CRÍTICA DIÁRIA
“No Ar”, copyright Folha de S. Paulo
“6/12/2002 – Corrida patriótica
Boris Casoy anunciou o encontro de Lula e Armínio Fraga e juntou, nas manchetes: ?Mercados nervosos?.
A Globo News acrescentou que, ?enquanto o novo governo não define o ministério?, foi o dia de sempre nos mercados: a bolsa caiu, o dólar subiu, o risco disparou.
A CBN apelou a ?analistas?, para os quais ?a reação dos mercados foi efeito da demora no anúncio? do presidente do Banco Central.
Assim foi a televisão, tão ou mais nervosa que os mercados. Isso enquanto o PC do B vinha a público recusar o Ministério dos Esportes.
Isso enquanto Miguel Arraes pedia o adiamento do anúncio do ministério -e isso enquanto Garotinho declarava que, se for ?convocado?, deve aceitar ser presidenciável.
Casoy, escorrendo ironia:
– Lula está comendo o pão que o diabo amassou. No Brasil, abriu cargo, começa a corrida geral. É um grande patriotismo dessa gente brasileira, que quer colaborar.
Não é de agora a sensação de que FHC já entregou o governo a Lula, de que Pedro Malan já entregou a economia a Antônio Palocci. Pela Globo, ele está quase em férias:
– Um carioca, acostumado a altos e baixos, sofreu com o jogo no Morumbi. Muito distante das arquibancadas e sem um radinho de pilha, Pedro Malan, fluminense roxo, foi convidado com Antônio Palocci a jantar com 500 banqueiros.
Continuou o relato:
– O assunto era quem será o presidente do Banco Central. Mas, para ele, a preocupação era outra: saber se o time estava na final. Fez discurso desejando boa sorte ao futuro governo e arrancou risos dos banqueiros ao perguntar do jogo.
Se assistir aos telejornais da Globo, Malan, homem forte da era FHC, vai redescobrir o Brasil como destino para as suas bem merecidas férias.
Parece não haver programa que não venha com um toque de turismo nacional-popular. É o prenúncio do que será a TV se passar -e deverá passar- o projeto de Jandira Feghali, do PC do B, que determina uma ?regionalização?.
Exemplo de ontem:
– Um pedaço diferente do Ceará, onde o clima é ameno. Assim é Baturité. A estudante Aline é a guia desse roteiro de belezas naturais e história. A primeira parada é num antigo seminário dos jesuítas, feito de pedras transportadas no lombo de animais. Lembra um castelo medieval.
E por aí vai.
5/12/2002 – Coisas diferentes
O porta-voz, em entrevista coletiva, ao vivo na Globo News, afirmou que Lula ?convocou? Antônio Palocci e José Dirceu para fazer ?um balanço da viagem?.
Não acreditaram muito, perguntaram se era só a viagem mesmo. O porta-voz respondeu que não esteve presente, ponto, outro assunto.
Mas desde o dia anterior que o ?coordenador da equipe técnica de transição? e o ?coordenador político da transição?, como foram chamados, estão em conflito -ao menos na Globo.
William Bonner, no Jornal Nacional de anteontem:
– Antônio Palocci e José Dirceu divergiram. Palocci disse que os nomes para o Banco Central podem sair na quinta. Dirceu afirmou que seria temeridade prever que será na quinta. E que quem diz isso não conversou com Lula e está falando por sua conta e risco.
Ontem, Franklin Martins:
– Palocci e Dirceu passaram o dia falando coisas inteiramente diferentes. Palocci disse não estar preocupado em acalmar governador. Dirceu veio a público dizer que é desrespeitoso falar que Itamar está nervoso. Não estão com a viola afinada.
Daí, Lula ?convocou?.
Não deixa de ser curioso que os dois ?coordenadores? da transição tenham divergido sobre a data de anúncio da equipe econômica.
É o que todos querem, de Eduardo Suplicy ao ?mercado?. Ontem, de novo, o dia começou com especulações sobre a manutenção de Armínio Fraga, chegando ao ponto em que Lula precisou vir a público e dizer ?não?. E se explicar:
– Não tenho nada contra o Armínio, mas nós fomos eleitos prometendo mudanças na política econômica.
O curioso é que, como FHC há quatro anos, Lula prometia priorizar a equipe ?social?. A realidade impõe outra coisa.
– A gente vai tentar mostrar que este é um presidente diferente e que vai demonstrar a sua preocupação com o povo desde o primeiro dia.
Era Duda Mendonça, na Globo, falando da posse. Mas a virada de ano do marqueteiro não se limita à festança de Lula em cadeia nacional.
Segundo o Uol, ele vai seguir os passos de seu colega James Carville, marqueteiro de Bill Clinton, e se tornar ator. No caso, vai participar dos esquetes de Denise Fraga para as últimas edições do Fantástico.
Ela será uma desempregada que se envolve numa campanha eleitoral e se dá bem graças a um marqueteiro. Ele mesmo, Duda. Vivendo Duda.
