Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Nelson de Sá

CRÍTICA DIÁRIA

“No Ar”, copyright Folha de S. Paulo

14/02/03 – Os ?condes?

A experiência eleitoral é pouca no país, mas alguém já determinou que um presidente tem seis meses de popularidade e só.

Lula talvez nem chegue a tanto. Não se depender de Brasília, pelo que indica a reação ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social -e ao Fome Zero antes dele.

Ontem só se ouviam críticas. Cientistas políticos que passaram oito anos justificando qualquer ação de FHC afirmavam que o conselho vai atrasar decisões de um governo que ?a sociedade acabou de eleger para tomar decisões?.

Pefelistas anunciavam, prometiam ir para o ?confronto? com o conselho.

Comentaristas da Globo previam que o conselho vai ?acabar atrapalhando?, que vai ?perder tempo?.

Ou, pior, diziam que ?os representantes da sociedade são os deputados e senadores e nenhum outro líder?. Que no conselho ?estão aqueles que o governo supõe que representem a sociedade?.

Que os conselheiros são uns c.o.n.d.e.s. (acrônimo de Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social).

Ouviu-se até um advogado ultraconservador dizer que o presidente da República representa só 60% do país, contra os 100% do Congresso.

O radicalismo na reação pode ter todas as razões do mundo. Uma delas talvez seja aquela mais simples: os ?condes? não são parte do universo político estabelecido na última década. Eles não têm os vícios, as relações de Brasília.

Mas Lula, como no Fome Zero, cedeu. Ele esvaziou o conselho, como destacou o Jornal Nacional. E prometeu:

– O conselho não vai substituir nem relativizar o poder do Congresso.

Em resumo, Brasília enxotou a sociedade civil.

Além do Fome Zero e do conselho, tem também os cortes no Orçamento -e nas emendas dos parlamentares- a exasperar a corte.

A Globo brincava ontem sobre os técnicos do FMI, recebidos como ?astros pop?:

– As relações com o Fundo vão bem. As relações domésticas é que estão complicadas.

E tome malufista e pefelista exigindo salário mínimo maior. A nova oposição -de direita- vai tomando forma querendo soar à esquerda.

O PSDB não quer ficar para trás. Estreou ontem sua nova propaganda, com tudo pelo social. Concentrou-se nos governadores, no quanto fizeram pelo Bolsa-Escola etc. etc.

13/02/03 ? A guerra e o ?boom?

Pouco depois do 11 de setembro, o governo Bush pediu aos presidentes das maiores redes americanas, inclusive os canais de notícias, que não reproduzissem as mensagens de Osama bin Laden.

E assim as redes fizeram, desde então. A CNN, por exemplo, cortou os 16 minutos da mensagem de anteontem para umas poucas passagens.

Mas não fez assim a Fox News, o canal de Bush, como vem sendo chamado.

A mensagem era tudo o que queria o projeto de guerra. Antes não havia ligação clara entre Bin Laden e Saddam Hussein, agora há ?nexo?, no dizer do secretário de Estado.

Daí a mensagem não ser mais um incômodo. Foi a explicação, aliás, dada pelo próprio canal para a reprodução integral: era um pronunciamento que faria ?uma conexão entre a Al Qaeda e o Iraque?.

O que se quer é uma desculpa para ir à guerra.

Rupert Murdoch, presidente da News Corp. e criador da Fox News, vem dando entrevistas para defender a guerra. Garante que ela vai trazer um ?boom econômico?:

– O melhor que vai resultar para a economia mundial é o petróleo a US$ 20 o barril… As coisas vão ficar ruins até que coloquemos o Iraque para trás. Mas quando estiver para trás o mundo todo vai se beneficiar do petróleo barato.

O australiano naturalizado americano Murdoch torce, mas é esperto o bastante para não apostar todas as fichas em Bush. Sobre o presidente e a guerra, comentou:

– Ou ele entra para a história como um grande presidente ou ele vai se arrebentar.

E com ele o mundo todo.

Havia uma novidade na coletiva da equipe econômica, anteontem. Faltou o presidente do Banco Central. Ou, melhor, esconderam.

De resto, tudo igual, não faltando nem a análise de Míriam Leitão na sequência:

– Guido Mantega e Palocci não tinham alternativa. Ou, melhor, tinham: ignorar a crise, os dados da realidade e deixar estourar as contas…

E assim foi, tudo como dantes.

12/02/03 ? Tudo muito igual

– Sem pressa.

Era Lula, na Globo. Mas não é de pressa que se reclama, quase em toda parte -e não só entre os quatro radicais. É de falta de mudança.

Até Franklin Martins, da Globo, já se vê à esquerda do governo Lula. Até ele diz:

– Tá tudo muito igual.

Por exemplo, a entrevista coletiva da ?equipe econômica? está muito igual. Fora a língua presa do ministro da Fazenda e o microfone quebrado do ministro do Planejamento, a sensação foi de ?déjà vu?.

Os cortes no Orçamento, foi o que se anunciou, não atingiriam a área social. Mas não foi bem assim, na linguagem tortuosa da equipe, perfilada para as câmeras.

O ministro da Fazenda disse que serão mantidos ?os investimentos sociais significativos?.

O do Planejamento disse que estão sendo preservados ?todos os programas sociais prioritários?.

Quer dizer, só está sendo mantido o que merece adjetivo, só os ?significativos? e ?prioritários?.

Nem mesmo o Fome Zero parece mais tão significativo e prioritário. Perdeu R$ 34 milhões. Outros ministérios ligados à área social perderam bilhões.

Aí vem Lula e promete fazer ?as coisas certas no momento certo?. Por enquanto, ele vai fazendo as coisas que não são certas.

Para confirmar que está tudo muito igual, ACM é o novo presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado.

ACM é aquele senador que, depois de ser envolvido na violação do painel de votação do mesmo Senado, renunciou. E agora volta para tratar de Constituição, Justiça, Cidadania.

É aquele senador que enfrenta nova acusação do gênero, agora envolvendo grampo de parlamentares.

É aquele senador que o PT apoiou para dirigir a comissão porque, afinal, ele apoiou Lula na eleição e tem ?compromisso com a governabilidade?.

Governabilidade foi a desculpa que explicou ACM ao lado de FHC durante dois mandatos. Tudo igual.

Nem Fox News nem CNN. De novo foi a Al Jazeera, o canal de notícias do Qatar, que chocou o mundo com o primeiro furo da nova guerra do Golfo.

E Osama bin Laden, que havia sumido da retórica de guerra, voltou a ser tema dos discursos de Departamento de Estado, CIA, FBI.

Que pularam sobre o pronunciamento dele como a desculpa final para a guerra.”