CRÍTICA DIÁRIA
"No Ar", copyright Folha de S. Paulo
"10/5/02 – Cinema nacional
O cinema é uma indústria e arte em exuberância, hoje no Brasil.
É então que entra Duda Mendonça. Ele chamou o cineasta Paulo Caldas, de ?Baile Perfumado?, para dirigir com ele o programa de Lula.
E o que ambos produziram foi o reflexo do cinema nacional. Mostraram Lula por toda parte, em cenas com qualidade de celulóide.
Sobretudo, na marca de Duda Mendonça, mostraram Lula sem um traço de dramaturgia imposta. Se filmou milhares de vezes para conseguir, pouco interessa.
Importa que Lula relatou emocionado como sua mãe, ?uma heroína?, foi traída e deixada para trás com oito filhos.
Importa que Lula relatou como, com roupas de bebê nas mãos, ele foi ao hospital em que sua primeira mulher havia sido internada, grávida de oito meses:
– Ela tinha morrido. Ela e a criança.
Ele chorou, muitas telespectadoras do horário nobre devem ter chorado com ele.
Foi um filme para ganhar o voto feminino, das mães. As estrelas petistas, de Marta a Benedita, desfilaram em exaltação a Lula e seu ?respeito à mulher?.
Para não esquecer a origem do marqueteiro, ?obras? desfilaram para provar que ?o PT também sabe fazer?.
Até o presidente desfilou no filme, em meio às lembranças de Lula e velhas fotos ao lado dele. Duda Mendonça ainda acaba balançando o voto de FHC.
Apelidado de Partido da Frente Maluca pelo Jornal da Globo, o PFL foi repreendido por Franklin Martins:
– E pensar que o PFL já foi um partido de profissionais. É no que dá ficar trombando com a realidade.
Por Míriam Leitão:
– A demora na votação da CPMF tira dinheiro dos cofres públicos, isso é um perigo e o PFL deveria pensar mais sobre isso. É o país que perde.
E foi repreendido por Pedro Malan, longamente, no Jornal Nacional. A pressão pela CPMF começa a dar sinais de aflição.
– Especulações sobre o momento na corrida eleitoral.
Era o JN, explicando a nova alta do dólar etc.
Antes, à tarde, a Jovem Pan dizia que mais um banco recomendou contra o país. Em comunicado, avisou clientes que ?boatos circulam no mercado? dando conta da queda de José Serra para o quarto lugar.
Não demorou e o grande eleitor, FHC, surgiu para desmerecer os ?conselhos? das instituições contra o Brasil.
9/5/02 – O IBGE achou
Começou cedo, na Globo. Na conversa descontraída do Bom Dia Brasil, ouviu-se um diálogo, sobre o censo:
– A distribuição de renda continua desigual?
– Continua bastante desigual.
– Apesar da concentração de renda, as condições de vida da população melhoraram? Significa que quem chama a década de 90 de perdida está errado?
– Se a década de 90 estava perdida, o IBGE a achou.
Risos, risos. E a avaliação de que ?a melhor surpresa foi a queda da mortalidade infantil?.
FHC surgiu depois, em toda parte, até no JN, com a mesma avaliação ou quase. Para o presidente da década de 90, ?a década de 90 não foi perdida?.
Para o grande eleitor do ex-ministro da Saúde, ?o dado que mais impressionou? foi a queda na mortalidade infantil.
Mas havia ainda o problema da concentração de renda. Diante dos números desfavoráveis, FHC deu a resposta que sobrou: duvidou da pesquisa.
– Ou não se consumiu tanto ou não se ganhou tão pouco. Como é possível comprar tanto se a renda parece baixa?
?Parece??
O IBGE, que não ?achou? toda a década perdida, para FHC, tem que procurar mais, mudar as técnicas. Até achar.
De William Bonner:
– O pré-candidato José Serra comentou os números da queda na mortalidade infantil.
E Serra comentou.
A ?crise dos oito anos? de PFL e PSDB, como apelidou a Globo, segue com os ?pseudo-acontecimentos? pefelistas.
Roberto Brant, que chefiava a campanha de Roseana, ressurgiu para defender Marco Maciel para presidente. O próprio pediu que parassem com isso.
Não pararam. Segundo a Jovem Pan, o PFL avalia agora outra reeleição de FHC, idéia de um deputado que já teria ?estudos? provando que é uma possibilidade constitucional.
Ciro Gomes viu um nicho e alojou-se nele. Depois dos encontros em Washington, surgiu em Brasília para defender o realinhamento ?sem preconceitos? com os EUA de Bush.
Afinal, ?a globalização não é um jogo de iguais?.
Garotinho só quer saber de Ricardo Sérgio e de proclamar, na Record, que ?está em jogo a honra do presidente?.
Mas no PSB não é bem assim. Luiza Erundina foi à CBN dizer que é ?extremamente constrangedor? ter o pré-candidato a vice ligado ao SNI. E mais:
– Ele é um pré-candidato do ex-governador Garotinho. Ele não foi em nenhum momento pré-candidato a nada do PSB.
8/5/02 – Uma cebola, um alho
Do SPTV:
– Uma empregada doméstica, mãe de cinco filhos, foi presa. Ela é acusada de furtar o apartamento onde trabalhava, na zona sul. No boletim de ocorrência, a descrição do que foi furtado: uma cebola, uma cabeça de alho, uma lata de seleta e um caldo de carne.
Fala a empregada:
– Se eu soubesse que ia dar nisso, não tinha levado. Um alho, uma cebola, uma ervilha. Não tinha pegado.
Segue o SPTV:
– Presa em flagrante, ficará na delegacia enquanto aguarda julgamento. A pena pode ser de dois anos de cadeia… A empregada trabalhava para a publicitária Denise Aparecida Oliveira. O SPTV tentou falar com ela, mas ela não quis comentar o assunto. O zelador do prédio presenciou a confusão.
Fala, por fim, o zelador:
– Mandou eu subir para ver o que tinha na bolsa: uma cebola, uma cabeça de alho e uma latinha de ervilha.
Enquanto isso, em Brasília, a longa nota do PFL que pediu a renúncia de José Serra, destacada em toda parte, a começar do JN, manteve o tom sóbrio até os últimos parágrafos. Então, escorreu ironia:
– A candidatura de Serra está nas mãos de Serra, mas a renúncia pode revelar o espírito público de seu autor… Um bom candidato tem de estar mais para Chirac do que para Jospin. Como se sabe, Jospin caiu no primeiro turno…
Só faltou fechar com piada. Foi para expor, até para ridicularizar, que a nota saiu. Não leva o menor jeito de ?estratégia? do PFL para se ?cacifar? na negociação com o PSDB, como disse Serra.
Às pressas, PSDB e PMDB trataram de responder, com os presidentes José Aníbal e Michel Temer surgindo lado a lado na TV, mais uma nota, sem o menor traço de humor:
– O candidato do PSDB é o senador José Serra, em aliança com o PMDB…
Acrescentou-se a aliança ?com as demais forças políticas? que quiserem -mas o tom de entrevistas do peemedebista Geddel Vieira Lima e do próprio presidenciável foi próximo da desistência do PFL.
Nas duas notas, nem menção a Ricardo Sérgio.
Longe das rusgas da antiga base governista, o que se viu e ouviu em TV e rádio foi Pedro Malan em ataques a Lula -e recebendo como resposta que é ?cabo eleitoral?. Também se viu a Globo repisando que o vice de Garotinho era um assessor do SNI e que a Frente Trabalhista de Ciro Gomes está rachando.
7/5/02 – Escala planetária
FHC, de manhã na rádio Eldorado, parecia ainda gaguejar ao falar de Ricardo Sérgio.
A transcrição na Globo, só no jornal Hoje, não no Jornal Nacional, foi carregada de reticências, de pausas em busca das palavras adequadas.
No fim, o que ficou foi o adjetivo ?requentadas?, para as denúncias, além da defesa protocolar da apuração:
– Havendo algo efetivo, a Justiça se ocupará.
No mesmo vaivém, FHC defendeu Ricardo Sérgio, de um lado:
– Outras denúncias já feitas contra a mesma pessoa não foram comprovadas.
De outro lado, guardou alguma distância:
– O meu rumo não passa por esses caminhos complicados.
À tarde, mais à vontade, o presidente já estava falando de tudo, menos de Ricardo Sérgio. Especulou, por exemplo, sobre o futuro dele e do planeta:
– Se eu ainda puder ser sociólogo, quem sabe daqui a um ano, eu gostaria de analisar temas que me entusiasmam: cidadania em escala planetária, nova sociedade civil mundial e formação de opinião…
Quem também tirou o dia para falar em rádio e TV foi Luiz Carlos Mendonça de Barros, que confirmou ter ouvido a denúncia do pedido de comissão.
No JN, ele desqualificou o empresário Benjamin Steinbruch, autor da denúncia:
– Ele me falou desse assunto, que eu entendi assim: ?ou vocês me ajudam ou eu vou jogar esse boato na praça?.
E assim, de entrevista em entrevista, o ?boato? foi aos poucos abrandado, serenado.
Sábado, o JN deu a denúncia, mas preferiu manchetes como ?cientistas descobrem fósseis da preguiça gigante do Brasil?. Nada de comissão.
Ontem, o caso chegou às manchetes, mas o destaque foi todo para o futebol, com coisas como ?os craques que ficaram de fora da seleção, a opinião dos torcedores, dos técnicos?. Até ?os clubes que saíram na frente nas decisões interestaduais? ganhou prioridade.
Alexandre Garcia, do Bom Dia Brasil, questionou uma eventual CPI e disse que ?Steinbruch terá que esclarecer se pagou ou não?. E tem mais:
– Se foi um pedido de comissão sem pagamento, a denúncia fica restrita a Ricardo Sérgio e a Miguel Ethel, que é ligado a Jorge Murad.
O dia foi coroado, no horário nobre, por uma longa propaganda de José Serra."