OI, SEIS ANOS
Deonísio da Silva
Nesses seis anos foram muitos os nossos desconcertos. Para citar apenas alguns como referência, lembremos certos escândalos que nossa briosa imprensa registrou. O ranário do então presidente do Senado, Jader Barbalho; a violação do painel da mesma Casa, que incriminou o antecessor dele no mesmo cargo, o senador ACM; o caso do juiz Nicolau dos Santos Neto. Etc.
Para conforto dos cidadãos, todos os citados perderam os respectivos cargos e começaram a ser punidos, coisa antigamente muito rara nesses casos. Para tanto, a contribuição da imprensa foi decisiva. Mas se disséssemos o óbvio? Que nada de novo acontece sob o sol, segundo nos ensina o Eclesiastes? Muito antes de Nicolau, outro juiz, de sobrenome Apius, na Roma antiga, vendia sentenças favoráveis, assinando-as com as iniciais dos três prenomes. A rubrica L A R Apius tornou-se "larapius" na boca do povo, neologismo latino para ladrão, passando ao português larápio.
Houve um tempo em que a imprensa dava mais atenção a certas miudezas da vida cotidiana. Parece-me que anda meio esquecida da verdadeira vida dos cidadãos. A maioria massacrante dos brasileiros abomina comportamentos como os citados. Não digo que denúncias semelhantes devam cessar, mas talvez seja preciso temperar jornais, revistas, portais e programas de rádio e TV com o granus salis da vida que navega por outras águas. Afinal, se o povo imitasse certos governantes, o mundo estaria numa baderna de convivência impossível. Sabemos que "viver é perigoso", como nos ensinou o mineiro João Guimarães Rosa no seu Grande Sertão: Veredas. Aliás, muito antes dele, Gonçalves Dias tinha avisado que "a vida é combate/ que os fracos abate", aconselhando: "não chores, meu filho/ não chores, que a vida/ é luta renhida/ viver é lutar".
Mas, se viver é perigoso, ainda é possível conviver em saudáveis parcerias. E as multidões, quando conscientizadas de maiores perigos, deixam de se omitir e comparecem para dizer de que lado estão e o que querem. E principalmente o que não querem, como acabaram de fazer na França. Quem diria! Justo na França, um reacionário direitista, racista e cheio de ódio contra a Humanidade disputou a presidência da República! Em maio de 2002, dia 5! Ó dor! Mas, vistos os resultados, que alívio para todos! Ou quase todos, claro!
Um oásis
Andando pelo Brasil meridional nesses dias, ouvi de diversos ex-colegas e amigos, que há tempos não via, desabafos do tipo "não vejo mais o programa tal, não leio mais a revista X", ou "não assino mais o jornal Y, não estou a fim de me deprimir". Sem contar aqueles que confidenciam ler entristecidos. De um deles ouvi o seguinte: "Sim, temos que saber de tudo o que não dá certo, mas por que não aparece o que dá certo?"
Depois de ouvi-los, fui ver pela televisão o clássico Corínthians x São Paulo. O timão perdia ao final do primeiro tempo. Quando os dois times voltaram para o gramado, um repórter quis saber o que o técnico Carlos Alberto Parreira tinha dito no vestiário. "Ele disse que falta alegria", disse um jogador. O jornalista desconfiou do que ouviu e consultou outro jogador: "Foi isso mesmo, ele pediu mais alegria no toque da bola". O Corínthians virou o jogo. Ainda quando empatou, a câmera mostrou a palma da mão de um torcedor que profetizara ali um resultado otimista: 3 x 1. Depois de ter vencido o jogo por 3 x 2, o próprio técnico confirmou ao jornalista Milton Neves que pedira alegria no intervalo, que não é possível vencer sem alegria.
Lembrei-me do lema que José Mindlin ostenta em sua gloriosa biblioteca: "Não faço nada sem alegria".
Sugiro que pensemos nisso: na alegria que pode e deve presidir aos nossos atos de escrever e ler. E observar, claro! Afinal, escrevemos no e lemos o Observatório da Imprensa. No meu caso, todas as semanas deixo a Judéia de Santo Carlos e vou em direção do Egito, mais precisamente em busca do Luiz Egypto. Confesso aos leitores que escrevo sempre com alegria, ainda que às vezes as condições sejam adversas, como agora, em viagem, escrevendo no computador de um hotel porque meu notebook, com aquela maldade comum aos objetos inanimados, pifou justou num fim de semana, quando não se encontra quem o conserte.
E todas as terças-feiras, tão logo entra na rede a nova edição, devo ser um dos primeiros leitores a ver o que meus colegas escreveram, como viram o Brasil e o mundo na semana que passou. Para mim, o Observatório da Imprensa é um oásis onde mato minha sede. Na próxima semana estarei com sede de novo.