Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Nelson de Sá

CRÍTICA DIÁRIA

“No ar”, copyright Folha de S. Paulo

“8/02/03 -?Good cop, bad cop?

E George W. Bush cedeu.

Depois da resistência mostrada por França e Alemanha, Rússia e China, ele surgiu ao vivo nos canais de notícias para dizer que aceita uma nova resolução da ONU sobre as inspeções no Iraque.

Cedeu, desta vez num jogo de cena diferente com Colin Powell. Antes era o presidente o ?bad cop?, o policial malvado, na expressão da Fox News, e seu secretário de Estado era o ?good cop?, o bom policial.

Anteontem e ontem, eles trocaram de lado. Powell tratou os velhos aliados como ?irrelevantes?, Bush cedeu a eles.

A retórica prosseguiu mais ou menos a mesma, mas Bush mostrou respeito pela ordem internacional, pela lei.

E não deu ouvidos à própria Fox News, que em editorial clamou pela guerra solitária, sem os aliados que só fazem dar ?facadas nas costas?.

O que seguiu na retórica foram expressões como ?fim de jogo? (Powell) e ?o jogo acabou? para Saddam (Bush).

O presidente também repisou as supostas provas dadas pelo secretário. E de novo elas foram pouco convincentes ou, ainda, foram convincentes só quanto ao esforço do Iraque de enganar os inspetores da ONU.

Mas não quanto à ligação do Iraque com a Al Qaeda. Isso é problema menos da oratória de Powell/Bush e mais dos vazamentos da comunidade de informações americana.

Dizia o secretário ontem, comentando a acusação iraquiana de que as suas provas poderiam ter sido forjadas por qualquer serviço de inteligência de terceira categoria:

– Nós não temos um serviço de inteligência de terceira categoria. Nós não temos que forjar nada. Forjar nada.

O problema é que funcionários da CIA e outras espalharam por jornais como ?New York Times? que a ligação Iraque/Al Qaeda é tênue, mais desejo político do que informação.

A direção do PT, incontinente no uso do poder recém-ocupado, se exaspera com os ?radicais?. Entra dia, sai dia, um José Genoino ou Aloizio Mercadante ameaça no Jornal Nacional com Inquisição e tortura.

Antes o alvo era a alagoana Heloísa Helena, ontem era o cabeludo paraense João Batista, o Babá, que teria ofendido o ministro da Fazenda ao declarar que não confia mais nele nem como médico.

Babá teve a menos radical das reações, dizendo que quem joga gasolina no fogo são aqueles que ameaçam com o horror dos infernos -e fazem do assunto, na mídia, algo maior do que é.

6/02/03 – Os irrelevantes

– Mudou alguma cabeça?

Era a pergunta da Fox News, estampada na tela algumas horas após o pronunciamento do secretário de Estado americano, Colin Powell, no Conselho de Segurança da ONU.

A própria emissora tratou de responder, afirmando que ?as reações foram as esperadas?. França, Rússia, China e Alemanha querem mais inspeção.

Também os democratas, oposição a George W. Bush nos EUA, querem mais inspeção, não guerra.

Sem falar do papa João Paulo 2?, opositor da guerra por temer a escalada do sentimento anticristão entre os muçulmanos. Ele anunciou ontem que vai se reunir com o vice-primeiro-ministro do Iraque.

Sem falar de Nelson Mandela, que voltou a chamar Bush de arrogante e disse que só vai dar ouvidos aos inspetores da ONU, não ao secretário de Estado, que não diz ?como eles conseguiram essas informações?.

Da Casa Branca, segundo a Fox News, veio o comentário:

– Só os ?inconvencíveis? continuarão sem se convencer.

Os ?inconvencíveis?, que Powell ameaçou transformar em ?irrelevantes?, parecem estar crescendo em número e coragem, nos últimos dias.

Foi uma ?apresentação audiovisual?, no registro da Fox News, e um ?drama na ONU?, segundo a CNN.

O espetáculo de Colin Powell incluiu gestos vigorosos, ameaças imperiais e muitos grampos e imagens de satélite.

