Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Nelson de Sá

LULA PRESIDENTE"No Ar", copyright Folha de S. Paulo
"12/11/02 ? Show da vida
A realidade, ainda que um show de realidade, tomou afinal
o lugar da política na televisão.
Desde sexta-feira que Suzane, que matou os pais, e Pedrinho, que
foi encontrado pelos pais, ocupam o tempo antes destinado a Lula
e FHC.
Depois de uma cobertura eleitoral em que não se ouviram reclamos
de discriminação ou maniqueísmo, os telejornais
caíram sedentos sobre as duas histórias.
Alguns, caso do Cidade Alerta de Luiz Datena, trataram a primeira
história, desde logo, com expressões como ?pulhas?
etc.
Outros abraçaram o drama, carregando as reportagens de fundos
musicais e deixando os adjetivos para delegados, vizinhos, até
uma carcereira.
No Fantástico, que já foi o ?show da vida?, um promotor
dizia sobre a filha assassina:
– Trata-se de um monstro, o monstro do Campo Belo.
E um delegado:
– Um crime bárbaro, que choca até o mais experiente
policial.
Ouviram-se psiquiatras, que questionaram a ?sociedade materialista?,
a ?inconsequência?, as ?drogas?.
Outros responsabilizaram a maconha pelo ?desvio de comportamento
dos jovens?. A Globo, ontem, foi atrás da Unesco para relacionar
a droga aos assassinatos.
E tome uma vizinha ?que não quis ser identificada?, falando
sobre a família do namorado da filha:
– Era uma família muito estranha. Os filhos eram agressivos.
Não era uma família querida pela vizinhança.
A certa altura, alguém descreveu que um dos filhos deixava
seu cachorro ?fazer cocô? na porta dos vizinhos.
E tome uma carcereira, descrevendo a filha:
– Uma pessoa calma.
Uma pausa, e a carcereira muda de idéia:
– Particularmente? Uma pessoa fria.
Mas havia o outro lado, a segunda história, sem ?monstro?
e com final feliz, da descoberta do filho de 16 anos pelos pais
que o procuravam desde a maternidade.
As emissoras, Globo à frente, acompanharam o mais que puderam
o encontro. Registraram até a respiração da
mãe, ao caminhar para ver o filho, sob a locução:
– A emoção deixa o caminho longo demais.
Pedrinho de início, depois Oswaldo, ontem Pedrinho de novo,
o menino foi descrito como ?aluno exemplar?, que ?fez questão
de ir à escola e continuar a vida como era antes da descoberta
dos pais?.
E que já programou, na sorridente manchete do Jornal Nacional,
que vai passar as férias com os novos pais.
Lula e FHC fazem o possível para manter seu show com audiência.
O presidente eleito vai à Bahia, recebe mais beijos e fita
do Bonfim, posa com ACM. O presidente vai a Portugal para falar,
é claro, do Brasil.
Não adianta, os dois já ficaram para trás,
depois de um ano de interminável campanha. Agora, a mesma
atenção, só em 2003 -ou 2006

.
8/11/02 – Sem qualquer relação

Pedro Parente acaba de ser liberado pela Comissão
de Ética Pública, que ele mesmo criou e sobre a qual
já mostrou ter ascendência, para assumir como vice-presidente
da RBS sem quarentena.
É o grupo que retransmite a TV Globo no Rio Grande do Sul
-e que é sócio da Net, TV paga que recebeu R$ 284
milhões do BNDES em março.
Nota do Palácio do Planalto sublinhou que o ministro foi
funcionário público por 31 anos -e que a comissão
o liberou porque as áreas de operação da RBS
não têm ?qualquer relação com suas funções?.
Mas ele promete, de qualquer maneira, só para garantir, que
não vai usar em favor da RBS as ?informações
privilegiadas às quais teve acesso?.
Deve ser tudo verdade, mas é preciso esforço para
aceitar que não há ?qualquer relação?
entre as funções do ministro da Casa Civil e a televisão.
Por exemplo, o governo de FHC tinha como seu candidato a governador,
no Rio Grande do Sul, Germano Rigotto.
Antes do segundo turno, a RBS encomendou e divulgou as seguintes
pesquisas:
Uma semana antes, Rigotto aparecia 24 pontos à frente de
Tarso Genro; um dia antes, 16 pontos à frente; na eleição,
12 pontos à frente.
Na apuração, a diferença foi de meros cinco
pontos.
Os números corretos estavam o tempo todo na concorrência
da RBS, criticada violentamente pela emissora e por Rigotto, que
falou em desmoralização do instituto que deu os números,
afinal, corretos.
Tarso Genro, após a eleição, tentou se debater
declarando que ?as pesquisas que esse grupo divulgou foram manipuladas
para desestimular?.
Como em 89, jamais se vai chegar a uma conclusão sobre o
efeito dos números no eleitor, se foi decisivo ou não.
Mas a diferença da pesquisa para a verdade foi tão
chocante que produziu pedidos públicos de desculpas dos presidentes
do Ibope e da RBS.
A mesma RBS de que Pedro Parente, servidor por 31 anos, se tornará
vice-presidente assim que deixar o poder.
Pode dar em nada, mas o vago pacto social de Lula ganhou o Jornal
Nacional, com cobertura de ?convocação nacional? já
a partir da manchete.
Ganhou também o inesperado apoio de empresários do
porte de Abílio Diniz e do sindicalista Paulo Pereira da
Silva.
Sobretudo, ganhou pesquisas -sempre elas. Levantamento destacado
na TV garantiu que 82,7% dos brasileiros acreditam no tal pacto
social.

