UNIVER$$$$IDADE
Victor Gentilli
Os jornais da semana se fartaram com o conflito MEC vs. CNE. Das revistas semanais, apenas IstoÉ tratou do assunto. Depois de meses a bradar sozinho contra as fábricas de diplomas, as posições deste Observatório finalmente são acolhidas por veículos com maior poder de cobertura factual ? embora, nesta, ainda existam problemas. Por exemplo: os movimentos de Paulo Renato Souza, ministro e postulante a candidato à Presidência, e os bastidores do MEC praticamente foram ignorados. Nem mesmo o conflito interno entre a Secretaria de Ensino Superior (que perdeu algum poder) e o Inep (que fortaleceu-se) apareceu em algum lugar. Muito noticiário e pouca informação nova. No início da semana o CNE perdia poder. Retomava um pouquinho em seguida e perdia mais ainda nos jornais de sexta-feira. Tudo informação oficial, tudo release, tudo declaratório.
No domingo, 8 de julho, a Folha pratica bom jornalismo: expõe o ponto a que chegamos na luta pelos estudantes entre as fábricas de diplomas gigantes de São Paulo e do Rio [ver abaixo a retranca Aspas desta rubrica].
Ponto para a Folha, que mostrou e demonstrou que há de tudo nos conflitos entre Unip e Uniban em São Paulo e UniverCidade e Estácio de Sá, no Rio de Janeiro. Tudo menos Educação. Em todos os sentidos que todos os dicionários dão ao termo Educação.
Nenhum reparo à reportagem da Folha. Pelas informações das matérias, até alunos fantasmas buscam trazer turmas de uma para a outra com mensalidades menores. Mas o assunto agora é de todos. A Folha pode e deve continuar tratando do caso e aprofundando-o.
E os demais jornais e revistas podem e devem entrar neste e em outros casos, que estão à vista de todos. Aliás, mostrar as fábricas de diplomas em suas entranhas seria um bom sinal de que os departamentos comercial e a redação continuam distantes.
ASPAS
"Universidades fazem ?vale-tudo? por aluno", copyright
Folha de S. Paulo, 8/07/01
"Grampos, acusações de espionagem, dossiês, suspeitas de dumping. A disputa pelo mercado do ensino superior no Brasil não se pauta apenas pela oferta de qualidade. Na busca por mais e mais alunos, algumas instituições de ensino superior lançam mão de estratégias mais comuns no mercado financeiro ou na concorrência entre grandes grupos empresariais.
No Rio de Janeiro, uma das práticas mais denunciadas pelos reitores contra seus concorrentes é a de espionagem. O principal alvo das reclamações é a Universidade Estácio de Sá, que, desde 1995, quando tinha pouco mais de 11 mil alunos, cresceu 348,1%, chegando a 50 mil alunos neste ano.
?Eles (da Estácio) botam espiões dentro de cursos da concorrência e até os matriculam em outra universidade. Isso já aconteceu com a gente no curso de odontologia da minha instituição, em Niterói. O espião oferece descontos na mensalidade para quem se transferir para a Estácio. Perdi alunos por causa disso. É estratégia deles?, relata Wellington Salgado de Oliveira, presidente da entidade mantenedora da Universo (Universidade Salgado de Oliveira).
Oliveira não é o único a reclamar. Outros cinco reitores de instituições de ensino superior do Rio de Janeiro ouvidos pela Folha, mas que preferem não se identificar, dizem ter sido alvo da mesma prática.
Um deles afirma ter gravado uma conversa telefônica entre um de seus alunos e um representante do concorrente, onde teria sido oferecida ao estudante uma bolsa integral caso ele conseguisse convencer uma turma a se transferir, ganhando bolsas de 50% da mensalidade. O autor da gravação afirma que só revelará o conteúdo das fitas na Justiça, caso decida processar o concorrente.
A Folha gravou também o relato de uma aluna que se transferiu para a Estácio após um representante da instituição ter oferecido desconto na mensalidade.
Segundo R., que pede para não ser identificada, a conversa aconteceu no pátio da Universidade Santa Úrsula, onde ela pagava R$ 247 por mês. Passou a pagar R$ 130 na Estácio e afirma que não se arrepende da transferência, feita no início deste ano.
A Universidade Estácio de Sá, a principal acusada pelos reitores, se defende e ataca: ?Nunca fizemos isso. Nós é que já fomos vítimas de instituições que tentaram, dentro dos nossos campi, tirar alunos oferecendo descontos nas mensalidades?, afirma Marcelo Campos, diretor da entidade mantenedora da Estácio.
Fora as acusações de espionagem de ambas as partes, outra queixa comum diz respeito aos preços abaixo da média de mercado praticados pela Estácio e pela UniverCidade (Centro Universitário da Cidade). Alguns reitores reclamam de dumping (oferta de produtos a preço abaixo do custo para conquistar mercado).
