ARMAZÉM LITERÁRIO
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JORNALISMO CULTURAL
Leneide Duarte
A miséria do jornalismo brasileiro. As (in)certezas da mídia, de Juremir Machado da Silva, Editora Vozes, 156 páginas
Para escrever um livro crítico sobre a imprensa brasileira é preciso ter coragem de criticar os jornalistas que têm o poder de construir celebridades do dia para a noite e, com esse mesmo poder – ao ignorar pessoas que não fazem parte de grupos de eleitos – condenar ao limbo verdadeiros talentos literários e de outras áreas culturais, sobretudo se esses talentos não circulam no eixo Rio-São Paulo.
Essa coragem não falta ao autor de A miséria do jornalismo brasileiro: As (in)certezas da mídia. Juremir Machado da Silva é jornalista, escritor, doutor em Sociologia pela Sorbonne, em Paris, e professor da Faculdade de Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. O autor revela-se um franco-atirador que não tem medo de nadar contra a corrente, com sua língua afiada e seu texto enxuto de frases curtas e claras que não poupam ninguém, nem mesmo as unanimidades. Ele ousa discutir o talento literário de Chico Buarque de Hollanda e de Jô Soares, incensados pela mídia, que não vê senão os mitos ao analisar suas obras literárias. Aliás, o jornalismo cultural, o tema central do ensaio, é apontado como um negócio entre amigos.
A epígrafe que o autor escolheu para o livro já é reveladora de seu desencanto com a isenção da imprensa e com o papel que ela desempenha. É de Balzac a frase que abre o volume: "Se a imprensa não existisse, seria preciso não inventá-la".
O texto do ensaio é ferozmente crítico e ácido, e o autor não tem medo de ser acusado de ressentimento ao criticar a política cultural de grandes órgãos de imprensa. Cita nomes de jornalistas conhecidos e conta fatos que ilustram o preconceito, o parti-pris e, muitas vezes, a desinformação de jornalistas considerados por ele como pessoas "que fizeram um atalho para o sucesso, embora sem garantia de posteridade" Para Juremir, o jornalismo "simula a vida intelectual sem as dificuldades do saber científico, assim como simula o brilho da literatura sem os percalços e dissabores da literatura".
A miséria do jornalismo brasileiro investiga o papel dos jornalistas na construção do mito da informação. Segundo o autor, o jornalista de esquerda e o profissional independente acreditavam (ou queriam acreditar) na objetividade, na imparcialidade e no compromisso com a verdade (mitologias da profissão). Ele vai além: acusa os jornalistas de terem uma parte (raramente assumida) de responsabilidade na transformação da mídia em lata de lixo da história. "Repassar toda culpa aos patrões pusilânimes significa antes de tudo arranjar um excelente álibi. A ‘imprensa séria’ deixou-se engolir pelos tablóides. A ideologia do simples, curto, fácil, leve, bonito e espetacular venceu." Este tipo de crítica, lúcida e irretorquível, perpassa todo o livro. Juremir põe a mão na ferida da mediocridade da mídia como um todo ao acrescentar: "O pensamento virou sinônimo de ‘chatice’. Os jornais imitam a televisão. Esta se satisfaz em alimentar os baixos instintos do povo".
A chamada Era da Informação não é senão uma ilusão. Para Juremir, ela não passa de um sistema de desinformação seletiva, onde o primeiro censor é o editor que exerce seu poder em nome das regras do bom jornalismo, sem que o patrão precise andar de chicote na redação. Com a frase "isso não interessa ao leitor", o editor tenta pensar como o suposto leitor e abdica de suas idéias (quando as tem) para pôr-se no lugar do consumidor. E na Era da Informação, constata o autor, a maioria da população brasileira continua desinformada e manipulada. No caso da televisão, as emissoras a cabo são uma ilha para as elites e o povo recebe shows de vulgaridade pelas TVs abertas. Em síntese, o público é formado para escolher o que escolhe. Sendo assim, conclui o autor, a sociedade, em sua totalidade, é responsável por esse sistema que impede a formação de cidadãos plenos.
Sem medo de parecer um ressentido, Juremir destaca que a impossibilidade da crítica deriva da lógica interna de autoproteção da mídia: toda crítica representaria uma confissão de ostracismo ou de incompetência para ocupar um espaço no reino encantado do jornalismo. Mas à tentativa de a mídia ver seus críticos como fracassados, excluídos, famintos por espaço que não lhes será concedido, Juremir rebate argumentando que o simples fato de o respeitadíssimo Pierre Bourdieu (assim como os principais intelectuais europeus, entre os quais Jean Baudrillard) liderar a crítica mais radical à mídia neste final de século invalida o argumento da inveja.
Em tempos de uniformização do pensamento e de poucos olhares críticos como o que revela o livro, A miséria do jornalismo brasileiro é uma leitura obrigatória para quem vê a mídia como uma entidade independente e pautada por absoluta objetividade. Para professores e estudantes de Comunicação, pode ser o ponto de partida para um debate fecundo sobre o universo do jornalismo.
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