GUERRA NA MÍDIA
"A destruição", copyright Folha de S. Paulo, 16/11/01
"A troca de guarda na nova guerra chegou também à mídia. O canal Al Jazeera saiu corrido do Afeganistão -e agora é o serviço de rádio da BBC que responde pelo ?outro lado?.
O mullah Omar, líder do Taleban e personagem tão desconcertante quanto Osama bin Laden, deu entrevista. Falou o diabo. Perguntas e respostas:
– O que você pensa da situação atual no Afeganistão?
– Vocês (a BBC) e as rádios fantoches americanas criaram preocupação. Mas a situação atual no Afeganistão é ligada a uma causa maior, que é a destruição da América.
– O que você quer dizer com destruição da América? Vocês têm um plano concreto para implementá-la?
– O plano está caminhando e, se Deus quiser, será implementado. Mas é uma grande tarefa, que está além da vontade e da compreensão dos seres humanos. Se a ajuda de deus estiver conosco, isso vai acontecer em pouco tempo. Lembre-se dessa previsão.
Devia ter sido mais atemorizante do que o primeiro pronunciamento de Bin Laden.
Até porque, também ontem, o jornal ?The Times? anunciou a descoberta de documentos mostrando como construir bombas nucleares, numa casa de Cabul usada por Bin Laden.
E à noite o responsável pela segurança interna nos EUA surgiu na CNN para dizer que os documentos eram ?consistentes? com ameaças feitas antes pelo mesmo Bin Laden.
Em que pese tal sequência de fatos e declarações, tudo corria como antes, nos canais de notícias, telejornais. Depois de dois meses, a dramaturgia da nova guerra parece esgotada.
Os dois correspondentes que a Al Jazeera tinha no Afeganistão já transmitem do Paquistão. Mas as dificuldades da emissora não param. A última foi descrita assim pela própria:
– Hoje no Texas, autoridades detiveram Mohamed Al-Almey, correspondente da Al Jazeera em Washington.
Entra o correspondente:
– Assim que cheguei para cobrir o encontro entre EUA e Rússia, fui a um serviço de aluguel de carro. Quando mostrei a identificação da Al Jazeera, eles chamaram a polícia, que me questionou dizendo que a Al Jazeera é ligada ao Taleban porque nós temos aí os vídeos.
Depois de quatro horas, o FBI teria liberado o jornalista."
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"Colapso", copyright Folha de S. Paulo, 14/11/01
"O secretário de Defesa dos Estados Unidos precisou aparecer ontem na CNN e outras e dizer:
– A guerra está longe de acabar.
Porque a impressão era que tinha acabado. Os afegãos da Aliança do Norte desfilavam na capital, Cabul, em imagens da CNN, como nas velhas cenas de filme de guerra, de tomada de Roma ou Saigon.
Deixaram para trás os pedidos -as quase ameaças- de George W. Bush e tomaram a capital afegão. Deixaram para trás as acusações -e as provas gravadas- de assassinatos e vinganças contra os soldados do Taleban.
Bush, visto na BBC, se disse ?muito feliz?. Tony Blair, o primeiro-ministro inglês, anunciou que o Taleban estava ?em estado de colapso?.
Mas nenhum aceitou que a guerra está perto de acabar, ao que parece, menos por não terem alcançado Osama bin Laden e mais pelo temor da Aliança do Norte.
Até porque já se dizia ontem mesmo que Bin Laden está a um passo de ser preso.
Era o que anunciavam ?fontes diplomáticas? no Paquistão, fontes que teriam declarado que ?a queda de Cabul selou o destino de Osama bin Laden?.
É coincidência, provavelmente. Mas foi a Aliança do Norte entrar em Cabul e o escritório da emissora do Qatar, Al Jazeera, foi pelos ares.
Segundo a própria emissora, foi um míssil americano que não chegou a matar nenhum dos dez correspondentes e funcionários, mas destruiu todo o equipamento.
Perguntado pela Associated Press se acreditava que o ataque havia sido deliberado, o diretor executivo da Al Jazeera declarou:
– Eles sabem onde nós estamos localizados e eles sabem o que nós temos no nosso escritório.
Do outro lado do mundo, em Atlanta, na Geórgia, a situação não anda muito boa para a CNN.
Duas centenas de manifestantes cercaram a sede da emissora, no final de semana, com faixas como ?CNN, metade da história, o tempo todo?, ecoando o slogan do canal.
Os demais presidenciáveis tucanos se debatem por aqui, mas José Serra faz campanha no exterior, na reunião da Organização Mundial do Comércio, no Qatar.
Estar tão longe não impediu que seu rosto surgisse na televisão, no meio de um mapa, na Globo News."