O BEIJO DO VAMPIRO
“Mais um beijinho, vai”, copyright Carta Capital, 4/09/02
“Tarcísio Meira já beijou cinco gerações de estrelas, inclusive, ocasionalmente, a própria mulher, mas esta parece ser a primeira vez em que emprega a bocarra de caninos finamente esculpidos com propósitos de fato apaixonados. Tarcísio é Bóris, uma espécie de Dick Cheney das criaturas da noite, com a ressalva de que, ao contrário do vice de Bush, Boris se satisfaz com um copo e meio de sangue.
Está soberbo o xodó da pequena tela, encouraçado em pneumático pontiagudo e comandando sua falange do mal num estilo dramatúrgico que evoca atores de primeiro naipe – Jack Nicholson, Robert De Niro, Al Pacino.
É do repertório dos virtuoses do palco e do vídeo essa persistência em transformar os personagens que encarnam, todos eles, sem exceção, em alguém muito parecido consigo mesmos. Dizem que é vício de canastrão. Injustiça: imaginem como não é árdua e sofisticada a façanha de um Tarcísio Meira de se parecer, sempre, canibal, galã ou monge franciscano, com… Tarcísio Meira. O que o luxuoso Tarcisão faz é vampirizar a si mesmo e isso não é pouco.
Só pode ter sido uma vilania premeditada da Globo promover uma trevosa competição de pavores com o elenco sinistro do horário eleitoral, ainda mais em horário capaz de tirar o sono de crianças chatinhas e adolescentes deprimidos.
Se é proposital a coincidência, como justificar a suspeita de que a emissora torce na arquibancada eleitoral de um dos candidatos, uma vez que o presidenciável em questão carrega um belo par de olheiras e não dorme à noite? Seria, da parte da Globo, uma ironia auto-infringida, um tiro no pé – não seria?
Retirada de qualquer contexto, a nova trama das 7, de Antônio Calmon, é como uma doce mordida no pescoço da audiência, já que anuncia que, junto com o aroma de tumbas reviradas, o ranger de assoalhos e aquela permanente neblina pela qual o cenógrafo deveria exigir taxa de insalubridade, o minueto ficcional irá, hum, desenterrar um tema tão nostálgico como o celibato dos padres e a virgindade das donzelas: o amor.
Esses morcegões injustiçados são seres por natureza enamorados, só que arrastam, pelos séculos e séculos, a contraditória desdita de, para fartar o corpo e redimir o coração, infelicitar o objeto amado. Um mero beijinho na carótida, mas que situação! Podem observar: só os vampiros e o Roberto Carlos ainda parecem acreditar, hoje em dia, que paixão dura toda a eternidade.
Embora os agentes da perversidade se sintam mais aclimatados nas grimpas da Transilvânia e em países de clima que lhes facultem a vaidade fashion de uma esvoaçante pelerine negra, é uma pena que a dramaturgia nativa não se volte para a versão tropical, desnuda e cálida dos que rendem homenagem às virtudes dos outros introjetando-os gloriosamente pela boca. Nossos canibais também eram carinhosos, como testemunhou Hans Staden, embora, primitivos, insensíveis ao paladar superior de uma travessa ao molho pardo, ainda fossem direto à carne, desprezando a seiva. Oswald de Andrade, o único que tentou chamar a atenção para esses ávidos gastrônomos de tanga, sintetizou no ?instinto caraíba? a essência do rito de regressão oral. ?Só me interessa o que não é meu? – escreveu no seu cânone da antropofagia.
O afeto odontológico dos sugadores de sangue é uma bênção para figurinistas e set designers. Eles podem se exercitar no frenesi gótico de luas cheias, crucifixos, estacas de pau, criptas, pios de corujas, punhos de renda, cetim vermelho, pupilas amareladas, clichê dos clichês desde a primeira encarnação do conde Drácula nas brumas do Medievo.
Não é novela, é um baile, de coreografia farfalhante, a que vem se juntar como acessório de luxo uma Cláudia Raia turbinada nas baladas da nite por um energético muito mais eficaz do que o Red Bull. Com pernões que escapam por dentro das rachas lúbricas do vestido sedutor, La Raia baba sangue, exagerada em sua volúpia, vamp com vocação para o camp.
É, os seres das trevas só pensam naquilo, o que anima a chance de que esse momento de ereção zero propiciado pelo Tribunal Eleitoral seja compensado por um pulsante fluxo de erotismo, com cupidos devoradores que não têm nada daqueles de anjinhos de arco-e-flecha. A garotada vai amar.
Vampiros são bem-vindos aos enredos ficcionais, por mais que a gente desconfie que eles também estão em nossa realidade – e basta olhar com atenção para a turma que faz análises macroeconômicas na tevê. No mínimo, com sua avidez instintiva e carnal, eles quebram a monotonia da militância veggie gastronomicamente correta que nos cerca.