A UniverCidade, por exemplo, oferece cursos de letras, turismo e pedagogia por uma mensalidade de R$ 117 em algumas de suas unidades que funcionam nas dependências de colégios das zona norte e oeste do Rio de Janeiro.
Cursos de direito, administração e marketing da mesma instituição custam no período da tarde na unidade Bonsucesso (zona norte do Rio), que funciona em parceria com o Colégio Santa Mônica, R$ 153.
A Universidade Estácio de Sá também oferece cursos a menos de R$ 150, como os de letras, matemática e pedagogia, que custam R$ 145. Em alguns períodos, o curso de direito custa R$ 199.
A mensalidade de um dos mais caros cursos de direito do Rio de Janeiro, o da PUC, é R$ 687,73. A da Universidade Veiga de Almeida, mais em conta, é R$ 420.
?Não reajustamos a mensalidade há três anos por causa da concorrência. Também perdemos alunos que levaram em conta apenas a mensalidade do curso e se transferiram?, afirma o reitor da Universidade Veiga de Almeida, Mário Veiga de Almeida Júnior.
Expansão
Além dos preços baixos, uma característica em comum entre a Estácio e a UniverCidade é o crescimento impulsionado pelo grande número de campi novos na cidade do Rio. A Estácio tem seu campus principal no Rio Comprido, bairro que fica próximo ao centro da cidade, e outras 23 unidades no Estado do Rio, sendo 18 delas na capital.
O campus original da UniverCidade fica em Ipanema (zona sul do Rio), mas a instituição tem outros 16 campi em diferentes bairros da cidade. Três desses foram ou serão inaugurados neste ano.
A instituição foi criada em 1982. Em 1995, antes de ganhar o título de centro universitário, tinha cerca de 8.000 matriculados em cinco campi na cidade do Rio. Em 2001, o número chegou a 25 mil estudantes, um aumento de 212,5%."
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"Parceria busca ampliar campi", copyright Folha de S. Paulo, 8/07/01
"A expansão da UniverCidade e da Estácio de Sá, no Rio, tem algumas características em comum, como as parcerias com colégios para criar novos campi.
Em um endereço da UniverCidade a ser inaugurado em Bangu (zona oeste), funciona o Centro de Qualificação João Paulo I. As aulas dos cursos de direito, administração e informática serão em um prédio nos fundos do colégio.
A Estácio de Sá também divide espaço com alguns colégios, como o campus no Méier (zona norte), que funciona no mesmo endereço do Colégio Nosso Lar.
As duas instituições garantem que os locais são adequados para os campi universitários."
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"Estácio de Sá diz que administra bem os recursos", copyright Folha de S. Paulo, 8/07/01
"Ao responder às críticas de que estaria praticando concorrência desleal, o diretor da mantenedora da Universidade Estácio de Sá, Marcelo Campos, afirma que a instituição ?não trabalha em função da concorrência?.
?Nós podemos oferecer um curso de qualidade com preço baixo, administrando os recursos com muita racionalidade.?
Segundo Campos, não há variação da qualidade entre cursos que funcionam em campi diferentes. ?Em qualquer unidade da Estácio você verá bibliotecas, laboratórios e uma boa infra-estrutura do curso. Os professores são praticamente os mesmos?, afirma.
Sobre a acusação de que oferece bolsas para alunos se transferirem de outras instituições, ele diz que seria deslealdade com o aluno da Estácio.
O pró-reitor da UniverCidade (Centro Universitário da Cidade), Paulo Alonso, afirma que a expansão da instituição e o baixo preço das mensalidades não afetam a qualidade do ensino da instituição. ?É possível oferecer mensalidades baixas e bons resultados. Nosso curso de direito, por exemplo, foi o primeiro das universidades particulares no rigoroso exame da OAB no Rio.?"
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"Osasco motiva disputa entre Uniban e Unip", copyright Folha de S. Paulo, 8/07/01
"Se o mercado de ensino superior no Rio de Janeiro tem contornos de uma guerra comercial, em São Paulo a disputa entre instituições provoca troca de acusações de perseguição política.
A principal divergência no Estado é entre as universidades Uniban (Universidade Bandeirante de São Paulo) e Unip (Universidade Paulista).
Segundo o vice-reitor da Uniban, Milton Linhares, desde que a universidade abriu um campus em Osasco (região metropolitana de São Paulo), ela ?passou a ser perseguida pela Unip no CNE [Conselho Nacional de Educação? pelo conselheiro Yugo Okida [vice-reitor de ensino da Unip?. A instituição concorrente nega que isso tenha ocorrido.