6/11/02 – Qüééémmm

Fim de governo é assim. Vem um comentarista da
Globo e diz, sem piedade:
– Você sabe o que é um pato manco? É o nome
que os americanos dão a um presidente cujo mandato acabou,
mas ainda não saiu do cargo. Ninguém liga mais para
ele. E ele fica ali, mancando. Qüééémmm…
Qüééémmm…
Por aqui, para piorar, o presidente ainda se debate, continuou o
comentarista, escorrendo sarcasmo:
– FHC não quer ser só um pato manco, mas um pato cooperativo…
O deboche se dissemina a ponto de levar o ministro da Fazenda a
vir a público, bater no peito contra críticas petistas:
– O empenho para se conduzir a transição de forma
construtiva, civilizada e transparente não deve obscurecer
o fato inquestionável de que o mandato do atual governo termina
em 31 de dezembro.
Pedro Malan não alcançou, nem de longe, a repercussão
de outros tempos, por exemplo, no Jornal Nacional.
Se até Arnaldo Jabor debocha de FHC, não seria o PMDB
que insistiria no oposto. Já de manh&atilatilde;, Alexandre Garcia,
sempre sorrindo, adiantava o que estava por vir:
– O PMDB vai continuar dividido entre ser ou não ser governo,
mas com uma mudança. A ala de oposição vira
governo -e é engordada pela parte que gosta de ser governo.
A parte que gosta de ser governo posou com o PT para os telejornais
e, após certo suspense, confirmou a troca de apoio nas eleições
da Câmara dos Deputados e do Senado.
Já a decisão sobre integrar o governo Lula ficou para
depois, pela explicação que deram, de se detalharem
mais as propostas do presidente eleito.
Anunciam-se, como se vê, mais dificuldades para Lula, antes
de alcançar as facilidades de que ele precisa -e que FHC,
vale lembrar, só foi ter depois de anos no balcão.
Os tucanos poderiam ter passado sem o constrangimento de José
Aníbal. Ele saiu espalhando que o peemedebista Michel Temer
teria garantido não haver acordo para a Câmara, só
para o Senado.
À noite, JN e demais citavam com ironia a reação
tardia dos tucanos -e anunciavam em manchete o ?acordo fechado?
entre PMDB e PT.
Enquanto José Dirceu e Antonio Palocci suam a camisa, Lula
encontra celebridades, fãs, assina autógrafos.
Seu tratamento, nas ruas do Rio como na TV, foi de ídolo."

 

"Bloco de sujos elege seu folião mais
bonito", copyright O Globo, 7/11/02
"Há muitas características inéditas
na vitória de Lula para o cargo de presidente da República.
É o primeiro líder de esquerda que chega ao poder
no Brasil. É o primeiro operário na Presidência.
É o primeiro presidente que não tem diploma de curso
superior. Mas confesso que de todo o ineditismo que cercou esta
eleição o que mais me surpreendeu foi a festa que
se seguiu à divulgação do resultado oficial.

Há quem possa dizer que, se Lula foi eleito pela maioria
dos eleitores, é muito natural que esta maioria comemore.
Mas não é assim. A primeira eleição
para presidente do Brasil, desde que cheguei nesta terra, foi a
de Juscelino Kubitschek. Não me lembro dela. Também
não me lembro da de Jânio Quadros. Depois, foram 20
anos de ditadura. A eleição de Tancredo Neves foi
indireta. Resumo da ópera: eleição direta para
presidente, desde que me entendo por gente, foi a partir da de Fernando
Collor (toc toc toc). E não me lembro de nenhuma comemoração.

