Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Nas mãos dos grandes grupos

ENSINO DE JORNALISMO

Cláudia Zardo (*)

Escrevo este artigo como uma cidadã brasileira que visa melhorias para o país; não escrevo na condição de estudante de Jornalismo, que deveria seguir a cartilha da imparcialidade. Opto por fazer um apelo àqueles que têm condições de analisar as manobras comerciais de grupos político-econômicos e que se importam com o futuro do ensino oferecido às nossas crianças hoje. Com este artigo, correrei o risco de ser perseguida pelos poderosos e pela mídia local; mas, como cidadã brasileira, não posso me calar diante do que vejo no cenário nacional.

Segundo editorial da Folha de S.Paulo de 4 de setembro de 2002, a rede privada de ensino público representava, em 2001, 89,4% do total de instituições de ensino superior no país. É evidente que a educação, que deveria ser um direito, tornou-se uma mercadoria. Não estando habilitada para falar sobre aquilo que desconheço (números nacionais), ilustrarei o artigo com exemplos da minha realidade na universidade.

Comecemos com alguns dados: a universidade na qual estudo é uma instituição privada. que pertence a um grupo econômico dono de emissoras de TV, universidades, time de basquete etc. em vários estados. O dirigente do grupo é suplente de um senador mineiro. Estamos em Uberlândia (MG). É uma cidade de médio porte, com pouco mais de meio milhão de habitantes, e o segundo maior PIB do estado de Minas. Aqui, o mesmo grupo que comanda a universidade é dono da TV Alterosa (afiliada do SBT) e grande anunciante dos veículos de comunicação na cidade. (A TV Integração é afiliada da Rede Globo e a TV Paranaíba foi comprada pela Rede Record.)

Questiono, quem, numa cidade de médio porte, ousaria bater de frente com um grupo forasteiro com tanto poder e dinheiro? E quem são os jovens que, hoje, acompanham e idolatram o time de basquete da universidade? Quem serão os futuros eleitores?

Qualidade do ensino

Por outro lado, a cidade é informada por "um jornal impresso" pertencente à holding Algar. Temos uma universidade federal (UFU) e outras seis instituições particulares de ensino superior. No que tange ao curso de Jornalismo, a universidade na qual estudo é a única a oferecer o serviço, quer dizer, o curso. Daí, conclui-se que temos duas opções: primeira, aceitar as condições impostas, ou não se formar; segunda, calar-se para conseguir emprego após se formar.

A universidade acabou de se mudar para um campus novo e pomposo. No estacionamento vemos uma placa que diz: "Esta obra foi financiada pelo MEC em parceria com o BNDES". Pergunto-lhes: de quanto seriam os juros deste empréstimo? Por que um grupo tão poderoso e rico necessitaria de dinheiro do governo (dinheiro dos nossos impostos) para construir um campus novo?

Agora, trabalharemos com hipóteses, pois a mantenedora da universidade não mostra o balanço a qualquer um. Nós temos mais ou menos 12 mil alunos nos períodos manhã, tarde e noite. A média cobrada, nas mensalidades, é de R$ 450 ? alguns cursos chegam a cobrar R$ 920. Portanto, temos 12 mil mensalidades, multiplicadas ? pela média ? R$ 450. O valor final da conta é: R$ 5.400.000,00 (cinco milhões e quatrocentos mil reais) por mês, brutos. Admitamos que a inadimplência seja de 40% e que a manutenção do quadro de funcionários e despesas atinja outros 30% do valor bruto. Mesmo, hipoteticamente, sobrando 30% do valor bruto, a universidade estaria lucrando R$ 1.620.000,00 (um milhão, seiscentos e vinte mil reais) ao fim do mês. Ou seja, R$ 19.440.000,00 (dezenove milhões, quatrocentos e quarenta mil reais) ano.

Num país em que temos 53 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza, das quais 23 milhões são miseráveis, a universidade, neste contexto, parece ser uma mina de ouro. O resultado hipotético e matemático descrito acima não serve para atacar a universidade, mas para levar à compreensão temática do artigo: a educação deixou de ser um direito básico e passou a ser um grande negócio.

Até aqui, tudo bem. Afinal, os governantes ? que nós elegemos ? abriram o mercado. Sorte daqueles que tiverem acesso às vantagens oferecidas pelo governo à indústria do ensino. Não é o lucro da universidade que está em questão, mas, sim, a qualidade do ensino ofertado por ela.

Andorinhas revolucionárias

Pergunto, se não existe emprego para gente bem-formada nas instituições de nível superior, será que existirá emprego suficiente para jovens mal formados em instituições de nível inferior? Será que os jovens não estão sendo atraídos pelas ilusões do marketing e pelo desejo de ter um diploma nas mãos a qualquer preço? Será que a fachada e o marketing das universidades privadas não são mais atraentes do que a qualidade, intrínseca, do ensino? Caso o Provão seja extinto, com que parâmetros avaliaremos a qualidade das universidades?

Deixo aos leitores as perguntas e a chance de formar suas próprias linhas de raciocínio; mas, como disse no início, como cidadã brasileira faço um apelo a todos: exerçam o dever e o direito da cidadania. É nossa obrigação cobrar do governo e do MEC uma política mais dura com relação à qualificação dos cursos superiores e às concessões dadas às poderosas entidades privadas. É o mínimo que podemos fazer, pois as "crias intelectuais" da universidade, hoje, serão os futuros administradores do Brasil de amanhã.

Se não fizermos nada para regularizar a situação, amanhã sofreremos as conseqüências do descaso e da desqualificação educacional que nos é ofertada hoje. Educação é um direito garantido pela Constituição, mas, é evidente, cabe a nós cobrarmos dos governantes e exigirmos que nossos direitos sejam respeitados.

Finalizo: uma andorinha sozinha e, isolada, não faz a revolução; mas um pombo-correio corajoso, que acredita num país mais justo para todos, pode e deve, sim, tentar juntar as andorinhas revolucionárias que estão espalhadas por aí.

(*) Estudante de Jornalismo da Unit (Uberlândia, MG), pós-graduanda em Administração e Marketing, formada em Desenho Gráfico pela Miami Dade Community College