Segundo Linhares, a suposta perseguição começou porque o campus de Osasco foi construído próximo a uma unidade da Universidade Paulista. ?A Unip se viu prejudicada com a perda de alunos de seu campus?, diz Linhares.
O campus da Uniban em Osasco foi considerado ilegal pelo Conselho Nacional de Educação e pelo MEC por ter sido construído em município fora da sede da instituição, que fica em São Paulo.
A Uniban foi à Justiça e ganhou o direito de atuar em municípios da Grande São Paulo, e não apenas na capital.
?Em 1997, construímos um campus em São Bernardo do Campo (também na região metropolitana de São Paulo) e ninguém reclamou. A perseguição só começou quando decidimos atuar em Osasco, em 1999?, afirma o vice-reitor da reclamante.
Em meio à guerra entre as instituições, jornalistas e deputados receberam um dossiê contra o reitor da Unip, João Carlos Di Gênio, dono também da rede Objetivo.
A Uniban nega a autoria do dossiê, assinado por uma organização chamada Instituto Brasileiro de Notícias, cujo número não consta da relação de telefones da capital paulista.
?Tivemos acesso a esse dossiê e já respondemos com provas a todas as acusações?, afirma Di Gênio. Sobre a ?perseguição política? a que Linhares se refere, Di Gênio afirma que a Unip não disputa mercado com a Uniban.
?Tenho dados que demonstram que os alunos da Unip nem sequer se interessam em prestar o vestibular da Uniban. Portanto querer transformar a Uniban em concorrente da Unip não reflete a realidade dos fatos.?
Ele afirma também que não há perseguição política da Unip, por meio de Okida, à Uniban. ?Quem primeiro apresentou ao CNE a questão sobre irregularidades na implementação do campus da Uniban em Osasco não foi o conselheiro Okida, mas a conselheira Eunice Durhan, na reunião do dia 4 de outubro de 1999?, diz Di Gênio. Ele enviou à Folha uma gravação da reunião do conselho para comprovar sua afirmação.
O reitor da Unip ressalta também que a votação no Conselho Nacional de Educação que julgou que a Uniban cometeu irregularidades se deu por unanimidade.
Di Gênio diz que o fato de a Uniban poder regularizar seu campus não deixa a Unip contrariada. ?Estamos convencidos de que a Uniban não agiu corretamente ao instalar o campus de Osasco sem a devida autorização do CNE, mas o fato de ela poder regularizá-lo não deixa a Unip contrariada. Ao ?contrário, nossa universidade somente terá a ganhar porque poderá abrir mais de 20 campi na região metropolitana de São Paulo.?"
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"Não regulamos ?guerra de mercado?, diz MEC", copyright Folha de S. Paulo, 8/07/01
"A diretora da Sesu (Secretaria de Educação Superior do MEC), Maria Helena Guimarães de Castro, afirma que não é função do ministério regular a disputa pelo mercado do ensino superior.
?Em competição de mercado o MEC não entra. O tipo de fiscalização que fazemos é única e exclusivamente para garantir condições mínimas de qualidade. Não podemos interferir numa guerra de mercado?, diz Maria Helena.
O MEC pode interferir indiretamente nessa disputa apenas quando autoriza, reconhece e avalia os novos cursos. Na semana passada, foram anunciadas novas regras que, na avaliação do ministério, tornam mais rígidas as condições para expansão das universidades, centros universitários e faculdades.
Um dos temas mais polêmicos e que mais gerava dúvidas era a questão dos cursos fora de sede. Algumas universidades conseguiram na Justiça o direito de abrir cursos fora de sua sede sem pedir autorização ao ministério ou ao CNE (Conselho Nacional de Educação), já que a legislação dava margem a mais de uma interpretação do texto.
?A partir de agora, todos os cursos fora de sede deverão ser autorizados pelo MEC. Caso contrário, não poderão dar diplomas válidos para os alunos. O objetivo das mudanças foi criar normas e critérios mais rígidos, respeitando a autonomia universitária que a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) garante?, diz Maria Helena.
No caso específico de cursos abertos em novas unidades de uma instituição na mesma cidade, mas com endereços diferentes (como é o caso da expansão da Estácio de Sá e da UniverCidade, no Rio de Janeiro), Maria Helena explica que a avaliação do ministério é feita em cada unidade.
Isso significa que um curso de direito, por exemplo, aberto por uma universidade ou centro universitário em outro endereço da mesma cidade onde está o campus original passará por avaliação separadamente do curso original.
?A autonomia do campus central não se estende aos campi fora de sede. Todos têm que se submeter à renovação de reconhecimento do MEC. Se o ministério renovar o reconhecimento de algum curso na sede, essa renovação não se estende aos cursos fora dela?, explica a diretora da Sesu.
