GUERRA & BIOTERRORISMO
"TV em guerra", copyright Folha de S. Paulo, 19/10/01
"Não chega a ser como no ataque às duas torres de Nova York, mas o anúncio do terceiro caso de antraz nas TVs fechou o cerco a mais um símbolo do poder americano-o trio CBS/NBC/ABC.
Hoje elas já foram absorvidas por corporações, já dividem poder e audiência com canais como CNN e Fox, já se tornaram os ?três ratinhos cegos?, no apelido recente, mas ainda carregam a velha aura.
Foi o que o terror quis atingir, ao que parece com algum êxito. No dizer do âncora da CBS, Dan Rather, ontem:
– Nosso maior problema não é o antraz. É o medo.
E assim a TV americana, ontem mesmo, se alistou de uma vez por todas.
A CBS, enquanto anunciava seu caso de antraz, informou que foi a uma reunião de empresas de entretenimento -o que se chama de Hollywood- com dois assessores do presidente George W. Bush.
A idéia, disse ele abertamente, é formar uma força-tarefa que ligue os esforços de Bush aos criadores do cinema e da TV.
Os mesmos, registre-se, que inspiraram os atentados.
O Brasil não tem nada a ver com os atentados, com o ataque ao Afeganistão, com o antraz. Mas a TV não se cansa de buscar uma ponte, algo que aproxime o país do terror.
Ontem, a bomba no McDonald?s do Rio surgia nos telejornais lado a lado com o antraz. Sem nada que ligasse uma coisa a outra -a não ser a própria histeria da TV, que vai tornando o medo também o maior problema brasileiro.
Anteontem a TV do Irã anunciou, segundo um site inglês, Ananova, que já tinha notícia de combate de soldados americanos com afegãos. Os americanos teriam descido no país em helicópteros.
Depois da Al Jazeera, talvez seja preciso começar a prestar atenção a outras emissoras da região: ontem a CNN e outras fontes americanas começaram a entrar no assunto.
A CNN perguntou ao secretário de Defesa se haveria tropas americanas para receber a rendição dos afegãos -estimulada por transmissões de rádio que os militares vêm fazendo no país desde o fim de semana. O secretário desconversou.
Mas George W. Bush já avisou em discurso, mostrado na BBC, que as bombas preparam o caminho para ?tropas no chão?. E Tony Blair foi na mesma linha, ao dizer que os ataques aéreos estão perto de acabar."
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"Guerra, o cotidiano", copyright Folha de S. Paulo, 18/10/01
"Próximo de sair dos EUA em viagem à Ásia, George W. Bush fez o possível para transparecer normalidade -ou, pelo menos, para deixar claro que a guerra, no momento, é parte do cotidiano.
Ele chegou a avisar, como mostrou a CNN:
– As pessoas vão se cansar da guerra. Algumas vão começar a dizer: ?Estamos cansados, mas Bush continua?. Quando isso acontecer, quero que vocês saibam que vou persistir porque acho que é a coisa certa.
Ele continuou:
– Por falar nisso, a guerra pode levar mais do que dois anos. Eu estou prevendo mais do que isso. Talvez o teatro do Afeganistão seja menos do que isso… Quem sabe?
Como a guerra pode tomar -quem sabe?- décadas, as pessoas que tratem de ir se acostumando.
Alan Greenspan, presidente do banco central americano, já comentava ontem que o efeito da guerra na economia ?não é de maneira nenhuma tão ruim como muitos temiam?.
E a CBS, estimulada pela Casa Branca, como a rede admitiu, vai para sua terceira tentativa de entregar o prêmio Emmy, no dia 4. Atores e produtores de TV já confirmam presença, como se fosse um ato cívico.
A CBS aventou realizar a cerimônia numa base militar, mas achou que não era o caso. Afinal a guerra, com antraz e tudo, entrou para o cotidiano.
Até Rowan Atkinson, o Mr. Bin, reage à onda crescente de censura. Ele divulgou uma carta pública em Londres, contra uma legislação que Tony Blair está tentando emplacar. A lei quer banir tudo aquilo que ?incitar ao ódio religioso?.
