MÍDIA GAÚCHA
Jair Krischke (*)
Carta aberta ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul
O Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH) criou, com a Associação dos Repórteres Fotográficos, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais (SJRS) e a Ordem dos Advogados do Brasil/Seccional RS, o Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo, quando a luta pelos direitos humanos era a luta contra a ditadura militar.
O Prêmio é almejado porque tem o reconhecimento de entidades que pautam sua trajetória pela busca da dignidade do ser humano. É um momento de encontro entre jornalistas e pessoas comprometidas com a verdade e a justiça social.
Mas, no Rio Grande do Sul, vive-se triste período. A diretoria do Sindicato dos Jornalistas respaldou as perseguições a um profissional que assinou matéria sobre as relações do atual governo com a máfia dos jogos clandestinos. O jornalista foi acusado pelo governo de não ser isento, porque é conselheiro do MJDH.
Este discurso sempre serviu para constranger jornalistas em sua missão mais importante: a busca da verdade. A opinião de todos é livre e não impede ninguém de trabalhar. A opinião e o livre exercício profissional são garantias constitucionais. Mais do que isso, são os pilares de uma sociedade democrática.
Neste ponto, a revista IstoÉ, bem como seu editor Cláudio Camargo, deram exemplo de postura ética, ao rechaçarem a tentativa, feita por assessores do Palácio Piratini, de desqualificar a integridade de Luis Milman, denunciando o evidente esforço de intimidação do trabalho jornalístico.
Os parâmetros para o jornalismo correto são a liberdade e a verdade, não a submissão a governos e a interesses partidários. Exemplo de jornalismo feito sem correção é o próprio jornal do Sindicato, o Versão, que abriu espaço para Diógenes de Oliveira, um réu confesso, expor o que desejava, enquanto manifestações de outras pessoas procuradas pelo jornal simplesmente foram suprimidas. Este é o tipo de jornalismo que tem o respaldo da diretoria do Sindicato.
A Comissão de Ética do Sindicato é independente da diretoria e condenou os chefes da assessoria de imprensa do governo, que mentiram e tentaram censurar matéria publicada pela revista IstoÉ.
Entretanto, os mesmos recorreram à Comissão de Ética da Fenaj, integrada por um também membro da diretoria do SJRS. Fugiram da instância regional de recurso, a Assembléia Geral dos Jornalistas. Buscaram a proteção dos amigos, que desrespeitaram prazos, suprimiram o devido processo legal e realizaram um julgamento secreto, de encomenda, num domingo, em Salvador (BA)! Tudo para tentar inocentar os assessores do Governo Dutra que transgrediram a ética jornalística.
A diretoria do Sindicato não se insurgiu. Pior, divulgou uma nota oficial, dizendo que se submetia à intervenção ilícita. Curvou-se, assim, a um julgamento arranjado, à violação do Código de Ética Profissional, à usurpação de competência da Assembléia Geral dos jornalistas gaúchos e à cassação branca do mandato dos seus pares eleitos para julgar questões éticas.
Esta mesma diretoria não tomou as providências legais cabíveis, depois que os jornalistas Altair Nobre e Nilson Mariano foram intimados, pela polícia, a revelar suas fontes. E, agora, apregoa respaldo à condenação dos profissionais José Barrionuevo e Marcelo Rech, por delito que se configura como de opinião, recomendando o acatamento de uma sentença criminal ainda passível de reforma.
A iniciativa de criminalizar cidadãos e jornalistas por suas opiniões políticas é o estigma de governos de índole autoritária. Sua motivação é evidente: amordaçar a imprensa, como bem denuncia a Organização dos Estados Americanos:
(…) As ameaças e agressões físicas e psíquicas, o ataque e intimidação a jornalistas e meios de comunicação e o início de ações judiciais por parte de autoridades com o propósito de silenciar os meios de comunicação são um exemplo das práticas utilizadas em vários países.
A Relatoria observa que a utilização arbitrária da figura de calúnias e injúrias, com o fim de calar a crítica contra funcionários públicos, continuou a ser utilizada contra jornalistas de investigação durante 2001 em vários países. Contrariamente ao estabelecido pela jurisprudência do sistema interamericano, em aproximadamente 17 países seguem vigentes as leis de desacato, as quais em alguns casos são utilizadas para silenciar a imprensa. A Relatoria tem sustentado em reiteradas oportunidades que as ações judiciais, dentro de um marco de uma justiça independente e sempre dentro do âmbito civil, constituem um mecanismo válido para defender-se dos abusos que possam cometer os jornalistas ou os meios de comunicação. No entanto, a Relatoria observa que em muitas ocasiões as ações judiciais iniciadas por funcionários públicos são utilizadas como um mecanismo de intimidação com o fim de silenciar o trabalho dos jornalistas e meios de comunicação [OEA, Informe do Relator Especial Para a Liberdade de Expressão/2001, “Introdução”].
Governos, favorecidos em circunstâncias processuais por leis que não se coadunam com uma sociedade plenamente democrática, podem ter, às vezes, atendidas suas postulações intimidatórias em juízo. Não conseguem, no entanto, ocultar a natureza destas demandas, que deveriam despertar o repúdio das entidades que representam jornalistas. Lastimavelmente, constata-se o contrário. O presidente do SJRS alinhou-se ao governo, ao manifestar-se em favor da condenação dos dois profissionais.
O regozijo dos revanchistas autoritários e dos seus seguidores é precipitado. Esqueceram que sentenças podem ser atacadas judicialmente, antes de transitarem em julgado; que mesmo aquelas irreversíveis não são imunes à crítica, a não ser que se pretenda impor, neste país e por via transversa, a idéia da infalibilidade do Estado, esta sim, repulsiva aos democratas.
Em inúmeras ocasiões, organizações civis, a exemplo do próprio Sindicato, têm reprovado decisões da Justiça que, ao seu critério, contrariam princípios democráticos ou interesses profissionais. Quando o fazem, exercem o mesmo direito que o presidente do SJRS apressa-se em desprezar, agora que jornalistas são sentenciados por criticas a atos e manifestações de governantes.
A 19? edição do Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo será promovida sem a participação da submissa, omissa e governista diretoria do SJRS. O prêmio simboliza convicções que esta diretoria deixou de honrar. Como reconhecimento aos jornalistas que fazem a defesa da justiça, dos valores democráticos, da ética e do humanismo, ele não será conspurcado pela presença, no dia do aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de uma representação sindical que avaliza o obscurantismo. Porto Alegre, 11 de julho de 2002
(*) Presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos