CRÍTICA DIÁRIA
"No Ar", copyright Folha de S. Paulo
"31/5/02 – Agora, o Brasil
– Primeiro, a Argentina. Agora, o Brasil?
Foi o título, segundo a Globo, do mais recente relatório do banco de investimentos Morgan Stanley. Ainda segundo a Globo, ?a análise aumentou o pessimismo do mercado?.
Não aumentou o pessimismo -da mesma maneira que dias atrás, também na Globo, a queda do PIB no primeiro trimestre foi inesperadamente comemorada, não lamentada.
Foi o que se ouviu em comentário no Bom Dia Brasil. Primeiro, a afirmação:
– A economia não está em recessão.
Depois, o inesperado:
– Estamos em uma situação esquisita de comemorar número negativo, só porque ele não é tão negativo.
Situação esquisita, de fato.
Mas é tempo de festa, ou melhor, de ?paz e alegria?, na expressão da Globo para a véspera da Copa do Mundo. É tempo de achar tudo bom, da escalação ao ambiente.
Tempo de fazer brincadeiras, como comentar o apelido de Juninho -ele que deixou de ser ?paulista? ao virar titular. Ele é chamado de ?Chucky?.
Juninho:
– Isso é coisa do Cafu. Tem que perguntar para ele.
Cafu:
– Vocês querem me complicar. Depois ele vai ficar bravo comigo.
Edilson:
– É porque ele é o mais feio do grupo, por isso colocamos esse apelido nele.
Juninho:
– É tudo brincadeira.
É tudo festa e falta de assunto, até agora, na cobertura da Copa que é só da Globo.
Festa à qual todos querem acesso, segundo o site Globo. com, até os presidiários de uma cadeia do Rio Grande do Norte. Sem a Globo, haveria risco de rebelião.
E Lula vai perturbando José Serra.
O acordo com Orestes Quércia, se de um lado evidenciou a aceitação da biografia do peemedebista, de outro tirou muito do impacto do anúncio da vice Rita Camata.
Atrapalhou até a festa da chapa Todos pelo Rio, que juntou a velha base de PSDB, PFL e PMDB, com direito a discurso de Serra. Isso, por mais que se ouvisse na Globo que:
– Não existe a menor possibilidade de um peemedebista ser o vice de Lula. Ao contrário, as negociações entre a ala do partido e o PT podem tornar mais fácil a aprovação da aliança com os tucanos…
30/5/02 – O bebê de Nizan
Reza o Aurélio que populismo é a política de ?aliciar? os mais pobres.
Como lembrou Garotinho na Jovem Pan, ?o pior populismo foi o cambial, que manteve US$ 1 a R$ 1 para garantir a reeleição?. E garantiu.
Alguns presidenciáveis, sabedores dos bons resultados, são mais abertamente populistas -como Garotinho, com promessas de salário mínimo a U$ 100 e hotel a R$ 1.
Também como Lula, que chora para Duda Mendonça mostrar suas lágrimas no horário da novela.
Até quem afeta pudor em ser populista, como Ciro Gomes, não demora para se mostrar dia após dia ao lado da namorada atriz de novela.
Por fim, tem José Serra. Dado como antipático e avesso à publicidade, foi forçado ao populismo também ele.
Nos comerciais da nova safra de Nizan Guanaes, os textos importam pouco. Exemplo:
– O senador mais votado do Brasil. Um respeitado ministro da Saúde. Mesmo quem ainda não está informado sobre nada disso sente que ele se preocupa com as pessoas.
Cada afirmação tem alvo bem definido. Mas o que importa é a imagem.
Nizan Guanaes sempre volta a uns poucos temas obsessivos. Com Roseana Sarney, foram cerveja e os bebês da Parmalat. No caso do tucano, voltam os bebês -sua campanha mais bem-sucedida.
Lá está Serra com um bebê, se esforçando por desviar a atenção da criança até conseguir dar um remédio. O bebê sorri muito, Serra também.
É como beijar criança em comício. Mas não é a mesma coisa que manter o câmbio fixo.
No esforço de conter o avanço de Lula no PMDB, a direção da legenda já gravou propaganda com Rita Camata como vice, segundo a Globo.
E o JN mostrou que Lula primeiro disse que Orestes Quércia não foi condenado e depois que só está querendo criar problemas para Serra. Sem falar de Alexandre Garcia:
– O mais incrível é a seriedade com que apresentam os troca-trocas… O que Lula já disse de Quércia foi muito além de cobras e lagartos. E sempre teve resposta de Quércia.
Boris Casoy faz campanha para os candidatos deixarem claro de onde vem o dinheiro de jatinhos, comerciais.
A única resposta partiu de Garotinho, que mandou perguntar ao tesoureiro. O âncora disse esperar que o presidenciável, se for eleito, responda ele próprio por seus atos.