Apresentou gravações de supostos funcionários iraquianos combinando como enganar os inspetores. Disse que uma fonte citou supostos testes de armas químicas em condenados à morte. Falou de ?terroristas com ligações com a Al Qaeda? vivendo no Iraque.

Disse, num escorregão, que os colegas de Conselho de Segurança deveriam acreditar nele, porque suas afirmações estavam sustentadas em fontes ?sólidas?.

Mais não disse, deixando no ar, ao fim da apresentação, o questionamento de Mandela quanto à fonte, afinal, do grandioso espetáculo audiovisual.

Alexandre Garcia, o porta-voz sem preconceito, disse:

– Os radicais podem ser 30% do PT, mas não são 30% da bancada de 92 deputados e 14 senadores. Desses, os rebeldes não são 5%: uma senadora e três ou quatro deputados, é o que calcula a cúpula do partido. E são rebeldias previsíveis, que sabem que ser rebelde dá notoriedade.

Em suma, eles são poucos e só querem aparecer na Globo.

5/02/03 – Prova cabal

O selo da Fox News anunciava ontem:

– Alvo: Iraque. A fase final.

O canal que derrubou a CNN da audiência nos EUA é como um porta-voz da guerra. Dá a entrevista coletiva do secretário de Defesa cotidianamente. Ontem, ele dizia:

– Já demos provas. Essa fixação que as pessoas têm, esse negócio de prova cabal (smoking gun)… A questão é se Saddam Hussein vai cooperar ou não. E ele não coopera.

Era uma maneira de conter as expectativas em relação as provas prometidas para hoje por seu colega, o secretário de Estado. Mas era também um aviso de que, com ou sem provas, a guerra vem aí.

E a Fox News está com ela. A emissora, que chegou ao Brasil quando Rupert Murdoch assumiu o controle da Sky, mudou o perfil da TV americana. Dizendo-se ele sim independente, contra o suposto domínio esquerdista na mídia, o canal foi a vanguarda da crescente patriotada na cobertura.

A afirmação da Fox News foi resultado da radicalização do ambiente político pós-11 de setembro. A emissora deixou a CNN para trás três meses depois. A CNN tentou seguir o modelo e só fez desfigurar de vez a imagem que tinha.

A característica da Fox News é carregar de opinião a cobertura, tornando-a ?vibrante?. Faz escolhas provocativas. No dia da eleição de George W. Bush, seu comentarista foi o próprio primo do republicano.

O presidente do canal, escolhido por Murdoch, tem como maior credencial o trabalho como assessor dos ex-presidentes Richard Nixon, Ronald Reagan e George Bush pai. O livro ?Bush at War? relata que ele já assessorou o próprio Bush filho, por baixo do pano.

É esse o canal que deve comandar a cobertura da guerra, se houver, o canal com mais e melhores imagens, com acesso às principais fontes.

E que o resto da TV no mundo vai reproduzir.

É certo que haverá resistência. A líder pacifista Míriam Leitão nem se contém mais. Ontem atacava as ?atitudes tão grotescas, tão primitivas? do presidente, na Globo:

– Bush filho tem tomado decisões que tornam esta guerra inaceitável. Uma foi nomear a filha do vice para decidir o que vai acontecer no Iraque após a queda de Saddam Hussein. Ela já disse que não quer eleições por lá porque poderia colher uma vitória islâmica. Prefere um ditador amigo.

Mais significativa, na resistência, é a presença de equipe própria em Bagdá.”

 

GUIDALLI DEMITIDO

“Sandro Guidalli não é mais colunista de Comunique-se”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 5/02/03

“A partir desta quarta-feira (05/02), Sandro Guidalli não faz mais parte do quadro de colunistas do site. Antes que alguns leitores confundam esta decisão com um ato de censura, recorremos à missão do Comunique-se para esclarecer o ocorrido. Ao publicar notícias e artigos sobre mídia e imprensa, o Comunique-se abre um espaço democrático, através da área de comentários presente em todos os registros do site, para uma ampla discussão acerca da profissão de Jornalista.