Muito sério, aparentemente, Atkinson lembrou que na sua carreira quase inteira ele vem parodiando religiosos. E fez uma pergunta:
– Como seria julgada, sob a nova lei, aquela piada de muitos anos atrás, mostrando os fiéis ajoelhados numa mesquita, mais a locução: ?E continua a procura pelas lentes de contato do aiatolá Khomeini??"
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"O oráculo", copyright Folha de S. Paulo, 17/10/01
"Logo que caíram as torres de Nova York, Francis Fukuyama, autor do célebre ensaio ?O Fim da História?, sugeriu tratar-se de uma prova do excesso de atenção dado às suas idéias. Reclamou ele:
– Os observadores têm valorizado pouco a visão de Huntington em comparação com a minha hipótese.
Huntington é Samuel P. Huntington, autor de outro ensaio também celebrizado, pós-queda do Muro de Berlim, ?O Choque de Civilizações??.
Fukuyama sugere que errou em sua ?hipótese?, ao prever que a modernização capitalista não teria mais oponentes. E que Huntington acertou em sua ?visão?, ao prever o choque do Ocidente com o islã.
É o que se vem ouvindo aqui e ali, nas últimas semanas, dos observadores de TV. Mas nada de Huntington aparecer para recolher as glórias do oráculo confirmado.
Pois bem, ele surgiu afinal -ou pelo menos foi citado por um comentarista da CBS. E o que Huntington falou frustra Fukuyama e demais partidários do ?choque de civilizações? no caso presente.
Entre tais partidários podem ser alinhados desde Osama bin Laden, que fala em ?cruzada? contra o islã, até os ?falcões? americanos, que não diferenciam o islã do terror e querem ampliar a guerra.
Falou Huntington, o oráculo, ao ser questionado se os atentados são o ?choque?:
– No momento, não é um choque de civilizações, É um ataque de um grupo terrorista à sociedade civilizada, nos EUA, mas também à sociedade civilizada em toda parte.
Em suma, concluiu a CBS, é o ataque de um grupo à sociedade civilizada, tanto a ocidental como a islâmica.
Talvez agora, com a escalada da guerra de propaganda, com extremistas ocupando a TV com mais ameaça e medo, Huntington tenha mudado de idéia. Mas o oráculo ainda não falou pela segunda vez.
Da CNN, ontem:
– O presidente estuda a possibilidade de uma entrevista para o canal Al Jazeera.
Um dia antes, falou ao canal do Qatar Condoleezza Rice, assessora de George W. Bush. A mesma que pressionou, com sucesso, as redes americanas a se autocensurarem.
Se Bush vier a conceder, de fato, uma entrevista exclusiva ao canal Al Jazeera, será a marca definitiva do vexame do telejornalismo americano.
Outras marcas se sucedem. Por exemplo, as desculpas que a CNN divulgou por ter aceito enviar um questionário a Bin Laden. Por exemplo:
– Se nós acharmos que as respostas não valem notícia, nós não vamos divulgar nenhuma.
Chega a ser risível. Bin Laden responde -e a CNN não transmite nada."
"Antraz atinge as três maiores TVs", copyright Folha de S. Paulo, 19/10/01
"Com a infecção na CBS de uma assistente do âncora Dan Rather, divulgada ontem, os ataques bioterroristas com antraz atingiram as três maiores emissoras de TV aberta dos EUA. Ontem, o presidente da empresa anunciou que uma de suas funcionárias havia sido infectada com a bactéria na sede, no centro de Manhattan.
?Ela está bem e deve se recuperar totalmente?, disse Andrew Heyward, que não identificou a vítima. Ela era a responsável pela correspondência, mas não se sabe ainda como ocorreu a infecção, uma vez que ninguém na emissora se lembra de ter recebido cartas suspeitas ou de conteúdo ameaçador recentemente.