29/5/02 – Milhões em ação
– Eu me lembro muito bem do Geraldo José de Almeida, do Walter Abraão, do Fernando Solera. Os três dividiam as transmissões, 30 minutos cada um. E foi uma curtição muito grande.
Era Galvão Bueno, falando da Copa de 1970, quando a Globo ainda não havia monopolizado as transmissões e imposto uma voz do Brasil -a dele, Galvão Bueno.
Agora, com todo o esforço de mobilização da TV, não andam animados os ?milhões em ação? do hino de 1970.
O esforço tem levado a cenas constrangedoras. Dias atrás, o Jornal Nacional anunciava a nudez de Ronaldo, no Globo Repórter. E o Globo Repórter, mostrando as cenas:
– Vestiário da seleção. Cenário do strip-tease autorizado do Ronaldinho. Abdômen contraído, músculos à mostra.
Com todos os músculos à mostra, a mobilização não vem. Foi parar na primeira página do ?New York Times? de ontem, ao lado de uma imagem de Luiz Felipe Scolari:
– Para os fãs de futebol no Brasil, a apatia está tomando o lugar da paixão.
Mas ainda há tempo -e o martelo vai bater sem parar, na audiência.
Com monopólio na Copa, a Globo também vai conseguindo tudo o que quer em Brasília. Do Jornal Nacional:
– O presidente Fernando Henrique assinou um decreto que libera a recepção dos jogos por antenas parabólicas. O contrato assinado entre a TV Globo e a empresa que detém os direitos da Copa tornava obrigatória a codificação do sinal. Agora, com o decreto, a TV Globo vai poder liberar a transmissão para as parabólicas.
FHC, ao menos, está em ação.
Depois que Nizan Guanaes fez um comercial sobre futebol para José Serra, o Lula de Duda Mendonça trata de entrar no assunto também ele.
Ele falava das pesquisas, quando observou, em alegoria que precisa ser retocada pelo marqueteiro:
– Pesquisa é como jogo de futebol. Se você está ganhando de quatro a zero, tem que fazer o quinto. Mas o jogo ainda não começou e nós temos que trabalhar para subir mais e consolidar a vitória.
Consolidar a vitória, no caso, passa por purificar Orestes Quércia. A exemplo do que FHC fez com ACM, agora é Lula quem diz que o peemedebista não pode ser atacado porque não foi condenado.
O PT anunciou ontem que o vice de Lula só sai depois da convenção do PMDB.
28/5/02 – Da polarização às baianas
Bem que o dia começou no roteiro traçado por Nizan Guanaes e sua equipe. Alexandre Garcia, por exemplo:
– A polarização nas eleições é inevitável. Serra é governo, Lula é oposição.
Também Franklin Martins:
– O PSDB vai polarizar a campanha e concentrar ataques em Lula.
Mas ficou por aí, porque logo se anunciou a pesquisa Sensus. Serra havia caído -e a polarização, se existe de fato, parecia estar então entre Garotinho, que foi a segundo, e Lula.
Foi a ?virada eleitoral?, como proclamou o Jornal da Band. E foi o bastante para o tucano reagir com carga retórica de fazer inveja ao populista Garotinho -ou ao comentarista de futebol Cacá Rosset.
Serra falou em pesquisas de sua própria campanha que apontariam cenário oposto. Segundo a Jovem Pan, ele chegou a anunciar, para o caso de o instituto Sensus estar certo:
– Os meus publicitários disseram que se vestiriam de baianas e dançariam na porta.
Entende-se que, entre os publicitários, estaria o baiano Nizan Guanaes.
Esquecido nos cenários de ?polarização?, Ciro Gomes dá entrevistas freneticamente. Passou pelo Canal Livre redivivo, no fim de semana, na Band.
E fala amanhã a João Gordo, da MTV -com transmissão só daqui a duas semanas.
Quem ligasse ontem a TV teria a sensação de que o horário eleitoral já estava no ar.
Ciro surgiu em foto, na mão de um locutor, e no discurso petebista de Gastone Righi. Garotinho surgiu em terno bem cortado e pose de estadista, na esteira de Lula.
Paulo Maluf bradou que o dinheiro dos pedágios de São Paulo vai para empresários ?amigos?. Aloizio Mercadante apelou a Eduardo Suplicy, como vêm fazendo tantos petistas, para se apresentar.
Sem contar um interminável Orestes Quércia, José Genoino, as obras de Geraldo Alckmin, até José Sarney. Todos ontem -e o horário eleitoral só vai começar, dizem, em agosto.
Os partidos gastam cartucho publicitário à toa ou quase. A começar da Globo, mas não só, a TV volta os olhos para a Copa -e já sufoca a vontade do telespectador.
O Jornal Nacional, ancorado da Coréia do Sul, não quer outro assunto. De pesquisa, por exemplo, preferiu uma do Ibope que apontou que os brasileiros querem leis que controlem as finanças dos clubes.
Nada de Lula em alta, José Serra em queda etc."