Diante disso, o que se espera de um colunista do Comunique-se é que ele se atenha ao assunto proposto pelo site, contribuindo para este importante debate. Não era o que acontecia com Sandro Guidalli, infelizmente. Embora os artigos fossem de inteira responsabilidade dele, o ex-colunista deixava, por diversas vezes, de se ater ao compromisso jornalístico para dar preferência à defesa ideológica, postura essa que desagrava muitos de nossos usuários a ponto deles pedirem o descadastramento do site. Por diversas vezes, também, o ex-colunista foi advertido, em vão, sobre esta tendência. Reiteramos que o descontentamento dos usuários dizia respeito ao caráter partidário de seus artigos, em detrimento do conteúdo jornalístico esperado pela comunidade que freqüenta o site. Concluímos, portanto, que estamos exercendo nosso direito de dispensar um colaborador cujo rendimento não correspondia mais às nossas expectativas. E isso é bem diferente de praticar censura.

Por fim, lamentamos profundamente a precipitação de Sandro Guidalli em publicar o seu ponto de vista em seu blog antes de termos anunciado a sua saída oficialmente. Aproveitamos para pedir sinceras desculpas aos usuários que porventura tomaram conhecimento da dispensa do colunista antes deste comunicado oficial e informamos que estamos retirando provisoriamente, às 19h do dia 05/02, a coluna ?Nas Entrelinhas? do ar, até criarmos um mecanismo para que seja possível acessar seus artigos sob forma de arquivo. Queremos também deixar registrado que Sandro Guidalli será sempre bem-vindo à área de comentários do site Comunique-se.

A Direção”

“Bye Bye Comunique-se”, copyright Mídia Sem Máscara (http://www.midiasemmascara.org/), 7/02/03

“Ao afirmar em nota oficial que a minha dispensa se deu porque eu estava usando meus artigos para fazer algo como uma espécie de ?propaganda ideológica?, a direção do Comunique-se destruiu toda a esperança que eu tinha numa saída cordial e honesta para a colaboração que por lá mantive durante nove meses.

O Comunique-se foi desonesto porque jamais me advertiu, como disse na nota, sobre o assunto. Além de nunca terem me alertado sobre qualquer coisa, ou manifestado repúdio sobre o conteúdo dos meus artigos, seus editores apenas me pediram que não criticasse lá o Observatório da Imprensa, o negócio do Alberto Dines com quem o Comunique-se tem acordo sobre troca de artigos. Mais nada.

Assim, jamais fui advertido sobre coisa alguma e nunca soube que meus artigos estavam sendo avaliados pela ótica da ?propaganda ideológica?. O mais curioso é que sou conhecido justamente por bater no jornalismo ideologizado que caracteriza a imprensa brasileira. Não poderia jamais usar expediente similar ao dos criticados para realizar as minhas críticas. Isso é suicídio intelectual.

O Comunique-se foi desonesto também porque não assumiu que havia tomado as dores dos meus opositores que teriam, segundo o portal, optado por descadastrarem-se do site em repúdio a minha presença nele. Por mais absurdo que isso possa parecer, ainda conforme a primeira justificativa para me demitir, alguns leitores preferiram deixar de acessar o site apenas por minha causa.

É como se alguém deixasse de conectar-se à Web porque seria possível encontrar nela algum site repugnante. Isso contém um grau de puerilidade tão grande que fica difícil de acreditar. Mas vá lá, é plausível diante do que vemos.

Ao agir assim, o portal dá brechas para o argumento de que meu afastamento foi político. Alguém, não se sabe quem, teria ?recomendado? o meu sumiço de lá. Os investidores, preocupados, teriam concordado. Eu não quero acreditar nisso e não vou acreditar nisso. Até que a verdade apareça, prefiro achar que um barulhento grupo de pessoas realmente boicotou minha presença lá. Superestimado, este boicote culminou com a minha saída.

A intolerância que o episódio desnuda é impressionante. E é uma pena que o Comunique-se tenha se deixado tomar por este ambiente onde divergir é pecado, polemizar é incorreto. Ao me dispensar, perderam uma grande chance de dizer ?Não? aos intolerantes. Não souberam fazer absolutamente nada certo.

Azar do Comunique-se.”