4/12/2002 – O homem forte
Anteontem, Lula questionou os ?especuladores?. Veio o JP Morgan e rebaixou a recomendação da dívida, dizendo não estar certo de que Lula terá uma relação amigável com o mercado.
Sobrou para Antônio Palocci dizer que o banco não conhece Lula e que a economia atravessa um ?processo positivo?.
Ontem, Lula visitou ?o ninho que já foi de tucanos?, na ironia da Globo. Foi à mesma Cepal cujo secretário-geral havia proposto a defesa da ?moratória negociada?.
Sobrou para Antônio Palocci dizer que ?isso está fora da pauta, liminarmente fora ou de qualquer jeito, está fora?. E garantir que Lula não vai tomar medidas ?heterodoxas?.
Antônio Palocci, que Itamar Franco insinuou mandar mais que FHC, certamente manda mais que José Dirceu, Aloizio Mercadante e outros. Foi declarado, ontem pela Globo, ?o homem forte?.
É com ele que se reúnem os ?empresários paulistas?. É dele que Eduardo Suplicy, como se viu no Jornal Nacional, cobra o anúncio do ministério.
É com ele que falam o próprio Dirceu e outros líderes da base política de Lula, sobre a medida provisória 66. Sobre Alca, também é ele quem fala, com sua língua presa:
– Eu não quero discutir Alca para os Estados Unidos terem mais espaço no Brasil. Eu quero discutir para os nossos produtos entrarem mais. Se não for assim, nós vamos procurar outro caminho.
É ele quem fala de inflação. Se a Fipe diz que em 2003 a taxa deve ficar em 12%, o homem forte diz à CBN, sempre ontem, que não vai permitir a reindexação dos salários.
E diz à Jovem Pan que não se deve esperar congelamento de preços, pois Lula ?acredita que o mercado deve se regular?. E que o Banco Central fará ?o que for preciso?.
Está por todo lado, o homem forte. Se Itamar resmunga, ele responde no JN que sua função, dele, Antônio Palocci, ?não é acalmar governador?.
Brasília, pelo que indica a Globo, se tornou um alvo do turismo de alto verão.
– Os hotéis vão fazer a festa. Os mais sofisticados estão com reservadas esgotadas. Já está difícil fazer reservas nos hotéis populares e até em pensões.
E tudo para ver a festa que Duda Mendonça está armando para Lula, com Zezé Di Camargo e Luciano e tantos outros petistas.
Quem não conseguir vaga, resta assistir pela TV. Duda já acertou a cobertura ao vivo, em cadeia, das redes.
3/12/2002 – De Canudos ao Capão
O Racionais não foi visto em parte nenhuma, ontem na Globo.
Mas os telejornais da emissora -e de outras- estavam carregados de imagens que pareciam saídas dos versos dos rappers paulistanos.
O problema é que ?há dez anos São Paulo aparecia em quarto? e hoje ?ocupa o triste primeiro lugar: é onde mais morrem jovens entre 15 e 24 anos?.
Venceu o Rio, da Cidade de Deus, de MV Bill.
E venceu na zona sul de Mano Brown e Ice Blue, do Racionais. Na descrição da Globo, ecoando, talvez inconscientemente, uma letra deles:
– Um labirinto de ruas e becos que cobre três bairros no extremo sul de São Paulo. A região é conhecida pela polícia como triângulo do medo. De cima não se vê o perigo, mas ele está em cada esquina.
Apresentam-se as pesquisas do IBGE, da secretaria de Segurança, mas:
– Quem mora num lugar como este não precisa de estatística para saber que o alvo da violência são os jovens que se envolvem com o crime.
O alvo são os personagens do Racionais. Uma criança aparece e descreve:
– O meu pai morreu com um tiro.
Uma menina de 12 anos também perdeu o pai assim:
– Meu irmão presenciou a morte dele. Muito triste. Depois eu fiquei dois anos revoltada na escola.
Outra garota foi no mesmo caminho. A emissora, pelo jeito, teve dificuldade para achar homens no ?triângulo?. Conseguiu, a certa altura, um adolescente de 15 anos.
É o resultado da ?guerra urbana?, na expressão da Globo. Resultado também de uma década com presidente e governador tucanos e desemprego recorde. Mais estatística:
– Em São Paulo, no ano de 2000, 85,6% das mortes de homens com idades entre 15 e 24 anos foram violentas.
Assim, no país todo, segundo a Jovem Pan, ?as mulheres já estão vivendo oito anos a mais que os homens?.
Da ?guerra urbana? à rural, da favela ao morro da Favela, onde tudo começou.
Por coincidência, os números do Capão Redondo em que se tornou todo o Brasil urbano saíram no dia do centenário de ?Os Sertões?, que retratou o Capão de então, Canudos.
E a Rede Globo, em tempos de Lula:
– Euclydes da Cunha voltou da guerra revoltado. Denunciou a fome, a miséria… Cem anos já se passaram -e o que mudou de lá para cá? Qual é a diferença entre o sertão euclydiano e o sertão de hoje?
Todos ao novo Conselheiro. Que, aliás, nasceu ali perto.”