A propósito: quem patrocina Beijos de Vampiro é uma marca de hambúrguer. Faz todo o sentido.”
“Com ?Vampiro?, Globo cresce 33% entre crianças”, copyright Folha de S. Paulo, 7/09/02
“Acusada de influenciar um menino que atirou no próprio pai, a nova novela das sete da Globo, ?O Beijo do Vampiro?, ampliou em 33% a audiência da emissora no horário entre o público de 4 a 11 anos, segundo dados do Ibope.
Do total do público da novela, 17,9% é formado por crianças. Sua antecessora, ?Desejos de Mulher?, tinha 13,5% de seu público na faixa dos 4 aos 11 anos. ?O Beijo do Vampiro? também ampliou a audiência entre pessoas de 12 a 17 anos, que formam 13,6% do total (contra 11,3% de ?Desejos de Mulher?). Consequentemente, a participação de adultos no perfil da audiência da novela caiu.
O perfil do público de ?O Beijo do Vampiro? é semelhante ao das novelas infanto-juvenis do SBT. Em sua primeira semana, registrou média de 32 pontos na Grande São Paulo. Superou a média dos seis primeiros capítulos de ?Desejos de Mulher?, que cravaram 27 pontos.
Na última terça-feira, uma criança de três anos deu um tiro no próprio pai, em Taquaritinga (interior de São Paulo). A mãe do menino disse à polícia que o filho, supostamente impressionado pela novela, teria a intenção de ?matar o vampiro que ia pegar o pai?. O caso levou o Ministério da Justiça a estudar a classificação etária da novela, que é livre.”
“Ministério pede capítulos de novela da Globo”, copyright Folha de S. Paulo, 6/09/02
“A Secretaria Nacional de Justiça pediu ontem à Rede Globo o envio de capítulos da novela ?O Beijo do Vampiro?, classificada para as 19h, para análise. A classificação da novela para decidir o horário de veiculação foi feita com base na sinopse, não nos capítulos.
O pedido do Ministério da Justiça acontece um dia após um menino de três anos ter supostamente baleado o pai em Taquaritinga (SP). Segundo L.A.I.C., mãe do garoto, ele foi influenciado pela novela e teria dito que mataria um vampiro se o encontrasse dentro de casa. O pai, C.A.C., é escrivão de polícia e deixou sua arma em cima da geladeira. Segundo Luiz Erlanger, porta-voz da emissora, ?a Globo só vai se pronunciar oficialmente quando chegar à conclusão do que de fato ocorreu. No entanto, ainda é possível dizer que culpar a televisão quando se deixa uma arma ao alcance de uma criança é querer transferir um gesto de irresponsabilidade?.”
REDE GLOBO
“Globo vende 90% de três emissoras de SP”, copyright Folha de S. Paulo, 4/09/02
“A Globopar (Globo S.A.), holding financeira das Organizações Globo, informou ontem que vendeu 90% das ações de três emissoras de TV do interior paulista. Os compradores foram os empresários José Hawilla (dono da empresa de marketing esportivo Traffic) e Stefano Hawilla. Foram v vendidas a TV Aliança (de Sorocaba), TV Modelo (Bauru) e TV Progresso (São José do Rio Preto). Os valores dos negócios, que precisam ser aprovados pelo governo, não foram divulgados. Em maio de 2002, a família Marinho, dona da Globopar, disse que teria de fazer um aporte de US$ 135 milhões na holding financeira.”
TV RECORD
“Record ataca a baixaria da concorrência”, copyright Folha de S. Paulo, 4/09/02
“A emissora que transformou Carlos Massa, o Ratinho, em fenômeno nacional é o novo paladino da televisão de qualidade. Em comunicado que divulga no ar desde as transmissões do debate com presidenciáveis, anteontem, a Record afirma que está acatando a classificação etária de programas e filmes feita pelo Ministério da Justiça e exige que o governo faça com que a concorrência também a cumpra.
O comunicado está sendo interpretado como um manifesto da nova fase pela qual passa a Record, agora mais afinada com as doutrinas da Igreja Universal.
No comunicado, a Record diz que não produz a mesma TV que explora ?temas abusivos em novelas de grande audiência?, em referência à Globo. Diz também que repele ?imagens apelativas de jovens seminus em programas de auditório? (como no ?Domingo Legal?, do SBT) e ?ensaios fotográficos explícitos com homens e mulheres em programas que se autointitulam jornalísticos; reportagens forjadas e casos de aberrações, tratando seres humanos como animais em jaulas para visitação pública?.
Pelo menos no discurso, o comunicado marca uma mudança. No começo deste ano, a Record chegou a fazer orçamento de ?reality shows? que agora abomina. Há poucas semanas, fotos de Deborah Secco na revista ?Playboy? foram mostradas no programa de Amaury Jr.”