Provão
O MEC avalia os cursos por meio de visitas de técnicos que analisam a infra-estrutura e a qualificação do corpo docente e por meio do Exame Nacional de Cursos, o provão, que leva em conta a nota dos formandos numa prova realizada anualmente.
As universidades que se expandiram de forma acelerada podem, em tese, até perder o credenciamento do MEC, caso o crescimento não tenha seguido as metas autorizadas no plano de desenvolvimento institucional.
As mudanças que tornam mais rígidas a fiscalização e a autorização para abertura de novos cursos entram em vigor a partir da data de publicação do decreto no ?Diário Oficial? da União.
As medidas anunciadas acabaram por concentrar mais poder no Ministério da Educação. Com isso, o poder do Conselho Nacional de Educação foi reduzido nas decisões sobre o fechamento de novos cursos.
Uma das principais críticas ao processo de avaliação de cursos instituído pelo ministro Paulo Renato Souza é o fato de nenhum curso ter sido fechado. Com as novas medidas, isso pode vir a acontecer com mais facilidade."
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"Universidades têm autonomia para criar cursos", copyright Folha de S. Paulo, 8/07/01
"Os termos da legislação para a abertura de novos cursos costumam confundir mesmo quem lida diretamente com o dia-a-dia do Ministério da Educação.
Pela Constituição e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, as universidades possuem autonomia para criar novos cursos em sua sede, assim como os centros universitários, diferentemente do que ocorre com faculdades, escolas e institutos superiores.
A autorização para criação de um curso é o primeiro processo que deve passar pelo MEC, caso a instituição não tenha a autonomia de uma universidade ou de um centro.
Após a criação, o curso precisa ser reconhecido, ou seja, ter seu diploma validado. Esse processo acontece, em geral, dois anos após a criação da primeira turma, e os técnicos do MEC visitam o curso.
O reconhecimento de um curso é temporário e pode ser cassado, caso seus alunos obtenham conceitos baixos consecutivos no provão e a instituição tenha notas ruins na avaliação das condições de oferta.
As universidades e centros universitários podem perder seus títulos no processo de recredenciamento, que avalia, por exemplo, se a instituição cumpriu as metas estabelecidas quando recebeu o título."
"MEC tira poder de conselho e decide fechar cursos com três
notas E seguidas no Provão", copyright IstoÉ,
8/07/01
"As escolas de ensino superior que se transformaram em fábricas de diplomas nos últimos dez anos podem fechar suas portas. Na terça-feira 3, o ministro da Educação, Paulo Renato Souza, e a secretária de Ensino Superior, Maria Helena de Castro, anunciaram novas regras para o encerramento dos cursos que tiveram notas E (a menor de todas) no Provão e que forem também reprovados na Avaliação das Condições de Oferta (ACO) feita pelo MEC. A principal mudança foi a diminuição das funções do Conselho Nacional de Educação (CNE), que perde o poder de fazer o reconhecimento dos cursos e credenciar ou recredenciar instituições de ensino. Segundo Paulo Renato, a mudança permitirá maior transparência no processo de criação de faculdades e no funcionamento do sistema de ensino superior. ?Havia um mecanismo de dupla deliberação – MEC e CNE – que virou um jogo de empurra e tornava praticamente impossível fechar um curso?, criticou o ministro. O caso mais recente foi o da Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas, no Rio, que teve seu fechamento determinado pelo MEC por causa das notas baixas no Provão. A decisão do CNE foi contrária e a faculdade continuou funcionando.
Pelas novas regras, o CNE passa a ser um órgão assessor e não uma instância muitas vezes superior ao MEC. Além de credenciar e recredenciar cursos, o ministério passa a ser o único responsável pelo reconhecimento de faculdades isoladas e a criação de novos cursos. A decisão sobre criação de campi de universidades fora de suas sedes também fica exclusivamente com o MEC. O poder só não será absoluto para os cursos de direito, medicina, odontologia e psicologia. Nesses casos, será necessário ter pareceres da Ordem dos Advogados e do Conselho Nacional de Saúde. A maior novidade está nos critérios de fechamento de faculdades e cursos. O MEC quer fechar as faculdades que tiverem três notas E seguidas no Provão e dois anos de mau resultado na avaliação do MEC. O conselho ainda vai deliberar sobre as universidades e atuará como instância de recursos, desde que solicitada. As regras para os recursos ainda estão em discussão. Mas o quadro da educação brasileira pedia uma ação dura. Todas as instituições constantes no ranking das piores do Brasil poderão ser enquadradas na nova lei, caso seus processos de recredenciamento ainda não tenham sido enviados ao CNE. O reitor da Unip, João Carlos Di Gênio, aprovou as decisões, mas sugeriu que a nota do Provão conste também no currículo dos alunos. ?Isso acabaria com os boicotes?, observou."