A maioria escolheu Collor (toc, toc, toc) e não comemorou.
A maioria escolheu Fernando Henrique duas vezes e não comemorou.
A maioria esperou a eleição de Lula para comemorar.
Foi um carnaval fora de época em que a música preferida
dos foliões era o Hino Nacional. Não dá para
se comparar com movimentos como o das Diretas Já ou o do
Fora Collor (toc toc toc) em que o povo foi em massa para as ruas.
Era diferente. No domingo à noite, ninguém tinha nenhuma
reivindicação a fazer. Ninguém queria provar
que o povo unido jamais será vencido. A intenção
era só festejar. E isso nunca aconteceu antes.
Houve uma época em que o simples ato de votar já pedia
comemorações. Ir às urnas era uma festa. Mas
o resultado das urnas era encarado com esperança ou ceticismo,
mas sem alegria. Com o tempo, o eleitor se acostumou e essa festa
acabou. Ela voltou agora para celebrar a vitória de Lula.
Por quê?
Lula é, sem dúvida, o presidente do Brasil mais parecido
com a massa que elege presidentes no Brasil. Nunca a maioria se
identificou tanto com o eleito. Lula não fala bem português,
erra concordâncias – verbais e nominais – tem problemas de
dicção, parece que está sempre pouco à
vontade dentro do terno e gravata. Enfim, é um presidente
do Brasil com cara de brasileiro.
A impressão que se tem é de que a maioria se cansou
de eleger os elegantes, os bem vestidos, os que falam bem e apostou
suas últimas fichas no líder do bloco de sujos. Com
sua vitória, a maioria se emocionou. Vem cá, se até
o presidente Fernando Henrique, o mais elegante, o mais bem vestido,
o mais poliglota dos brasileiros, ficou emocionado, imagine o resto
da população.
A festa de domingo à noite foi a festa da identificação.
Se Narciso acha feio o que não é espelho, o povo brasileiro,
que está sempre enamorado de si mesmo, foi para as ruas celebrar
a vitória do mais bonito dos brasileiros. O bloco dos sujos,
desta vez, escolheu um de seus pares.
***
A melhor frase de Lula, dita ainda no seu pronunciamento de domingo
na Avenida Paulista, referia-se ao tom que a atriz Regina Duarte
trouxe para a campanha eleitoral: ?A esperança venceu o medo.?
Pena que, na verdade, tenha sido criada pelo publicitário
Duda Mendonça. E mais pena ainda que Duda não tenha
esperado Lula lançá-la na festa em São Paulo.
Horas antes, em Salvador, Duda já usava uma camiseta com
os dizeres e repetia o slogan para qualquer televisão que
o entrevistasse.
***
Quero escrever com todo cuidado para não haver mal-entendidos.
Dona Rosângela Matheus não me compreende. Será
que ela não gosta de ser chamada pelo nome da carteira de
identidade? Então, a partir de agora, vou chamá-la
de Rosângela Matheus, vulgo Rosinha Garotinho. Vamos ver se
assim ela me dá ouvidos. Pois dona Rosângela Matheus,
vulgo Rosinha Garotinho, não deu bola para a idéia
do alisamento japonês a 1 real. Ignorou meus apelos para que
crie um cheque-chapinha. Fez ouvidos de mercador para a sugestão
de lançar o Auxílio-Escova. Que me resta fazer? Fico
preocupado com o dia em que dona Rosângela, vulgo Rosinha,
mergulhar no piscinão de Ramos e sair de lá com os
cabelos em pé. Dona Rosângela, vulgo Rosinha, precisa
criar o Plano de Distribuição de Henê. Cabelo
crespo? Tolerância zero!
***
A todos aqueles que sofrem de SAF, a Síndrome de Abstinência
de ?Fama?, recomendo que procurem a TV a cabo mais próxima
e assistam, toda segunda-feira, às 22h30m, pela televisão
espanhola, a ?Operacion Triunfo?, o ?Fama? que deu origem à
série. É igualzinho, mas mais cafona. Dura duas horas
e meia, são 17 candidatos e o repertório é
cheio de boleros de Julio Iglesias e Luis Miguel ou canções
em inglês gravadas originalmente por Whitney Houston. Imperdível.

***
Acho um absurdo essas pessoas que criticam a novela ?Esperança?,
dizendo que não acontece nada na trama. Como não acontece
nada? Esta semana, por exemplo, o Gianecchini está com tosse!"