GUERRA & TERROR
"Mandar no mundo", copyright Folha de S. Paulo, 29/10/01
"FHC voltou a uma emissora da Globo, agora de rádio, a CBN, para mais uma vez dizer pouco, em mais uma longa entrevista. O locutor Heródoto Barbeiro bem que tentou, perguntando, por exemplo, do discurso de ?oposição? de Tasso Jereissati e José Serra.
FHC escorregou, elogiou o número de candidatos tucanos como se fosse qualidade e fez o que ele e Pedro Malan mais gostam: atacou o populismo do petista Lula, desta vez pelo programa contra a fome.
Só foi fazer algo além de campanha eleitoral bem mais tarde, com registro em outra rádio, a Jovem Pan -que virou a grande sombra da CBN na cobertura política, agora que seu sinal chegou a Brasília.
O que o presidente fez que surpreendeu, na Pan como nos telejornais todos, a começar do JN, foi uma inusitada crítica aos Estados Unidos.
Evidenciou que prefere, no comércio exterior, a relação com a Uni&atiatilde;o Européia, não a Alca. Questionou a concentração de poder nas decisões globais e, diretamente, os EUA:
– A potência dominante não pode mandar sozinha.
Não ficou claro, de início, o porquê disso tudo. Mas aos poucos as coisas se esclareceram, sobretudo quando disse:
– O Brasil, país ético e de cultura plural, tem todas as características para influir.
Era campanha, de novo. Mas agora em favor de alguém do Brasil que possa ajudar a mandar no mundo.
Não é só no Brasil que a campanha eleitoral começa a dar sinais de seu vale-tudo. Nos EUA, uma candidata ao Senado vem explorando descontroladamente os atentados.
Num de seus comerciais, uma das torres do WTC é atingida -e na sequência a imagem muda para a torre Sears, que fica em Chicago, Illinois.
Noutro comercial visto na internet, a própria candidata surge dizendo que não vai ?ceder ao terror? e vai seguir lutando por mais obras."
***
"Sim, é possível", copyright Folha de S. Paulo, 24/10/01
"Foi preciso que as Nações Unidas viessem a público confirmar que um hospital tinha sido atingido pelos Estados Unidos.
Daí o Pentágono admitiu, mas não tudo. Afirmou, segundo a BBC, que ?problemas no sistema? haviam levado ?pelo menos? três bombas americanas a saírem à solta pelo Afeganistão.
Uma delas teria atingido, segundo a porta-voz do Pentágono, um asilo para idosos. Que talvez seja, de fato, um hospital? ?Sim, é possível.?
É possível, mas nada de muitos mortos, nada de cem mortos, como afirmou o Taleban anteontem. ?Quase tudo o que nós ouvimos (do Taleban) nas últimas semanas era mentira?, reagiu a porta-voz.
Talvez cem mortos seja mentira, realmente, mas a bomba no hospital não foi.
O episódio expôs até o secretário de Defesa, que comanda o Pentágono e disse anteontem, em resposta ao Taleban, ter ?certeza? que os EUA não haviam atingido um hospital.
Pior, foi no mesmo dia, anteontem, em que o secretário anunciou às câmeras que cobriam sua entrevista coletiva diária:
– Nós não vamos fornecer informações que possam pôr em risco o êxito dos nossos esforços para acabar com as redes terroristas.
Não é fácil, para as redes americanas e ocidentais em geral, acreditar e reproduzir o que têm ouvido nas últimas semanas -e não só do Taleban.
Morte de crianças, ataque a hospital, não importa.
Segundo pesquisa Gallup, divulgada pela CNN, 85% dos americanos acham que a morte de civis é inevitável na guerra. Só 13% dizem que elas poderiam ser evitadas.
Então, não é maior problema para o governo George W. Bush, junto à opinião pública interna, se ?pelo menos? três bombas saírem matando, no Afeganistão, quem não tem nada a ver com a história.
Na mesma pesquisa da CNN, 60% dos entrevistados afirmaram que a mídia está exagerando a ameaça de antraz. Isso, é claro, nos Estados Unidos.
Na grande comédia nacional, já que José Serra, Tasso Jereissati e Roseana Sarney estão mais interessados uns nos outros, ainda é o ministro Pedro Malan quem faz as vezes de candidato governista.
Ontem, na Rede Globo, ele voltou a atacar a ?demagogia? de Lula."
***
"Essas falcatruas", copyright Folha de S. Paulo, 23/10/01
"De volta à grande comédia nacional, Paulo Maluf surgiu ontem nos intervalos comerciais, no horário nobre, com aquela indefectível inflexão de voz, falando das denúncias que envolvem Marta Suplicy e Geraldo Alckmin:
– Essas falcatruas eles não explicam. Por isso preferem atacar o Paulo Maluf. No ano que vem vamos derrotá-los.
O comercial tentava mimetizar uma campanha, mas era mesmo uma reação ao indiciamento de Maluf -que estava, não nos intervalos, mas nas manchetes dos telejornais.
Manchetes que destacaram, no Jornal Nacional, o ovo que passou ?de raspão? pela cabeça de Paulo Maluf.
Mais comédia em comercial: Roseana Sarney declarando que ?o destino das mulheres não é eternamente ser vice?, mas, é claro, ?as mulheres, se quiserem, podem ser vice?.
Quarta-feira passada, a TV do Irã deu a notícia dos soldados americanos no Afeganistão. Deu detalhes de localização, combates, helicópteros.
Só alguns sites menores, como o Ananova de Londres e o Villagevoice de Nova York, reproduziram.
No dia seguinte, canais como a CNN especularam sobre uma mensagem de propaganda dos Estados Unidos, usada no Afeganistão, que podia dar a entender o envio de tropas. Mas nada disseram dos soldados já enviados e da TV do Irã.
Só na sexta-feira o fato foi virar notícia no Ocidente, quando afinal confirmado pelo governo americano.
Até ontem, por outro lado, CNN e demais não haviam descoberto de onde estavam saindo os Rangers e outros que vêm descendo no Afeganistão. Seria Omã, talvez.
O problema é que, escaldados pela Guerra do Vietnã e satisfeitos com o controle que tiveram na Guerra do Golfo, os militares americanos não querem mais saber de mídia por perto.
Ela só serve para reprodução de informações e imagens rigidamente controladas -como aquelas esverdeadas, da mesma sexta, mostrando soldados no Afeganistão.
Dia após dia, o telejornalismo americano se vê mais enredado pela guerra de propaganda -que o próprio telejornalismo aceitou, de início.
Mas há sinais de reação, ao que parece pela motivação simples de não ficar para trás. A CNN, assim, teria desistido dos videofones e enviado um ?link? de satélite para Candahar, para uso do correspondente do canal Al Jazeera, do Qatar. Em troca, imagens de qualidade e informações exclusivas.
Até o nacionalismo da TV americana tem limites, quando se trata de levar furo."