensa tinha e tem apenas um assunto principal: o racionamento de energia e o tarifaço.
Legenda da foto de primeira: "Palácio Gustavo Capanema, no Rio, fica com as luzes acesas após as 18h e contraria o plano para economizar eletricidade". Certo.
Na mesma edição, em página interna do caderno Dinheiro, foto sobre a matéria intitulada "Luz do Planalto dribla resolução" (18/5/01, pág. B 3), com o seguinte texto-legenda:
"Contra-exemplo Fachada do [palácio do] Planalto iluminada no ínicio da noite de ontem, o que vai contra a resolução do ?ministério do apagão? que proíbe a luz ornamental em prédios públicos". Ok.
O segundo parágrafo (sublead, vá lá) da matéria curta (14 centímetros) contém informação preciosa:
"Ontem [quinta, 17/5], às 18h02, no início do anoitecer, os 22 refletores de vapor de sódio que ornamentam as colunas de mármore branco [do Palácio do Planalto] foram acesos, seguindo um ritual de anos. A diferença é que, por causa do programa de racionalização do governo, desde abril eles estavam sendo desligados às 20h30 e não ao amanhecer. Foram [ontem] apagados às 19h06."
Em seguida o texto informa das providências tomadas para economizar energia no gabinete da presidência da República ? todas óbvias: era só o que faltava desperdiçar energia no espaço simbólico do poder e da responsabilidade pela crise. Malgrado tudo, justifica-se o título "Luz do Planalto dribla resolução"?
No sábado [19/5], abrindo o Painel do Leitor, carta de jornalista do departamento de comunicação social do Ministério da Cultura expressa o seguinte, referindo-se à foto de capa do dia anterior:
"A foto-legenda é meramente especulativa, visto que em nenhum lugar aparece um relógio que corrobore a informação quanto ao horário em que a imagem foi feita". E promete: "O Ministério da Cultura cumprirá à risca as medidas do plano de racionamento de energia elétrica anunciadas pelo governo" ? como pudesse ser diferente.
Da resposta do repórter-fotográfico, publicada abaixo, extrai-se: "A primeira fotografia foi realizada às 18h03. A última, às 18h14. Os horários estão registrados com precisão no original de cada fotograma…" ? os quais o autor colocou à disposição do ministério.
No mesmo dia em que a carta e a resposta foram publicados, à pág. B 5 do caderno Dinheiro uma nova e alentada foto do Palácio Gustavo Capanema, em 4 colunas por 16,5 centímetros, com o mesmíssimo enquadramento da que apareceu na capa da sexta-feira, agora mostrando várias salas e andares apagados. Reza a legenda, com grifos meus (como os anteriores):
"Entrando no corte Prédio do Ministério da Cultura no Rio, o palácio Gustavo Capanema, com várias luzes já desligadas após as 18h de ontem; no mesmo horário, anteontem, o palácio foi flagrado, em foto publicada ontem pela Folha, com todas as luzes ligadas".
Errado? Não. Preciso? Nunca.
É o vale-tudo, o correr-atrás-do-prejuízo, o qualquer-pauta-que-tenha-algo-a-ver-com-a-crise-energética. O que importa é o espetáculo, embora sem graça alguma.
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