Ontem ainda, o governador do Estado de Nova Jersey, Donald DiFrancesco, anunciou a infecção de uma funcionária do correio. Trata-se de uma empregada do posto de Hamilton Township, na periferia de Trenton. É desta cidade, a cem quilômetros de Nova York, que partiram as cartas contaminadas dirigidas ao âncora Tom Brokaw, na NBC, e ao senador democrata Tom Daschle, no Capitólio, em Washington.
?Nosso maior problema hoje não é o antraz?, disse o jornalista Dan Rather, 69, o mais famoso e respeitado entre os três âncoras das três emissoras. ?Nosso maior problema hoje é o medo.?
Com isso, aumentou para seis o número de pessoas infectadas pela bactéria nos Estados Unidos. Entre estes houve uma morte, a do fotógrafo Robert Stevens, de Boca Raton, na Flórida, funcionário da empresa de revistas sensacionalistas American Media.
Dos seis, quatro desenvolveram o tipo cutâneo da doença, menos grave. É o caso da funcionária de Rather e da empregada do correio de Nova Jersey e também de Erin O?Connor, 38, assistente do âncora Tom Brokaw, na NBC, e de um bebê de sete meses, filho de uma produtora da ABC. Todos estão sendo tratado com antibióticos e passam bem.
Outras 40 pessoas testaram positivo para a presença do microorganismo. São funcionários da American Media na Flórida (1), do Senado (31) e da Prefeitura de Nova York (3).
Traços da bactéria foram encontrados também no gabinete do governador de Nova York em Manhattan, na filial da Microsoft em Reno (Estado de Nevada) e num posto de correio na Flórida.
No caso do governador George Pataki, a bactéria foi detectada na ala de segurança, embora nenhuma carta ameaçadora tenha sido recebida. Autoridades acreditam que os policiais que acompanham o político tenham entrado em contato com o antraz durante investigações dos outros casos.
Autoria desconhecida
Em Trenton, Nova Jersey, o FBI (polícia federal) continua investigando vídeos de vigilância do posto de correio em que as cartas da NBC e do Senado foram despachadas, em busca de suspeitos.
Além de trazerem o mesmo tipo de letra nos envelopes e conteúdo semelhante, sabe-se que ambos foram pré-selados. Além disso, o tipo de antraz encontrado na Flórida é igual ao que constava da carta da NBC, o que liga os três casos e indica uma autoria única -e, como acreditam cada vez mais as autoridades, doméstica.
Policiais investigam também as farmácias locais para saber se houve alguma grande venda do antibiótico Cipro antes da data em que as cartas foram enviadas. A compra indicaria que o autor do atentado poderia ter sido infectado ou estaria se prevenindo.
Para combater a infecção, o remédio deve ser tomado por 60 dias, de uma a duas vezes por dia. A porta-voz Sandra Carroll, do FBI, não quis confirmar se alguma farmácia local declarou qualquer venda suspeita.
Segundo o farmacêutico John Berkenkopf, proprietário da farmácia Episcopo, os agentes do FBI perguntaram por pessoas que teriam prescrição para algo entre 60 e 120 pílulas de Cipro.
?Furo mundial?
Ontem ainda chegaram às bancas os primeiros exemplares das revistas sensacionalistas editadas pela American Media, a primeira empresa a ter funcionários contaminados pela onda de bioterrorismo que abala os EUA.
?Furo mundial?, diz a manchete da ?The National Enquirer?: ?Bioterrorismo – O ataque do antraz da Flórida na sede da ?Enquirer?? é o ?titulo da capa. E o aviso tranquilizador aos leitores: ?Nossos exemplares não são impressos na Flórida?.
Além desta, a American Media edita outras cinco revistas de mesmo teor. Numa delas, há um perfil do fotógrafo Robert Setevens, 63, a primeira vítima do antraz. ?O homem que salvou a América?, diz a reportagem, afirmando que, se não fosse pela infecção do funcionário, ninguém saberia da ameaça.
Segundo investigações do FBI na sede da empresa, que continua fechada, a carta que causou as primeiras infecções pode ter sido jogada fora. As seis revistas que começaram a ser distribuídas ontem foram produzidas em redações improvisadas em Miami."